domingo, 1 de setembro de 2013

PERFIL: FÁTIMA PARAGUASSU

 
Posted by Picasa

Por Paccelli José Maracci Zahler

            Aparecida Teixeira de FÁTIMA PARAGUSSÚ, acadêmica, historiadora, pesquisadora, escritora, poetisa, cantora, compositora, musicista, folclorista, dicionarista, em suma, multitalentosa, natural de Santa Cruz de Goiás, GO.

RCC: A senhora teve uma infância difícil, marcada pela pobreza. Quando foi seu primeiro contato com os livros?

Fátima: Aos seis anos de idade, quando aprendi, com meu irmão,  ler e escrever. 

RCC: Como era a sua vida na Rua de Baixo, em Santa Cruz de Goiás?

Fátima: Era só alegria! A não ser, quando passava boiada; morríamos de medo do estouro! Ou à noite quando era necessário sair e passar frente ao Beco da Venda Grande: local de desova dos ¹[1]banguês.
Éramos seis irmãos (três homens, três mulheres); eu era a caçula das mulheres e Antonio, o caçula geral.Tínhamos tarefas diárias: ajudar mamãe fazer farinha, polvilho; buscar lenha para o fogão caipira e água da ²biquinha para beber; cuidar dos afazeres domésticos e levar comida para os peões que ajudavam papai a limpar a roça de arroz...Tudo isso depois da escola.
Com onze anos, eu já ensinava os meus colegas de classe e ia à fazenda de Noêmia - mais ou menos um km; a pé- três vezes por semana, ensinar sua filha a ler e escrever.  
 Com sete anos de idade fui para escola e também aprendi a cozinhar. Subia em uma cadeira, não alcançava as panelas no fogão. Era movimentada a minha casa! Um fazendeiro deixava ovos caipiras, empalhados; frango, queijo para mamãe vender. Tínhamos uma boa freguesia! Aos sábados, areávamos as panelas com bucha feita de palha de milho esgarçada com garfo e areia fina; trocávamos os forros da prateleira. Ficava lindo! Tudo brilhando! Varríamos o terreiro da rua (assim chamávamos a frente da casa). Os vizinhos também varriam os seus; longo trecho, limpo e acolhedor, emendado. Depois do trabalho, as brincadeiras de roda, pique - pega, finca, baliza...; aos domingos, boneca de pano e cozinhadinha.
Não me lembro das dificuldades.  O que permeia minha memória é a música Moendo Café, de Poly E Seu Conjunto; És Tu, Balalaica – folclore alemão; Poeira e tantas outras, tocadas na imponente radiola, acomodada em uma mesa, o único móvel de nossa sala de estar. Lembro o som do carro de boi: ralentava o canto para deixar em casa, jacás e jacás de mandioca para fazer farinha e polvilho. Lembro  - me com emoção o guizo dos cavalos da cavalhada, no quintal da pensão da Donana. Minha casa ficava ao fundo desta pensão. Ali se preparavam para apresentarem. De repente ouvia a valsa Quinze Encontros, dobrados, canções executadas pela Banda Lira Oito de Dezembro, anunciando a festa que acontecia na rua de cima.
Nosso primeiro fogão a gás, vermelho, para combinar com a geladeira. A primeira televisão, preto e branco. Chuviscava tanto! Imagem horrível! Para fazer de conta colocávamos plástico colorido.
Aos 16 anos, terminei o ginásio; não tinha idade para fazer magistério em Catalão. Minhas irmãs foram; eu fiquei. Queria estudar, ganhar o meu dinheiro; fugir da torração de farinha que acabava com os olhos pelo excesso de fumaça. Passei a ministrar aulas em dois turnos, na minha casa. Atendia alunos do grupo escolar e do ginásio municipal. De manha, alunos que estudavam no período vespertino; à tarde, do matutino. Passavam umas quatro horas estudando – reforço escolar- Mamãe preparava beiju casado, tapioca ou mexido feito com a sobra do almoço para a turma lanchar. Era uma festa! Tornou-se meu ganho, até eu passar no concurso dos correios, aos 18 anos.


RCC: Sua mãe foi alfabetizada na idade adulta, pois trabalhava lavando e passando roupa e fazendo polvilho e farinha de mandioca para ajudar no sustento da família. Partiu dela o incentivo para estudar?

