Por Samuel da Costa (Itajaí, SC)
E ela esteja lá...
Na alcova minha
À meia luz!
Esperando por mim...
Enquanto na vitrola...
Toca o mais puro lamento
negro,
A mais cristalina negra dor.
‘’Nunca me interessei por revisitar cenários’’ — disse Clarisse Cristal para
si mesma, mas com uma enorme vontade de gritar ao máximo do impossível e para
além do provável, para quem quisesse e não quisesse
ouvir. A frase feita, que não era dela e sim um batido clichê que ela nem
lembrava de onde tirou tal frase. Pois ao chegar no terraço todos os elementos,
que podia lembrar, estavam todos lá disposto bem diante dela. O balcão de
mármore Carrara, o bar com vários tipos de bebidas, copos e taças para todos os
gostos, marcas e preços, as cadeiras espreguiçadeiras de praia
gêmeas as famosas outdoor dubbele chaise lounge, a mureta com o peitoril com
detalhes artesanais, as mesas e cadeiras distribuídas simetricamente. E por fim
uma pequena piscina e a bela vista para o mar. Em uma olhada rápida no quiosque
do terraço e Clarisse notou um grande retrato em preto e branco, com a
assinatura de um fotografo famoso da atualidade. Era o professor Muteia
elegantemente trajado, como de costume, mas de maneira casual, ladeado de uma
jovem e bonita jovem mulher elegantemente vestida, também de maneira casual.
Ele sentado em uma imponente poltrona e ela em pé e com as mãos em volta do
pescoço do africano em terno carinho: — Então esta é famosa Agnela a misteriosa
esposa de Muteia! — Pensou Clarisse em um lampejo.
—
Belo local de trabalho,
professor Mutéia!
—
É Muteia sem acento, há um
enorme hiato, no meu sobrenome e que se estende na minha vida cotidiana também.
Podes de me chamar pelo meu prenome que é Adérito. Vamos sentar logo e começar
a entrevista, pois não tenho muito tempo menina/mulher.
Foram
andando lentamente se afastando do quiosque e indo em direção de uma mesa a
poucos metros da pequena amurada de frente para o mar. O emérito professor
luso-africano afastou uma cadeira de forma cavalheiresca e ofereceu para a
jovem dama. Adérito ocupou uma cadeira em frente de Clarisse, depois dela se
sentar, o luso-africano ergueu a não esquerda e estalou os dedos e um mordomo apareceu para atendê-los. Clarisse
deu uma olhada melhor no homem e viu que era mais que um mordomo era um mordomo
vitoriano que os servia.
—
Secretário me traga uma
chávena de chá de menta gelado e os meus charutos, o que queres, minha querida
Clarisse Cristal?
—
O chá de menta gelado para mim
está bom, mas dispenso os charutos!
—
Sim senhor e madame! Vou
trazer duas chávenas de chá de menta gelados e os charutos!
O
homem desapareceu tão rápido, como surgiu e por fim os dois estavam em um lugar
reservado e sozinhos novamente. Clarisse tinha preparado muitas perguntas, como
boa profissional que era, para fazer fugir dos muitos óbvios, pois ali quem
estava diante dela não era uma pessoa qualquer. E com pessoas extraordinárias,
os roteiros prévios raramente funcionam bem.
—
Então como é mesmo o nome do
veículo em que trabalhas miúda?
—
Revista Astro-domo, de
literatura, estética, comportamento e artes em geral!
—
Interessante, já a conheço de
fato. É bem pós-moderna por sinal, pois estão em todas nas plataformas
digitais, pelo que sei. Diferentes de algumas revistas e jornais que eu
colaboro.
—
Então o professor conhece a
nossa pequena revista então?
—
Liga o gravador miúda e vamos
logo começar a trabalhar!
A
repentina pressa do emérito luso-africano fez um alarme disparar em Clarisse
Cristal, as pessoas como a formação dele não tendem a ter muita pressa quando
estão trabalhando. Adérito foi forjado em parte pela velha e refinada escola
europeia. Esperaram, por um tempo sem saber o motivo, e entreolharam-se com uma
profundidade abissal. O clima só foi quebrado com a volta do secretário. Ele
voltou com uma bandeja de prata recoberta por um delicado pano branco de linho
egípcio, os serviu de forma solene e sem nada dizer e se retirou também de
forma solene. A jovem entrevistadora achou tudo muito exagerado e por demais
refinado para uma simples entrevista.
—
Então professor, o senhor quer
estabelecer alguns parâmetros a entrevista antes de começarmos de fato?
—
Creio que não, minha cara e
jovem amiga. Fico mais que contente em poder ser entrevistado por alguém mais
próximo de mim. Quase não se vê muitos negros atuando, aqui no novo mundo, na
literatura e no jornalismo cultural para ser mais exato. Está é na verdade a
primeira vez que dou uma entrevista para outra pessoa da minha raça neste belo
país, que me acolheu tão bem.
