quarta-feira, 1 de fevereiro de 2023

O SAMBA DA MULHER VAIDOSA

Por Stephanie Diluna (Itabirito, MG)


"O Samba da Mulher Vaidosa"
Intérprete: Stephanie Diluna (Itabirito, MG)
Letra e música: Valéria Gurgel (Nova Lima, MG)

PELÉ

Por Napoleão Valadares (Brasília, DF)


Parte agora o grande atleta,

talvez vibrando, talvez            

sorrindo, como outras vezes

ele partiu para o abraço

depois do seu gol de placa.

Jogou com bola de meia,

cabeceou vida certeira,

fintando todos os vícios

e amortecendo no peito

os conselhos de Dondinho.

Titular de quatro copas,

de três delas campeão,

da Seleção artilheiro,

rei e cidadão do mundo,

teve sete bolas de ouro.

Dos homens o mais famoso,

com mil, duzentos e oitenta

e três gols, ninguém chegou

a seus pés, somente a bola,

a menina dos seus olhos.

Como goleador sem par

e o jogador mais completo

que pisou nesses gramados,

colecionou mil troféus

e foi o atleta do século.

São Pedro, sabendo disso,

convocou-o para o Céu,

e ele respondeu de pronto:

“Já vou. E começo aqui

e agora a minha arrancada.

Voz grave, pedindo a bola,

recebeu um lançamento

disparando pelo espaço,

driblou Mercúrio três vezes

e deixou Vênus pra trás.

Bateu a mão para a Terra,

jogou beijo para a Lua,

avançou, passou por Marte,

aplicou fintas em Júpiter,

saindo pela direita.

Num passe para Garrincha,

deslocou-se para o meio,

tabelando com Didi,

fez uma ginga e passou

entre Saturno e Urano.

Desviou-se de Netuno,

deu um chapéu em Plutão,

chutou, balançou a rede

e saltou, sem gravidade,

abraçando o infinito.

        (29 de dezembro de 2022)

 

REENCONTRO EXISTENCIAL

Por Elisa Augusta de Andrade Farina (Teófilo Otoni, MG)

Não possuo uma vida ideal, pois para mim que a conceituo como a possibilidade em que se consegue uma paz interior, vivendo a maior parte do tempo com serenidade, entra em distonia com minha realidade existencial.

Para se conquistar uma vida tranquila e equilibrada é essencial que você saiba como alcançar seus objetivos. O real nunca aparece. E quando aparece, está maquiado, colorido artificialmente por filtros ideais. O grande mal é quando se exercita o ideal, nega-se a vida. Temos que fazer escolhas, mesmo que essas não tenham um resultado satisfatório. O que não pode é deixar que os sonhos sejam petrificados por convicções que não sejam nossas.

Quando idealizamos, habitamos a dimensão do futuro e não enxergamos o mundo real que nos circunda. Acabamos dessa maneira por ficar sem nada porque não há outra realidade além do que é vivida aqui e agora.

Na minha visão não existe vida ideal. É quimera. O que me impulsiona a buscá-la é a liberdade de ser eu mesma e fazer uma desconstrução de tudo que representa minha vida que não me satisfaz como deveria. É ter a coragem de ignorar tudo que é imputável e ter a consciência de que minha felicidade dependerá da extensão da minha frustração ou êxito da minha busca vital.

Desta forma para não me perder, eu brinco de ser feliz e vou de tempos em tempos me reinventando, sorrindo para exterminar a tristeza que teima em reinar e me tornar uma outra pessoa que não me representa.

Quero deixar o fluxo da vida fluir. Não posso resistir. Quero ser eu mesma com a intensidade que a vida se apresenta a cada amanhecer. Já fui água, seiva, vegetal. Sou agora gota trêmula, raiz exposta!

Quero ser água fluída e cristalina sem limites, com a certeza a me guiar ao caudaloso curso do rio da vida.

 

Sobre a autora: Presidente da Academia de Letras de Teófilo Otoni e integrante da turma Lygia Fagundes Telles do curso Vivenciando a Linguagem, Leitura e Escrita, da Árvore das Letras (www.arvoredasletras.com.br).

 

O VELHO QUE CONSERTAVA COISAS

Por Leandro Bertoldo Silva (Padre Paraíso, MG)

 

Enquanto não atravessarmos

a dor de nossa própria solidão,

continuaremos a nos buscar

em outras metades.

 

– Fernando Pessoa –

 

Gosto muito dos velhos que consertam coisas. Eu mesmo tive um tio assim. Consertava tudo.

Uma vez pegou uma lâmpada incandescente queimada no lixo, emendou seu filamento e o pequeno bulbo de luz nunca mais deixou de acender.

Osmânio era um velho como ele: consertava ferros, rádios, relógios de corda, chuveiros, televisões velhas…, Mas o que ele sabia mais consertar eram sentimentos…

Não havia um só casal que, se estivesse a ponto de separação, Osmânio não os unia. O que falar das brigas entre irmãos, pais, mães? Até os animais pareciam respeitar o dom reparador que vinha das mãos daquele velho, e a braveza instintiva se transformava em mansidão quando estavam em sua presença.