Fátima: Sim. Aprendeu pela TV (Telecurso). Já em voga o Ensino a Distância. Assistia às aulas e fazia as tarefas até aprender. Tinha sabedoria e participava de nossa vida em tempo integral. Quando ficamos sabendo que estudava de madrugada, já estava lendo e escrevendo. Fez tudo em surdina. Certo dia nos chamou para uma surpresa; leu uma carta que acabara de receber. Ficamos encantados com ela!

RCC: Seu pai era agricultor, encanador e músico. Foi ele quem despertou seu interesse pela música?

Fátima: Em parte, sim. A família dele era de músicos. Mesmo não os conhecendo, ouvia falar muito deles. Gostava de ver a banda local tocar; imaginava, como podia, alguém olhar aquelas bolinhas e transformar em musica! O papai gostava de ouvir música e isso lembro bem.

RCC: A senhora fez parte da primeira turma do Curso Ginasial de Santa Cruz de Goiás. O que isso significou?

Fátima: Realização do sonho de estudar. Foi a partir daí que as portas começaram a se abrir. Oito alunos formados, dançando valsa! Tenho, até hoje, o dicionário que ganhamos do padrinho da turma. Tivemos ótimos professores e foram eles quem me incentivaram a ensinar. Diziam que eu tinha o perfil de professora. Quando terminei o ginasial, novamente a frustração de não continuar os estudos.

RCC: A senhora concluiu o Curso Ginasial no período em que ele equivalia ao Magistério e habilitava os formando a ministrar aulas?

Fátima: Sim. Só que fiz contabilidade. Queria ser contadora e advogada.

RCC: Quando a senhora começou a trabalhar na Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos?

Fátima: Não lembro o ano. Sei que trabalhei 4 anos.

RCC: Chegou a trabalhar na agência de Pires do Rio, GO, para fazer o Segundo Grau?

Fátima: Trabalhava nos correios de Santa Cruz. Ia para aula em Pires do Rio em uma Kombi, chamada Cacilda. Pagava mensalmente o transporte.

RCC: A conclusão do Segundo Grau foi em Goiânia, GO?

Fátima: Sim.

RCC: O que a motivou largar os Correios e montar um salão de beleza?

Fátima: Não deu certo nos correios. O salão me deixava mais livre para viajar.

RCC: Naquele período a senhora já estudava música?

Fátima: Comecei a tocar violão vendo outras pessoas tocarem; repetia os movimentos e aprendia os ritmos. As primeiras noções de partitura foi pelo Instituto Universal Brasileiro, quando trabalhava nos correios em Santa Cruz, aproveitava para estudar a distância; não tinha professor presencial. Quando saí dos correios e montei  salão de beleza, em Goiânia, comecei a estudar música, de fato.

RCC: A senhora fez vestibular para Relações Públicas, porém, graduou-se em História. Essa guinada se deu pelo fato de Santa Cruz de Goiás ter sido uma das primeiras povoações do Estado?

Fátima: Não só por ter sido uma das primeiras povoações, mas por ser a minha Terra Natal. A mola mestra para a mudança de rumo  foi compreender as várias Histórias que  Santa Cruz de Goiás carrega.

 RCC: Como foi a sua experiência na política?

Fátima: Aprendi muito, porém, era “pequena em política”. Não sabia como tudo se dava nos bastidores. A sigla partidária é quem decide as ações.  À época eu sofri com isso; acreditava que conseguiria mudar algumas situações. Infelizmente, não consegui.. Fui a primeira mulher vereadora e presidente da Câmara. Bem votada! Hoje, tento devolver com trabalho, a confiança em mim depositada.

RCC: A senhora liderou o movimento que resultou na eleição de Santa Cruz de Goiás como uma das Sete Maravilhas do Estado de Goiás. Como foi que isso aconteceu?

Fátima: Recebi o telefonema de um amigo falando do concurso. De imediato disse que deveríamos inscrever Santa Cruz pela sua História; por outros atrativos iam aparecer muitos concorrentes. Assim, fizemos. Ligamos, passamos emails; fizemos uma campanha acirrada mostrando como votar, como indicar. As redes sociais ajudaram muito. Sugerimos visita ao site www.santacruzdegoias.net para quem não conhecia a cidade. Visitamos os postos de venda do jornal O Popular para confrontar as pessoas que ali frequentavam e pedir votos.

