quarta-feira, 1 de fevereiro de 2023

O VELHO QUE CONSERTAVA COISAS

Por Leandro Bertoldo Silva (Padre Paraíso, MG)

 

Enquanto não atravessarmos

a dor de nossa própria solidão,

continuaremos a nos buscar

em outras metades.

 

– Fernando Pessoa –

 

Gosto muito dos velhos que consertam coisas. Eu mesmo tive um tio assim. Consertava tudo.

Uma vez pegou uma lâmpada incandescente queimada no lixo, emendou seu filamento e o pequeno bulbo de luz nunca mais deixou de acender.

Osmânio era um velho como ele: consertava ferros, rádios, relógios de corda, chuveiros, televisões velhas…, Mas o que ele sabia mais consertar eram sentimentos…

Não havia um só casal que, se estivesse a ponto de separação, Osmânio não os unia. O que falar das brigas entre irmãos, pais, mães? Até os animais pareciam respeitar o dom reparador que vinha das mãos daquele velho, e a braveza instintiva se transformava em mansidão quando estavam em sua presença.

Os alaridos viravam sons de passarinhos, assim como as flores floresciam mais e os aromas ficavam ainda mais cheirosos. Osmânio era assim: consertava corações…

Mas, apesar de tanto talento naquelas mãos, a tristeza não se apartava de seus olhos. Camuflava-se nos sorrisos tímidos daquele jeito misturado de sentimentos. E isso por uma simples razão: Osmânio era homem e, como tal, havia amado, e muito, uma mulher que agora existia apenas em seu passado. Ninguém nunca soube quem era de fato ou o que acontecera para ela não ter envelhecido com ele.

O que todos sabiam, porém, era que Osmânio, o velho que consertava corações, nunca havia consertado o seu…

 

(do livro Entrelinhas, contos mínimos.)


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