Os alaridos viravam sons de passarinhos, assim como as flores floresciam mais e os aromas ficavam ainda mais cheirosos. Osmânio era assim: consertava corações…

Mas, apesar de tanto talento naquelas mãos, a tristeza não se apartava de seus olhos. Camuflava-se nos sorrisos tímidos daquele jeito misturado de sentimentos. E isso por uma simples razão: Osmânio era homem e, como tal, havia amado, e muito, uma mulher que agora existia apenas em seu passado. Ninguém nunca soube quem era de fato ou o que acontecera para ela não ter envelhecido com ele.

O que todos sabiam, porém, era que Osmânio, o velho que consertava corações, nunca havia consertado o seu…

 

(do livro Entrelinhas, contos mínimos.)


PARAFRASEANDO SENTIMENTOS

Por Valéria Gurgel (Nova Lima, MG)

PALMAS PARA A URSINHA MARROM

 Por Dias Campos (São Paulo, SP)

Ursinha Marrom acordou bem disposta e com muita fome. 

Mamãe Ursa tinha acabado de colocar um montão de comida na mesa.

Ela tomou leite, comeu cereal, e se lambuzou de mel.

Mamãe Ursa ficou satisfeita.

Em seguida, Ursinha Marrom pediu para ir brincar no bosque.

Mamãe Ursa deixou, mas pediu que ela não fosse muito longe.

E Ursinha Marrom saiu cantando e saltando.

Depois de alguns minutos passeando, ela começou a ouvir uma doce canção.

Era tão suave, tão agradável, que Ursinha Marrom parou e ficou só ouvindo.

Ela estava encantada com aquela música!

Mas não conseguia saber de onde vinha.

Fuça daqui, fuça dali, e ela percebeu que a canção vinha detrás de uns arbustos.

Ursinha Marrom era curiosa. E foi se aproximando, se aproximando...

Até que viu uma linda menininha sentada no chão, vestida de camponesa.

E enquanto brincava com suas bonecas, cantava como se fosse um anjinho.

Só que Ursinha Marrom começou a ficar chateada. 

É que ela via aquelas bonecas, e ouvia aquela voz... 

Mas as bonecas não eram suas; nem ela cantava com a mesma suavidade.

Ela atravessou os arbustos, fez cara de brava, e urrou o mais forte que pôde!

A menininha correu assustada. E foi se esconder dentro da sua cabana.

Ursinha Marrom começou a brincar com as bonecas. E ficou contente.

Mas logo se entristeceu, pois quis cantar como a menininha, e só saíram urros.

Então ficou muito brava! E começou a morder as bonecas!

A menininha via o que se passava através da janela da cabana.

E passou a rezar pedindo ajuda, pois seu pai tinha saído para trabalhar.

Eis que uma Pomba Branca apareceu. E voou sobre a cabeça da Ursinha Marrom.

E depois que já tinha chamado a sua atenção, foi pousar em um galho próximo.

Ursinha Marrom se sentiu incomodada. E urrou para a Pomba Branca ir embora.

Mas o pássaro não tinha medo. E não desgrudou os olhos dela.

Ursinha Marrom ora mordia as bonecas, ora olhava para a Pomba Branca.

Até que largou as bonecas e perguntou o que ela queria.

Pomba Branca respondeu que a menininha queria voltar a brincar e a cantar.

Ursinha Marrom disse que ela também queria brincar e cantar como a camponesa.

Mas Pomba Branca questionou se tomar o que é dos outros deixava todos felizes. 

Ursinha Marrom não respondeu.

Então ela indagou se querer ser igualzinha aos outros fazia Ursinha Marrom feliz.

E ela continuou muda.

Por fim, Pomba Branca quis saber se Mamãe Ursa ficaria feliz com o que ela fez.

E Ursinha Marrom largou as bonecas, sentou no chão, e começou a chorar.

Ouvindo o seu choro, aquela menininha reapareceu, cheia de dó.

Ursinha Marrom percebeu, enxugou as lágrimas, e se levantou. 

A menininha retirou um pirulito do bolso, desembrulhou, e entregou para ela.

E como Ursinha Marrom adorava doces, pegou o pirulito, e começou a lamber.

Hum!... Estava delicioso! 

Ursinha Marrom estava muito envergonhada. Mesmo assim, continuou a lamber.

A menininha ficou confiante. E sugeriu que brincassem juntas.

Ursinha Marrom ficou surpresa. Mas aceitou com prazer. 

E deram as mãos, em sinal de amizade.

Daí, Pomba Branca bateu asas e foi pousar sobre as mãos das novas amigas. 

Ambas tomaram um susto! E riram da situação.

Ursinha Marrom pediu mil desculpas. Disse que estava arrependida. 

E prometeu não tomar o que é dos outros, nem querer ser igualzinha aos outros.

A menininha sorriu.

Brincaram por um bom tempo. E nem ligaram se as bonecas estavam mordidas.