RCC: Poderia comentar sobre o seu trabalho na promoção das culturas populares?

Fátima: Esse olhar para as culturas populares surgiu da convivência e participação em conferências, fóruns e, principalmente, por presenciar atores exibidos em telões de seminários, congressos; sendo, apenas, objeto de estudo de doutores, mestres..., e nunca convidados a participarem dos eventos que eram exibidos.  Jamais falaram por eles mesmos. A minha defesa é por políticas públicas com recorte para esse segmento; empoderamento e valoração de uma cultura legitima.  Hoje, estou mediadora suplente do Colegiado Nacional de Culturas Populares do CNPC.

RCC: O que vem a ser a Escola do Sintipismo da qual a senhora é seguidora?

Fátima: Fernando Oliveira, pai do poema sintipo, composto, de um titulo, mais duas quadras e um verso para arrematar, que deve rimar com o titulo, além de um verso solto no centro, sem rima, mas em concordância com o tema. As duas quadras devem rimar: a primeira em decrescendo e a segunda em crescendo, e os versos rimados devem ter a mesma energia fônica, de preferência com rimas ricas.

Meu primeiro sintipo “Azul e Vermelho” em homenagem a Guajará Mirim/RO, fronteira com Bolívia, quando fui jurada do Festival Bumba Meu Boi -  azul do boi Malhadinho e vermelho do Boi Flor do Campo - Azul e Vermelho  inundaram a cidade,; além, das “voadeiras” que transitavam  no rio Mamoré  levando e trazendo pessoas da Bolívia.

AZUL E VERMELHO

O bailar das águas umedece a fronteira,
Emociona mesmo quem não queira.
A aragem refrescante do rio,
O glamour das voadeiras... arrepio.

As folhas dançam... pululam serenamente.
Lágrimas, alegoria, estandarte, toada,
Sol, lua, estrela, noite... madrugada.
O destino seu rumo segue, em remoinhos,
Pássaros em revoadas, procuram seus ninhos.

A imagem da cidade refletida no espelho

.RCC: Como é o seu trabalho de assistência espiritual em hospitais?

Fátima: Um trabalho desenvolvido anos a fio no HC junto a duas ex-alunas de violão ( enfermeira e fonoaudióloga do hospital) Cantávamos pelos corredores, nos quartos, UTI... Tínhamos um coral da Hemodiálise, toda quarta-feira à noite. Todos os segmentos religiosos trabalham: Dois dias da semana para católicos, dois para evangélicos e dois para espíritas. Uma vez ao ano reúnem-se  para confraternização.
Os assistentes espirituais são capacitados para atender o doente sem impor dogmas.

RCC: Como foi a emoção de tornar-se membro fundador da Academia de Letras do Brasil, Seccional Distrito Federal?

Fátima: Não acreditei! Quando recebi o convite da escritora e humanista Vânia Diniz, perguntei a ela: ‘Por que eu? O que eu fiz para merecer tudo isso?´. Imortalizar-me! Ao discursar durante a posse, não me esqueci de reverenciar os mestres das culturas populares. Meu Patrono, Mário de Andrade, cantou comigo naquele momento!

RCC: Quais os projetos para 2013 da Seccional Santa Cruz de Goiás da Academia de Letras do Brasil, presidida pela senhora?

Fátima: Estamos organizando o Ponto de Leitura Viva e Reviva Santa Cruz que fica na sede da Associação dos Amigos de Santa Cruz. São projetos correlatos Por enquanto estamos, junto ao Departamento Municipal de Cultura, implantando o Sistema Municipal de Cultura e seus complementos. Essa é a prioridade para esse ano. Ação que favorecerá a Academia.


[1] Redes usadas para transportar defuntos da zona rural para sepultamento na cidade
² Mina de água natural; servia água potável à população. Situada  em uma fazenda dentro da cidade.