—
Então como é ser escritor nos
dias de hoje, para o professor? — Clarisse usou um clichê logo de entrada, logo
após ligar o gravador digital que estava em cima da mesa.
—
Eu não posso discorrer em
belas letras, e em arte no geral, nos dias de hoje sem olhar profundamente para
o passado, para que possamos compreender o tempo presente. Se no passado, não
muito distante de nós, os escritores escreviam usando então somente municiados
de penas, o tinteiro, o mata-borrão e eram iluminados pela luz de velas ou por
enfumaçados candeeiros. E tendo a geração seguinte a máquina de escrever, a luz
elétrica e a máquina a vapor, dando um ritmo bem mais acelerado para a nova
sociedade menos agrária em mais urbana. Isso se refletiu e ainda reflete na
escrita e no mundo das artes como um todo. Estamos é claro falando do início do
século passado e do fim da anterior a este. A extrema velocidade dos dias de
hoje, com o advento da escrita digital, acelerou muito mais a que a dita
escrita mecanizada do século passado. Mas estou sendo muito enfadonho e
academicista demais minha cara?
—
Não mesmo professor, não
mesmo! Prossiga por favor— Ela queria bem dizer sim para com academicismo
exacerbado do professor.
— O escrever é sobretudo o
transcender para o além do infinito! É fugir dos óbvios que a realidade nos
impõe no dia-a-dia e é não conhecer e ter limites algum! E já antecipando a tua
segunda pergunta, minha jovem Clarisse Cristal jornalista da revista
astro-domo: O que é a realidade afinal? No conturbado mundo de hoje, a
realidade é o que a gente quer que ela seja! — Clarisse Cristal ouve um alto
ranger de uma antiga e pesada porta se abrindo atrás dela — E também
antecipando a tua terceira e inevitável pergunta eu respondendo que eu navego,
ou melhor flano, entre os movimentos literários do neo-simbolista e do neossurrealismo.
Eu trafego livremente por estes dois movimentos literários, mesmo que esteja
fora de moda falar em movimentos literários, no tempo presente. E vós digo que
para os padrões da atualidade, estes dois movimentos literários e estéticos são
os movimentos literários e estéticos que mais poderia representar a
pós-modernidade! — Clarisse Cristal então ouviu passos, eram o barulho típico
de salto alto quinze batendo no chão frio e duro do terraço de forma
compassada. — Se a pouco me perguntasse sobre a Agnes. Então vós digo, minha
querida jovem jornalista entrevistadora da revista Astro-domo, que ela é fruto
da minha imaginação fértil então somente. Uma filha dileta e querida na verdade
da minha irrequieta mente imaginativa. — Uma sombra surge por detrás de
Clarisse e se agiganta — Ela como outras personagens que vem e vão ao sabor do
vento e da ocasião. — A mulher passa ao lado de Clarisse e a jovem
entrevistadora e a reconhece é a mesma mulher que outrora acompanhava Adérito
Muteia na livraria — E é assim, que as personagens do meu fértil mundo
imaginativo vão surgindo minha querida amiga, aos pedaços, nevoentos,
nebulosos, lânguidos, turvos. — Ela se posta ao lado do professor
Muteia e sussurra no ouvido dele e este sorriu — São personagens rebeldes por
natureza minha querida amiga — A mulher se afasta lentamente, sobe na mureta,
olha para trás, encara bem nos olhos de
Clarisse Cristal, a mulher sorriu para a jovem entrevistadora e então
mergulhou. Clarisse atônita e em prantos corre até a mureta, olha para baixo,
eram muitos andares até o chão, e Clarisse viu a si mesma, seu próprio corpo
sem vida estendido no chão. As pessoas passando ao largo do corpo sem vida
sem se importarem-se. Clarisse recuou em choque e decidiu olhar de novo, os
muitos andares sumiram e ela não vê mais nada, somente a calçada a beira. E sem
nada entender voltou a si, a olhar para Adérito Muteia, que estava estático
sentado diante dela no mesmo lugar — Então é isto miúda, em tempos de realidade
fluída, nada é de verdade e vivemos em um mundo de muitas mentiras, mundo
fugaz, nasce, cresce e evanesce em poucas horas, minutos e até segundos! — Ela
estava de volta sentada em frente ao professor, tinha a cabeça pesada, Clarisse
não sabe o que pensar e dizer naquela hora. O emérito professor luso-africano sorriu
para ela, não de forma sarcástica e sim com terno carinho.
— A entrevista acabou miúda! Quem
sabe um dia possamos nos aprofundar mais sobre estas questões! Qualquer dúvidas
que possam surgir depois, entre em contato diretamente comigo como tu bem prover.
Sou sim uma pessoa bem ocupado e raramente dou entrevistas, mas para tu posso
rever este meu conceito estático. Pelo menos até agora!
— Claro professor! Sim tenho muitas
dúvidas e várias incertezas! — Era sonolento o tom de voz de Clarisse Cristal e
nem parecia que era ela que estava falando naquele momento.
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