Até que a saudade apertou... E ela quis voltar para os braços da Mamãe Ursa.

Ursinha Marrom e a menininha combinaram de se reencontrar muitas vezes.

E toda vez que isso acontecer, a Pomba Branca da paz estará sempre ao lado delas.


CHUVA DE PRIMAVERA

Por Liécifran Borges Martins (Cariacica, ES)


Chove, chuva  sua  linda.

A primavera tem cores,

que me inspira.


Inspira a compor,

com mais amor.

Sentir a magia no ar.


Chuva de primavera,

vem me inspirar.

Poesias lindas vou formar.


Sentimentos  em cada,

verso vão ter.

Vermelho e rosa vão colorir.


Colorir essa chuva,

que o lindo céu fez cair.

Chuva de primavera com cor.


Sobre a autora: Liécifran Borges Martins é compositora, escritora, poetisa e parodista. Natural de Vitória, ES, mora atualmente em Cariacica, ES. É Técnica em Química pelo Instituto Federal do Espírito Santo (IFES).
 

"EU TE AMO" É SURREAL

Por Clarisse da Costa (Biguaçu, SC)

Porque esse lance do "eu te amo" é surreal, uma ora aquela pessoa diz amar com tanta facilidade outra ora você nem sequer existiu nesse sentimento. E o mundo pintado é cor de rosa, porque não cabe outras pessoas nem outros amores além de você. Mas é tudo um faz de conta. Algo irônico que vem dessa ideia do "felizes para sempre" idealizado pelos contos infantis. Como bem sabemos a perfeição é feita de imperfeições.

De uma canção que você acaba de escutar você diz "essa é a nossa música", constrói a primeira memória de uma história fantasiada. Diz saber quem ela é, traça planos, mas na verdade suga dela todas as suas energias. Não é amor é uma brincadeira idiota sua! Porque esse lance do "eu te amo" te dá a ideia de ter todo mundo do seu lado, principalmente aquela pessoa.

Nesse teu jogo o que está em primeiro lugar, amor ou desejo? O corpo fala, mas é a alma que faz a travessia até ao coração. Então não peça para que fique ou que te dê uma chance. Se não for de verdade não plante falsas expectativas, isso acaba com qualquer esperança de alguém.

O HUSSARDO E O DIADEMA AMARELO: UM MERGULHO NA ESCURIDÃO

Por Samuel da Costa (Itajaí, SC)

            As negras longas hastes finas das negras luminárias pendiam do teto, na ponta do bocal em formato de meia lua e as suas luzes amarelas frias, produziam ilhas de luzes, em meio ao breu absolutos do ambiente álgido. A pista de dança vazia e o silêncio sepulcral imperava no lugar. Aflita, Luna caminhou lentamente, ia em direção ao palco, no final da pista de dança. E Luna admirou os lounges, era nichos quadrados de madeira envernizadas. Pequenos cercados de um metro de altura, mergulhados na completa escuridão e Luna pode escutar sussurros e gemidos vindos dos espaços.     

Duas mulheres, de corpos esculturais, abraçadas, que caminhavam em direção a Luna, davam risadas leves e nada discretas. Estavam seminuas, com trajes sumários, uma muito jovem, corpo escultural, tinha a pele amendoada e com os olhos negros rasgados, usava um diadema amarelo, ricamente ornado de joias. Luna tentou absorver o sofisticado design da peça, ela não soube responder às inúmeras perguntas, a única certeza era que a peça era cara, rara e exclusiva, pensou ela. A outra era loura de meia idade, com profundos e misteriosos olhos verdes, e corpo atlético coberta de tatuagens orientais pelos corpo, Luna calculou que eram duas modelos fotográficas.

            As duas passaram ao largo de Luna, como se ela simplesmente não existisse, Luna olhou para trás e viu horrorizada tentáculo negros saírem de um lounge e tragar as duas mulheres, para dentro da escuridão em poucos segundos. Um esguicho de sangue jorrou, histéricos gritos de horror ecoaram. Luna fechou os olhos e viu as duas mulheres impávidas andando felizes e a poça de sangue havia desaparecido.

            Luna retomou a marcha, pensando que tipo de encrenca Grege Sanders a tinha enfiado.

A ZONA DA EXTORSÃO

Por Marcelo de Oliveira Souza, IWA (Salvador, BA)

Hoje em dia têm sido uma verdadeira batalha estacionar nas ruas de Salvador, cada indivíduo se sente no direito de cercar uma parte da rua, com cones, correntes, caixotes e todo tipo de objeto, numa “perfeita” invasão, a partir daí começa a fazer cobranças de todos os tipos.

Não tem nenhum poder público que tome providências, os condutores de veículos se sentem coagidos de todas as formas a fazer o “pagamento” com medo de retaliações para com seu próprio veículo, no mínimo.

Um caso estarrecedor aconteceu na rua Everton Viso, Caminho das Árvores, que já está toda cercada, onde um condutor foi coagido por uma senhora, que se diz administradora das vagas nessa rua.