"O SENHOR DAS ESTÁTUAS", DE PEDRO DU BOIS

Por Márcio Almeida

            Ao escrever “Saber de pedra – o livro das estátuas” (1999), o professor doutor da UFMG Luís Alberto Brandão Santos como que criou uma taxionomia para o “gênero” ensaístico por demais incisiva e enriquecedora para o discernimento de livros similares. Segundo ele, entre a tarefa da estátua está a de concentrar em si mesma “um estado de alerta”, uma vez ser preciso saber “ser ela observada”, assim como ser também “ignorada no seu papel no funcionamento do maquinário urbano “garantida pela distração dos olhares em trânsito”; por ser ela “um anteparo para o exercício da indiferença: é importante que esteja lá, despercebida, exatamente para que a ação de não perceber ocorra.”
            A estátua tem, portanto, que enfrentar esse grande desafio, conforme acepção do mestre mineiro: “ser presença absoluta, radicalmente constante, na mesma proporção em que é ausência, coordenada nula para os sentidos.” Então Brandão Santos observa nas estátuas a força de uma presença sagrada, quando paralisada “por uma revelação”; quando “a nudez do corpo desperta polêmica”; quando a pose tem “a intenção de gerar um efeito, seja o de uma situação extraordinária, seja o de uma cena banal”; quando nela a água é “cristal recheado de movimento”; quando “as estátuas são guardiãs da verdade, mas também avisos de que a justiça só é cega se for muda”; quando, interagindo com o espaço urbano quer dizer que “a cidade que não muda não tem passado”, donde a estátua ser “maleabilidade temporal.”
            Além de ser síntese da vida, a representatividade das estátuas permite uma leitura de um processo de condensação de sentidos e de significações, pois é também o objeto de estranhamento que se vai identificar geralmente como obra de arte, adquirindo desse modo um caráter surpreendente e comportamento imprevisto para os olhares de sua identificação, dando-se a revelar em sua imutabilidade e indiferença. Contudo a estátua é também uma obra de arte e como tal ela é flagrada como o ar dotado de vida. Neste caso, diria Bachelard, “uma estátua é tanto o ser humano imobilizado pela morte como a pedra que quer nascer numa forma humana.” É tamanha, às vezes, a animação, que chega a lembrar La vénus d´ille, de Prosper Mérimée. Como faz lembrar Goethe quando diz em “Máximas e reflexões” que “as pedras são mestres mudos. Atingem com o mutismo o observador.” Ou a aceitar ou não a provocação de Guillevic, quando a faz em “Terraqué”: “Se um dia vires – que uma pedra te sorri – irás dizê-lo?”
            Pedro Du Bois sentiu-se provocado pelo tema e produziu O Senhor das Estátuas (Penalux, 2013), o mais consistente livro de sua vastíssima produção poética. A partir da motivação da obra do escultor João Bez Batti, o poeta generalizou reflexões alusivas à estátua, reunindo desde sua materialidade à abstração do objeto.
            Às vezes a síntese surpreende e vale por todo o livro: “O exemplo personifica a coisa – afeita e da madeira a forma – conformada no desbaste. – Lixa a peça – e a pinta – nas cores escolhidas. – A coisa transcende a ideia – original do dono – e se assenhora. (IV)” De outra feita o devaneio advém do metabolismo mineral com seu signo substancial a culminar no “próprio sonho do fogo excessivo”: “Imenso os aspectos – atraídos pelas mãos que criam a ilusão da vida. O metal tem olhos e ouvidos: não escuta e não enxerga. – A mão sustenta a luva. – os pés contraem a terra. - Diz que respira e oxida – Mãos recriam o fantasmagórico: escuta e enxerga. (XIV)”. De vez que há uma confissão do poeta: “Estátuas dizem segredos – engessados em acidentes (XXX). Para guardá-los, observa o poeta, o senhor das estátuas, como um operário da beleza imóvel, “decifra o silêncio – estendido nos olhos fechados e nas mãos postas (XXXII); “em todas as horas de todos os dias – observa o detalhe da pedra – o granito áspero – o mármore em água – o metal – a madeira retratada – [a sua própria] imobilidade do senhor diante do abismo (XXXIII)”. E outra confissão do senhor das estátuas: “Busca na estátua o significado – encravado  pelo artífice: a dor – a fertilidade – o coroamento – a desfaçatez – a guarda do corpo – decomposto em tempo. – Rebuscada em sua esterilidade – a estátua traduz o despropósito – de ser tomada como referência (L).” Por isso a conclusão que a estátua tira de si mesma: “A estátua não se submete – em servir ao senhor: recusa – o serviço incômodo – de ser movimento. – Não receia o castigo – de ser observada cegamente – em toque de mãos (LV)”.
            O senhor estatuário duboisiano é o que “não se conforma no limite, no bloco desgastado em cortes e no lixar recorrente”, mas o que “avança espaços – e se confronta com o inexistente”, o que “contempla o pensamento – e paciente recolhe aparas – de amarras desconfortáveis (XXXVI)”. O senhor das estátuas é o que “receia desconhecer na afetação da pose a madeira corroída em cupins: pedra esvoaçante em lançamentos concêntricos e o papel endurecido cola o refazer do sentido em perdida imagem (XXXVII)”. Em nível do folclore, “o senhor contempla a proa embevecida – na face encravada como promessa de travessia: a carranca reduz – o medo na necessidade da partida (XXXIX)”. Às vezes o senhor das estátuas as recupera “em enigmas indecifráveis”, quando “dispõe sobre as bases elementos concretos: ama o paradoxo da frieza da pedra – e no metal deixa a sua marca (XLVIII)”.
            Na concepção de Du Bois, “a estátua representa a ação intencional – da sobrevivência – e da criação deletéria – de outras vidas (LVII)”.
            Do tema imóvel ao texto mobilizador, O senhor das estátuas antepõe a poesia como espaço do objeto da matéria pensada para servir de reflexão ao “resultado da vida concretizada em atos confessados” (III), “memória e apresentação – impropriedade: proximidade entre o objeto e o modelo – monólogo entre a vida e a prisão em vida (XVIII)” – ao nada [que] é revisto no retorno – e ao tudo [que] se desorienta no estado primitivo (XXI)”; à “ilusão degradada em realidade” (XXIII”).