Ela já se apresenta “orientando” a “vaga” para a pessoa encostar o veículo bem rente ao outro, depois já vai perguntando quanto tempo deixaremos o carro estacionado. Depois ainda faz uma suposta promoção, dizendo que poucos minutos o valor é de dez reais, mas pode cobrar o valor que faz aos motoristas da UBER, se formos ficar pouco tempo, “fazendo “ “apenas” sete reais.

Como ela não viu o condutor sair, dias depois teve a coragem de cobrar dez reais pela “vaga” passada e mais dez reais pela “vaga” desse dia.

A pessoa disse que o lugar é dela e tem todo o direito de cobrar.

Onde é que está a administração pública, caro leitor ou leitora?

Será que os condutores vão ter que assumir mais esse ônus na sua parca renda mensal, será que a cidade de Salvador está loteada e o cidadão de bem não poderá fazer mais nada quanto a isso?

Pedimos esclarecimento aos ditos poderes públicos, que sabem perfeitamente o que acontece, não só na loteada rua Everto Visco, no Caminho das Árvores, mas em toda a cidade, praticamente, donos para o espaço soteropolitano não faltam, quando não é zona azul é zona de extorsão.

 

NOSSA NUDEZ

Por Fabiane Braga Lima (Rio Claro, SP)

Deleito-me em terras férteis que me levam para longe do caos. Escuto um ruído, tira-me o sossego. Tendo o mar como inspiração, vejo no meu inconsciente, águas negras, e um céu estrelado.

 Noite vazia, avisto de longe um homem, sinto calafrios, é ele, aquele que tanto espero. Palpita o coração, minhas pernas ficam trêmulas. Desnudo-me, encosto minha alma junto a dele, fazendo amor sobre o negro mar.

Renasço como fênix sentindo prazeres afrodisíacos em êxtase, é o nosso momento, o nosso sentir. É a nossa nudez de almas profanas, surreal e intensamente excitante!

PONTO NULO NO CÉU: A SENTINELA

Por Clarisse Cristal (Balneário Camboriú, SC) 

            O cabo Bruno Marques perdeu a noção da realidade em que vivia, de quanto tempo estava naquele pesadelo vívido, parado, estático, de prontidão, olhando pela fresta da torre de observação para o nada. O fuzil FAL, com mira laser estava na mão esquerda, os óculos de visão noturna ajustados para noite com nevoeiro. Os dois drones, que circundavam no alto do quartel, permitiam a visão clara do que ocorria em volta do batalhão, os aparelhos transmitiam alternadamente as imagens das câmeras instaladas nos drones para os óculos do cabo em tempo real. O militar podia ajustar as câmeras dos drones, ele podia congelar as imagens, dar zoom e mudar para escaneamento térmico.

            Nos seus exatos quinze anos de corporação, ele jamais vira tal coisa, como vinha ocorrendo ultimamente, eram burburinhos aqui e ali, geralmente dito em voz baixa e em tom de confidência em intervalos e horas de folgas. Eram rumores de uma possível volta a um passado não muito distante. Eram tempos de insurgências, de uma guerra subterrânea entre o crime organizado contra as forças de segurança pública. Rumores da quebra da paz armada, negociada pelos dirigentes das forças de segurança, com o comando do crime organizado. Tudo feito nas sombras em tempos passados, mas não muito distante. Tudo mediado por políticos de profissão, tudo em nome do bem-estar da população em geral. Foi bem antes de Bruno Marques entrar na corporação, mas uma sombra se aproximava no horizonte e o militar sentia bem isso no meu âmago mais que profundo.                    

            Os óculos se auto ajustam para modo de neblina mais densa, um dos drones parou de enviar imagens e dados, depois o outro também parou. Cabo Bruno Marques olhou para o céu e viu uma estranha nuvem de pássaros em uma revoada passar por cima do batalhão e depois em direção das duas Torres Kitanda-Xoclengue a poucos quilômetros dali.

            Então começou de novo, eu não estou mesmo maluco ora essa! — O policial militar falou em voz alta, sem se importar com a câmeras ali instaladas, que gravavam tudo que ele falava.

            Ele bem sabia, que dali a pouco tudo, que fosse eletrônico ou elétrico iam parar de funcionar aos poucos. Ele ainda teve o ímpeto de ajustar os óculos e olhar para o portal de entrada de acesso ao quartel e viu dois cães que se aproximavam, mas de repente os óculos pararam de funcionar. A sentinela ainda tentou usar o rádio na mesa ao lado, mas o comunicador analógico não estava funcionando. Como manda o protocolo, ele tentou ligar o telefone móvel no cinturão, que também não estava funcionando. A sentinela tirou os óculos e olhou para fora, a neblina não parava de adensar. A luz do posto de observação se apagou e as luzes de emergência começaram a funcionar automaticamente. Marques lembrou do velho pai e suas histórias de pescador, o velho pescador industrial, filho e neto de pescadores artesanais, contava como de vez em quando, em alto mar surgia essas neblinas do nada, antes de um naufrágio. Marques nunca soube se era verdade ou não esses relatos do velho pai. Foi quando o outro militar apareceu do nada, um sargento, que estava usando uma calça cáqui, botas de soldado bem engraçadas, uma camisa preta e uma toca ninja, Marques ficou em posição de sentido. O cabo viu a patente de sargento no ombro esquerdo do militar, era um policial do serviço de inteligência. O que por si só explicava a falta de nome no uniforme, somente um número que era aleatório.

            — Descansar cabo! O velho quer bater um papo amigo contigo!

            — O velho senhor?

          — O tenente coronel Moreira César, ele que ter a honra de gastar um latim com a vossa senhoria cabo é simples assim. O homem está ansioso te esperando, na sala dele, entre sem bater disso o velho, nada de salamaleques funcionalistas da academia militar hoje meu estimado.

            Sem entender nada, sem saber o que fazer, um silêncio constrangedor se abateu na torre sul de observação. O sargento parado a poucos centímetros levantou a mão para o cabo lhe passar o fuzil, a sentinela passou a arma para o sargento.

            — A pistola também cabo, e faça o obséquio de me passar todas as armas que estiver carregando. É uma ordem cabo, por favor não faça o homem esperar muito, pois nunca vi o velho com tanto bom humor, como vi hoje.

            A sentinela sorriu nervoso, passou as armas para o superior imediato, e sentiu um enorme calafrio na espinha, pois tinha medo do desconhecido, tinha pavor de tudo que não compreendia, o cabo sabia que alguma coisa ruim estava acontecendo naquela hora: Nada de salamaleques? Nada funcionalismo da academia militar? Meu estimado? Era mais que desconhecido, era incompreensível ao extremo. Daí o cabo Bruno pensou que o serviço de inteligência devia operar assim mesmo, de maneira informal, pois eles não só coletam dados aleatórios e sim se trabalhavam infiltraram. O militar bateu continência para seu superior e deu as costas para o outro até ser impedido de continuar a andar, pois a mão do sargento segurou-lhe o ombro com muita força.  

            Eu disse todas as armas para o cabo, tira o colete, a Beretta, a faca e o canivete também. Passa agora para cá! Vamos!

            Passado o desconforto inicial, o cabo passou todo o seu equipamento de serviço para o sargento, por um breve momento, Marques pensou que iria ter que tirar toda a roupa ou ser revistado pelo superior hierárquico como se fosse um marginal qualquer de rua. Depois do constrangimento inicial, o sargento colocou todo o equipamento em cima da pequena mesa e tirou a máscara. O cabo reconheceu o instrutor de tiro do batalhão de imediato, era o melhor atirador de elite do quartel. Homem duro e cumpridor dos seus deveres, atento a todas as normativas militares e todos os protocolos civis. Marques muitas vezes ouviu o sargento dizer que gostava mais das armas do que das pessoas. Segundo o sargento, as pessoas não são confiáveis e em momentos de embates, o seu porto seguro era sempre elas, as armas em suas mãos. Assim pensava o sargento.

            — Cabo! Use as escadas, os elevadores não estão funcionando no momento.

              — Mais alguma recomendação oficial?

              — Sim é claro, tire este desconfiado sorriso besta de civil da cara homem e ande logo. Aqui a ordem unida é lei e o coronel não gosta de esperar.

            Ao descer pelas escadas da torre sul de observação, o cabo teve outra estranha sensação. O corredor que levava a escadaria em caracol parecia mais estreito e as próprias escadas pareciam não ter fim quando ele avançou e olhou para baixo. Ao enfrentar a dura caminhada o militar perdeu a noção de tempo de novo, parecia que as escadarias de fato não tinham fim, o militar pensou que estava ficando louco. Outro fato que chamou a atenção do militar foi que ele não tinha visto o coronel entrar no batalhão. Ele viu quando o homem saiu sozinho e a pé do prédio, como sempre fazia, na mesma hora, antes do cabo perder a noção de tempo. E Marques não viu o militar de alta patente voltar para o prédio. O batalhão, por motivos óbvios, tenha somente uma entrada, e outras três saídas alternativas, que só abriam por dentro. E caso elas fossem abertas, de qualquer forma, Marques e os outros sentinelas postadas nas outras torres de observação seriam informadas de imediato pelo sistema eletrônico que controla os sensores das portas e das janelas do prédio. E se o sistema falhasse os drones os informaram da abertura das portas alternativas e das janelas. E por fim pelas câmeras internas de vigilância, que eram ativadas pelo movimento, também o avisaram das aberturas. O fato era que o cabo Bruno Marques estava mais que curioso, para saber onde aqueles corredores sombrios e seculares o levariam, se é que o levariam a algum lugar.

MULHERES PRETAS

 Por Clarisse da Costa (Biguaçu, SC)


Eu já vi muito a minha mãezinha
trançar os cabelos enquanto me contava 
histórias dos nossos ancestrais. 