Bibliografia básica  
BACHELARD, Gaston. A terra e os devaneios da vontade. São Paulo: Martins Fontes, 1991.
SANTOS, Luís Alberto Brandão. Saber de pedra – o livro das estátuas. Belo Horizonte: Autêntica, 1999.                                                      
                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                   

             

ARCABOUÇO

Por Pedro Du Bois (Itapema, SC)

No arcabouço
destino
dias estruturados: sou trapezista
                              e me lanço
                              ao concreto
                              espaço

o arcabouço origina
a materialidade dos fatos

desatino a passagem
do corpo sobre o arame: vento
na minha ultrapassagem

no arcabouço remetido
aprofundo a voz

no dizer verdades.

PRIMEIRA VIAGEM

Por Pedro Du Bois (Itapema, SC)

Faço as malas: papéis amassados
                         papéis rasgados
                        cópia autenticada
                       da certidão de ir embora
                      atestado de carreira
                     contra recaídas
                    tampões de orelhas
                   tesoura de unhas
                  o bigode raspado
                 no disfarce

estrago o papel da bala no fazer
o desenho inimaginável do barco

                   embarco e saio
                    atrás de mim
                     as malas estalam
                      em primeira viagem.


ESPINHA

Por Pedro Du Bois (Itapema, SC)

Retiro a espinha do peixe
              espinho a mão
              na flor
           o espinhaço quebrado
           ao assim mesmo
           das ordens desconstituídas.

Reprovo o pão ingerido
como providência na ânsia do ar
                              faltante.

(Do peixe o espinho retirado
 se aloja a contento: bastante

 para a sufocação).

1964 – A HISTÓRIA QUE NÃO FOI CONTADA

Por Edison Uwe Zahler

Tenho lido as mais variadas versões dos fatos que culminaram com o movimento revolucionário ocorrido no Brasil em 31 de março de 1964.
É claro que cada um conta a história a sua maneira, muitas vezes, por não ter vivido os acontecimentos ou terem  lido ou ouvido dizer, de forma tendenciosa; falam coisas que não se coadunam com a verdade.
 Acredito que, ao comentarmos um fato, devemos fazê-lo com isenção de qualquer preconceito, tentando relacionar os fatos, para, daí, tirarmos as nossas conclusões.
Após a renúncia do Presidente da República, Sr. Jânio Quadros, assumiu o Vice-Presidente, Sr. João Goulart,  popularmente conhecido por Jango Goulart.
O Sr. Jango era uma pessoa de hábitos simples, de bons sentimentos e, por isso, se deixou envolver por elementos esquerdistas inescrupulosos, pertencentes ao Partido Comunista, embora não declarados ostensivamente,  que foram empolgando o poder, ocupando postos importantes da administração do país, agitando a massa operária da cidade e do campo, numa tentativa de implantar no Brasil uma democracia sindical, base para uma ditadura do proletariado.
As greves eram tão freqüentes que um jornal carioca, na época, estampou em sua primeira página uma charge na qual apareciam dois operários conversando, onde um dizia para o outro: “algo muito grave  deve estar acontecendo no país, pois há  uma semana  não fazemos greve”.
No campo, as Ligas Camponesas lideradas por Francisco Julião  invadiam terras, quer fossem improdutivas ou não, com o Governo Federal fazendo vista grossa a tais crimes contra a propriedade particular.
O Movimento Estudantil manipulado por estudantes “profissionais”,  membros da COLINA (Comando de Libertação Nacional),  uma das variantes do PC, encarregada de subverter  o meio estudantil,  promovia passeatas, pichações, e se solidarizava com as reivindicações dos demais setores da sociedade.
A Ala Progressista do clero romano apoiava as manifestações, afirmando que deveríamos criar o paraíso aqui na terra e não esperar a vida vindoura e que os ricos tinham a “obrigação” de repartir com os pobres os seus bens.
A classe política, eivada de oportunistas e demagogos,  ávidos por projeção pessoal e, seguindo a tendência da época, de que ser de esquerda dava “status”, se arvoravam paladinos da democracia, e, seguindo o axioma de quanto pior melhor, exigiam as chamadas “Reformas de Base”.
As pichações apareciam em todo lugar com dizeres: “Reformas na Lei ou na Marra”.
O Partido Comunista Brasileiro (PCB)  e o Partido Comunista do Brasil (PC do B),  seguindo as diretrizes do seu mais importante órgão – a Seção de Agitação e Propaganda  -,  diversificou a sua atuação, criando pequenos grupos, aparentemente independentes, com nomes pomposos como Política Operária (POLOP), Vanguarda Armada Revolucionária (VAR), Vanguarda Popular Revolucionária (VPR), (Movimento Revolucionário 8 de Outubro (MR-8), entre outros, com a finalidade de atrair simpatizantes e atuarem sem saber de quem realmente emanavam as ordens. 
A sociedade civil acompanhava com apreensão toda aquela movimentação sem que o Governo tomasse uma atitude para coibir àquele estado de coisas.
No seio das Forças Armadas despontavam manifestações de cunho político-ideológico, onde  os militares de baixa patente se salientavam, tendo inclusive, alguns marinheiros se filiado a sindicatos de marítimos, coisa que por força de diploma legal não lhes era permitido.
A economia estava estagnada devido aos movimentos paredistas, a inflação alcançava índices inimagináveis, o caos estava estabelecido...
Diante de tal quadro estarrecedor, a sociedade brasileira voltou-se para DEUS, promovendo passeatas nas principais capitais dos Estados  denominadas  Marcha da Família com Deus pela Liberdade, nas quais repudiavam as pregações ideológicas e ações comunistas  no País.
As Forças Armadas foram constrangidas pela população a tomar uma atitude  que evitasse a comunização do Brasil, a semelhança do que ocorrera em Cuba havia pouco tempo, onde o Sr. Fidel Castro,  dizendo-se cristão, com um rosário na mão  e  um fuzil na outra, derrubou o ditador Fulgêncio Batista e, traindo o povo cubano, implantou o comunismo naquela ilha do Caribe, semeando o terror mandando para o “paredón” para serem fuzilados todos os que se opunham ao seu governo através de  julgamentos sumários (quando havia).