***
Também ouvi brancos dizerem que 
a mãe de Cristo não tinha motivo 
para tanto lamento e ainda me disseram 
que quem pisou naquelas terras 
era uma mulher branca. 
Mas eu acredito na minha mãe preta. 
***
Eu vi muitas de nós escondendo o choro, 
outras buscando reescrever 
a sua história. 

***
E nessa povoação de mulheres pretas, 
numa terra tão desigual, 
vejo o florescer de tantas 
pela sua liberdade. 


CLARISSE CRISTAL E O AMANHECER DE UM NOVO DIA

Por Samuel da Costa (Itajaí, SC)

 

Olho para trás

Preciso ver o que perdi

Tentar sentir novamente

O que já não existe mais

O que ficou para trás

***

Mas creio que não sobrou muita coisa

Do nosso sacrossanto amor

Minha divina Luna

Não sobrou muita coisa

 Para nós dois meu negro anjo

 

            Clarisse Cristal viu o clarear da luz de um novo dia despontar lentamente no horizonte infinito, o nascer do dia como jamais sentira na jovem vida. Ela olhou maravilhada para o oceano Atlântico, para o astro rei soberano, como só ele sabe ser, impondo a forte luz laranja em meio as nuvens cinzas e as águas verde mar. Sim, aquele era um novo dia de fato, o primeiro de muitos que sucederam dali para frente, foi uma promessa que ela fez para si naquele exato momento. Parada e de pé, na sacada do requintado apartamento de cobertura do emérito professor luso-africano Adérito Muteia.

         Ela estava extasiada e contemplando o esplendor do amanhecer de um novo dia no novo mundo. Ela completamente nua, o perfeito corpo escuro mais parecia uma escultura vivida de ébano, que se confundia e completava harmoniosamente com a decoração estilo neoclássica da casa do luso-africano. E em um olhar mais apurado mais parecia  que era peça que faltava para quebrar o rigor estético e simétrico neoclássica do lugar. Clarisse Cristal escutou o forte ronronar do dono da casa não muito distante dela.

          Ele que estava também nu e deitado na enorme e confortável cama de casal vitoriana ladeado com as imponentes cabeceiras douradas, dois abajures um ligado e outro apagado e capitonê! O ronronar que evolui para balbucios em um dialeto africano de forma brusca. Ela não gostou, nem um pouco, de vê-lo tão angustiado assim, era um pesadelo, ela intuiu o óbvio naquela hora onde os sentimentos bons e ruins se misturavam para o além do imaginável.

          Pois ele era um fruto proibido, que ela acabara de provar e as consequências não tardarão a chegar tão certo quanto o nascer do sol que ela contemplava naquele momento. E as evidências estavam espalhadas por todo o amplo apartamento ricamente decorado e em especial em uma pintura de um retrato de tamanho natural. Uma  reprodução mais que perfeita da fotografia que ela vira a poucas horas passadas na sacada do Café Ivory Tower. Clarisse reconheceu o trabalho, e não tinha como não reconhecer, era uma obra de um jovem artista negro que fora estudar belas artes na Alemanha há tempos atrás, era um conhecido discípulo de Adérito Mutea. O quadro, um produto do movimento do romantismo que detinha um ar mais aristocrático do que a fotografia, o precioso quadro estava postado no hall de entrada do apartamento. E era um poderoso recado, para quem por ali chegasse pela primeira vez, de quem mandava ali.

           A dona da casa era Agnela e aquele homem é só seu. A casa era dela e as marcas estavam em toda parte, das peças caras, raras e artesanalmente produzidas do mobiliário planejado que por fim se misturavam harmonicamente, com as pequenas peças de decoração baratas compradas nas lojinhas ali na esquina. Eram artigos da cultura afro-brasileira e indígena frutos da produção em massa, Clarisse calculou que era para quebrar o rigor neoclássico e aplacar o gosto do homem da casa. Nada de excessos, nada de exageros, nada em demasia, ali reinava a harmonia,  a perfeição, a simplicidade e o bom gosto estavam em toda parte para onde se olhava e por fim o equilíbrio entre o caro e o barato, o artesanal e o fabricado em massa. Clarisse viu a mão leve e talentosa de Agnela em tudo e uma leve supervisão de Adérito, também em pequenos detalhes, nas cores principalmente, vivas e fortes que remetiam à África, aos povos das florestas e nos livros à mostra.

            Clarisse respirou fundo esticou a braço esquerdo foi até a sua bolsa tiracolo bege para notebook, que estava posta em uma cômoda. Ela nem se importou em checar o celular e o tablete as inúmeras mensagens em vários aplicativos e chamadas perdidas, na verdade nem cogitou a possibilidade. Ela divagou um pouco sobre o clube virtual formado só de mulheres e para mulheres, o grupo sutiã vermelho e das longas trocas de mensagens proibidas para homens. Eram tolas reminiscências da outra vida, onde tudo era superficial, fluido e urgente, nada era nada e tudo era tudo. 