As Forças Armadas e, em particular o Exército Brasileiro, que sentira na carne os efeitos maléficos dos comunistas em 1935, quando companheiros de farda, da mesma unidade, foram covardemente assassinados  na calada da noite enquanto dormiam, se anteciparam ao golpe que se previa como iminente e deflagraram a revolução, destituindo o inoperante governo do Sr. João Goulart.
O Marechal Castelo Branco, um dos líderes do movimento, foi guindado à Suprema Magistratura da Nação e, no seu discurso de posse declarou:”Não almejo o poder, aceito-o como uma forma de servir”.  Acredito que naquele momento deve ter passado por sua mente as palavras do Marechal Floriano Peixoto quando, respondendo a ordem recebida do Ministro Visconde de Ouro Preto para debelar a Revolta Republicana disse:”os galões que possuo, Exa., foram ganhos nos campos de batalha e não por serviços prestados aos   ministros”.     
A ação saneadora da revolução logo se fez sentir através das cassações dos mandatos daqueles políticos reconhecidamente corruptos e demagogos que nada mais faziam do que enganarem o povo e se  locupletarem com o erário público. O governo revolucionário demonstrou que não estava ali a serviço de ninguém nem para agradar quem quer que fosse; ele estava ali para servir à Pátria, promover reformas e restabelecer a vida da Nação.
As medidas saneadoras prejudicaram os interesses de muita gente, em particular aqueles que estavam alcandorados no poder e que se viram, de uma hora para outra, destituídos das benesses a que estavam acostumados, aos políticos carreiristas que almejavam ser indicados candidatos à Presidência da República e, principalmente, aqueles que sonhavam com a implantação do comunismo no Brasil, os quais estavam ávidos por uma revanche.  É de bom alvitre dizer que a maioria dos que foram cassados não o foram por motivos político-ideológico, e sim por corrupção, malversação e roubo do dinheiro público.
Com o advento dos movimentos que agitaram o mundo a partir de 68, a esquerda brasileira vislumbrou a oportunidade de ir à forra,  reativando seus quadros que estavam inoperantes e infiltrando-os nos diversos seguimentos da sociedade, principalmente no meio estudantil, que era a classe mais esclarecida da sociedade, mais ingênua e, por conseguinte, mais maleável. Esse fato fez com que muitos jovens, iludidos com o “canto da sereia” dos agitadores profissionais e motivados pelo fato de poderem modificar o mundo, abandonassem as suas casas, as ruas famílias, e se lançassem em uma aventura que os levaram à marginalidade, praticando roubos, assalto a bancos, a empresas, a assassinatos, a justiçamentos (leia-se vingança contra inimigos ou mesmo amigos considerados traidores), tornando-os embrutecidos pela doutrinação  ideológica de mentes doentias oriundas de outras plagas. Muitos jovens foram enviados ao exterior para fazerem curso de guerrilha e capacitação de liderança em Cuba, Rússia, China e Albânia.
 Com o recrudescimento das ações subversivas, acrescidos com o movimento guerrilheiro no Pará, Goiás, São Paulo e Amazonas, o Governo Revolucionário endureceu o regime e decretou o Ato Institucional No. 5 (AI 5).
Com a morte do Presidente Costa e Silva, assumiu o General Emílio Médici que, usando todos os meios a seu dispor, derrotou a guerrilha comandada por elementos treinados principalmente em Cuba, motivo pelo qual a esquerda brasileira, através da Seção de Agitação e Propaganda, e no intuito de denegrir a imagem do Presidente e mascarar a derrota sofrida, passou a chamar o governo Médici de “Anos de Chumbo”.