          A jovem mulher tirou da bolsa um notebook e foi ocupar uma cômoda não muito longe dali. Sim, ela ocuparia a mesa de trabalho do enigmático literato luso-africano Adérito Muteia por um breve momento. Era um sonho muito distante se  revelou uma perigosa realidade, com infinitas possibilidades e nenhuma delas era boa de fato fosse para quem fosse. 

CLARISSE CRISTAL E O MERGULHO NA ESCURIDÃO

Por Samuel da Costa (Itajaí, SC)

 

Talvez não seja um sonho.

Enfim...

E ela esteja lá...
Na alcova minha

À meia luz!
Esperando por mim...
Enquanto na vitrola...
Toca o mais puro lamento negro,
A mais cristalina negra dor.

 

            ‘’Nunca me interessei por revisitar cenários’’ — disse Clarisse Cristal para si mesma, mas com uma enorme vontade de gritar ao máximo do impossível e para além do provável, para quem quisesse e não quisesse ouvir. A frase feita, que não era dela e sim um batido clichê que ela nem lembrava de onde tirou tal frase. Pois ao chegar no terraço todos os elementos, que podia lembrar, estavam todos lá disposto bem diante dela. O balcão de mármore Carrara, o bar com vários tipos de bebidas, copos e taças para todos os gostos, marcas e preços, as cadeiras espreguiçadeiras de praia gêmeas as famosas outdoor dubbele chaise lounge, a mureta com o peitoril com detalhes artesanais, as mesas e cadeiras distribuídas simetricamente. E por fim uma pequena piscina e a bela vista para o mar. Em uma olhada rápida no quiosque do terraço e Clarisse notou um grande retrato em preto e branco, com a assinatura de um fotografo famoso da atualidade. Era o professor Muteia elegantemente trajado, como de costume, mas de maneira casual, ladeado de uma jovem e bonita jovem mulher elegantemente vestida, também de maneira casual. Ele sentado em uma imponente poltrona e ela em pé e com as mãos em volta do pescoço do africano em terno carinho: — Então esta é famosa Agnela a misteriosa esposa de Muteia! — Pensou Clarisse em um lampejo.

            Belo local de trabalho, professor Mutéia!

            É Muteia sem acento, há um enorme hiato, no meu sobrenome e que se estende na minha vida cotidiana também. Podes de me chamar pelo meu prenome que é Adérito. Vamos sentar logo e começar a entrevista, pois não tenho muito tempo menina/mulher.

            Foram andando lentamente se afastando do quiosque e indo em direção de uma mesa a poucos metros da pequena amurada de frente para o mar. O emérito professor luso-africano afastou uma cadeira de forma cavalheiresca e ofereceu para a jovem dama. Adérito ocupou uma cadeira em frente de Clarisse, depois dela se sentar, o luso-africano ergueu a não esquerda e estalou os dedos e um mordomo apareceu para atendê-los. Clarisse deu uma olhada melhor no homem e viu que era mais que um mordomo era um mordomo vitoriano que os servia.

            Secretário me traga uma chávena de chá de menta gelado e os meus charutos, o que queres, minha querida Clarisse Cristal?

            O chá de menta gelado para mim está bom, mas dispenso os charutos!

            Sim senhor e madame! Vou trazer duas chávenas de chá de menta gelados e os charutos!

            O homem desapareceu tão rápido, como surgiu e por fim os dois estavam em um lugar reservado e sozinhos novamente. Clarisse tinha preparado muitas perguntas, como boa profissional que era, para fazer fugir dos muitos óbvios, pois ali quem estava diante dela não era uma pessoa qualquer. E com pessoas extraordinárias, os roteiros prévios raramente funcionam bem.

            Então como é mesmo o nome do veículo em que trabalhas miúda?

            Revista Astro-domo, de literatura, estética, comportamento e artes em geral!

            Interessante, já a conheço de fato. É bem pós-moderna por sinal, pois estão em todas nas plataformas digitais, pelo que sei. Diferentes de algumas revistas e jornais que eu colaboro.

            Então o professor conhece a nossa pequena revista então?

            Liga o gravador miúda e vamos logo começar a trabalhar!

            A repentina pressa do emérito luso-africano fez um alarme disparar em Clarisse Cristal, as pessoas como a formação dele não tendem a ter muita pressa quando estão trabalhando. Adérito foi forjado em parte pela velha e refinada escola europeia. Esperaram, por um tempo sem saber o motivo, e entreolharam-se com uma profundidade abissal. O clima só foi quebrado com a volta do secretário. Ele voltou com uma bandeja de prata recoberta por um delicado pano branco de linho egípcio, os serviu de forma solene e sem nada dizer e se retirou também de forma solene. A jovem entrevistadora achou tudo muito exagerado e por demais refinado para uma simples entrevista.

            Então professor, o senhor quer estabelecer alguns parâmetros a entrevista antes de começarmos de fato?

            Creio que não, minha cara e jovem amiga. Fico mais que contente em poder ser entrevistado por alguém mais próximo de mim. Quase não se vê muitos negros atuando, aqui no novo mundo, na literatura e no jornalismo cultural para ser mais exato. Está é na verdade a primeira vez que dou uma entrevista para outra pessoa da minha raça neste belo país, que me acolheu tão bem.

            Então como é ser escritor nos dias de hoje, para o professor? — Clarisse usou um clichê logo de entrada, logo após ligar o gravador digital que estava em cima da mesa.

            Eu não posso discorrer em belas letras, e em arte no geral, nos dias de hoje sem olhar profundamente para o passado, para que possamos compreender o tempo presente. Se no passado, não muito distante de nós, os escritores escreviam usando então somente municiados de penas, o tinteiro, o mata-borrão e eram iluminados pela luz de velas ou por enfumaçados candeeiros. E tendo a geração seguinte a máquina de escrever, a luz elétrica e a máquina a vapor, dando um ritmo bem mais acelerado para a nova sociedade menos agrária em mais urbana. Isso se refletiu e ainda reflete na escrita e no mundo das artes como um todo. Estamos é claro falando do início do século passado e do fim da anterior a este. A extrema velocidade dos dias de hoje, com o advento da escrita digital, acelerou muito mais a que a dita escrita mecanizada do século passado. Mas estou sendo muito enfadonho e academicista demais minha cara?

            Não mesmo professor, não mesmo! Prossiga por favor— Ela queria bem dizer sim para com academicismo exacerbado do professor.  

O escrever é sobretudo o transcender para o além do infinito! É fugir dos óbvios que a realidade nos impõe no dia-a-dia e é não conhecer e ter limites algum! E já antecipando a tua segunda pergunta, minha jovem Clarisse Cristal jornalista da revista astro-domo: O que é a realidade afinal? No conturbado mundo de hoje, a realidade é o que a gente quer que ela seja! — Clarisse Cristal ouve um alto ranger de uma antiga e pesada porta se abrindo atrás dela — E também antecipando a tua terceira e inevitável pergunta eu respondendo que eu navego, ou melhor flano, entre os movimentos literários do neo-simbolista e do neossurrealismo. Eu trafego livremente por estes dois movimentos literários, mesmo que esteja fora de moda falar em movimentos literários, no tempo presente. E vós digo que para os padrões da atualidade, estes dois movimentos literários e estéticos são os movimentos literários e estéticos que mais poderia representar a pós-modernidade! — Clarisse Cristal então ouviu passos, eram o barulho típico de salto alto quinze batendo no chão frio e duro do terraço de forma compassada. — Se a pouco me perguntasse sobre a Agnes. Então vós digo, minha querida jovem jornalista entrevistadora da revista Astro-domo, que ela é fruto da minha imaginação fértil então somente. Uma filha dileta e querida na verdade da minha irrequieta mente imaginativa. — Uma sombra surge por detrás de Clarisse e se agiganta — Ela como outras personagens que vem e vão ao sabor do vento e da ocasião. — A mulher passa ao lado de Clarisse e a jovem entrevistadora e a reconhece é a mesma mulher que outrora acompanhava Adérito Muteia na livraria — E é assim, que as personagens do meu fértil mundo imaginativo vão surgindo minha querida amiga, aos pedaços, nevoentos, nebulosos, lânguidos, turvos. — Ela se posta ao lado do professor Muteia e sussurra no ouvido dele e este sorriu — São personagens rebeldes por natureza minha querida amiga — A mulher se afasta lentamente, sobe na mureta, olha para trás, encara bem nos olhos  de Clarisse Cristal, a mulher sorriu para a jovem entrevistadora e então mergulhou. Clarisse atônita e em prantos corre até a mureta, olha para baixo, eram muitos andares até o chão, e Clarisse viu a si mesma, seu próprio corpo sem vida estendido no chão. As pessoas passando ao largo do corpo sem vida sem se importarem-se. Clarisse recuou em choque e decidiu olhar de novo, os muitos andares sumiram e ela não vê mais nada, somente a calçada a beira. E sem nada entender voltou a si, a olhar para Adérito Muteia, que estava estático sentado diante dela no mesmo lugar — Então é isto miúda, em tempos de realidade fluída, nada é de verdade e vivemos em um mundo de muitas mentiras, mundo fugaz, nasce, cresce e evanesce em poucas horas, minutos e até segundos! — Ela estava de volta sentada em frente ao professor, tinha a cabeça pesada, Clarisse não sabe o que pensar e dizer naquela hora. O emérito professor luso-africano sorriu para ela, não de forma sarcástica e sim com terno carinho.

            — A entrevista acabou miúda! Quem sabe um dia possamos nos aprofundar mais sobre estas questões! Qualquer dúvidas que possam surgir depois, entre em contato diretamente comigo como tu bem prover. Sou sim uma pessoa bem ocupado e raramente dou entrevistas, mas para tu posso rever este meu conceito estático. Pelo menos até agora!

            — Claro professor! Sim tenho muitas dúvidas e várias incertezas! — Era sonolento o tom de voz de Clarisse Cristal e nem parecia que era ela que estava falando naquele momento.