O que a Seção de Agitação e Propaganda não menciona é que o Presidente Médici foi, até a presente data, o único presidente da republica a ser  aplaudido no Maracanã, onde, sabidamente vaia-se até minuto de silêncio; que durante o seu governo, mesmo com os subversivos tentando paralisar o país e denegrir sua imagem no exterior com o sequestro de autoridades consulares e assassinato de um oficial americano, o país cresceu numa média de dez por cento ao ano. Conta-se que certa vez o Presidente chamou o Ministro Mario Andreaza e ordenou-lhe que construísse a Ponte Rio-Niterói. O Ministro ponderou que a oposição iria reclamar e que não havia verba ao que o Presidente respondeu: eu não tenho verba mas tenho o AI 5, constrói a ponte! Hoje fala-se no desmatamento da amazônia, mas não sabem que entidades internacionais, na época, queriam alagar a floresta, criando o “Lago Amazônico”, ocasião em que o Presidente Médici proclamou o “slogan”: “integrar para não entregar”, construindo a rodovia Transamazônica e mandando colonos para povoá-la, calam-se que foi o governo Médici quem estabeleceu as 200 milhas marítimas da plataforma continental, preservando, assim, as jazidas do nosso o  petróleo.
Ignorar ou dizer que nunca houve infiltração comunista no seio da sociedade brasileira desde a década dos anos vinte é desconhecer a história e menosprezar a cultura e a memória do povo brasileiro.
Fala-se  sobre   prisões ilegais , torturas e assassinatos de jovens, na maioria  estudantes,  por parte da ditadura militar. Não posso negar que não houve.  E os terroristas não fizeram o mesmo, não torturaram, não assassinaram, não fizeram justiçamentos?
 Num confronto entre forças legais e terroristas, quer sejam jovens estudantes ou não, sempre alguém morre, quer de um lado ou de outro, até mesmo um simples espectador que se encontrasse no lugar errado, na hora errada.  O que causa espécie são os noticiários, as lamentações pela morte de elementos que estiveram às margens da lei e nenhum comentário acerca das pessoas que morreram por estarem  no lugar onde terroristas (ou facínoras), iriam  “expropriar” um banco, uma empresa,  uma  propriedade particular, fazer um sequestro ou um justiçamento.
 O fato é que ninguém lamenta a morte do bancário, do segurança, do operário, que deixou mulher viúva e filho órfão, se ficaram desamparados ou não. Não falo dos militares, porque eles são profissionais e sabem dos riscos inerentes da carreira, embora muitos fossem pais e que também deixaram filhos órfãos e viúvas,  tombando no cumprimento do dever.
No meio religioso o protestantismo brasileiro se mostrou à altura de suas tradições reformadas, precursora da Revolução Francesa, que acabou com o absolutismo  da monarquia, erguendo o pendão real contra as doutrinas totalitárias oriundas das estepes russas. A IPI do Brasil não ficou imune à senha peçonhenta da doutrina comunista,  tendo sua “casa de profetas” ameaçada por  indivíduos  inescrupulosos, travestidos de cristãos, mas que professavam doutrinas incompatíveis com a nossa fé, e  que não tinham a mínima vocação para exercer o sagrado ministério da palavra. Alertados por divina providência (O Senhor conhece os que lhe pertencem; 2 Tm. 2,19), a direção do seminário expulsou-os sumariamente. Como ficou provado posteriormente, não eram dos nossos, pois tornaram-se “pais de santo”,  kardecistas e outros nunca mais se voltaram para qualquer outra denominação. Como diria minha avó portuguesa: “foram cantar em outra freguesia”. 
 O regime militar foi um remédio amargo sorvido pelo povo brasileiro, mas foi muito melhor do que se caíssemos numa ditadura semelhante à cubana; pois no regime imposto pelos militares, os ladrões contumazes, demagogos e inimigos da democracia, foram banidos do território nacional (e hoje estão de volta participando da vida pública), ao passo que na “democracia”  chinesa ou mesmo a caribenha, os inimigos do regime são sumariamente enviados ao “paredón” para serem fuzilados.
Fiel é a Palavra! “Destruirás aqueles que proferem a mentira; o Senhor aborrecerá o homem sanguinário e fraudulento” (Sl 5:6). Devemos esclarecer e alertar os nossos jovens, particularmente os que praticam a fé cristã, sobre os perigos que correm aqueles que se deixam seduzir por ideologias espúrias,  produzidas por mentes perversas, que  exigem que o Brasil lhes dê liberdade, ao passo que  no seu país de origem ela lhes é negada.  “Sede sóbrios, vigiai, porque o diabo anda em derredor como leão que ruge procurando alguém para devorar” (I Pe 5:8). A verdadeira liberdade só quem pode nos dar é o Pai Celeste, quando entrarmos em sua glória.

                               
Sobre o autor: Edison Uwe Zahler é representante da Revista O ESTANDARTE, na Igreja Presbiteriana Independente - IPI, Cruzeiro, DF.