segunda-feira, 21 de março de 2011

DIA MUNDIAL DA POESIA - 21 DE MARÇO

Por Vânia Moreira Diniz (Brasília, DF)

Dia 21 de março é a data promulgada pela UNESCO para a celebração do Dia Mundial da Poesia.
A Poesia é a forma lírica de transmitir mensagens que saem da alma com força de expressão e admiram a natureza, os sentimentos, o ser humano em geral e comunicam com vigor e graça seu canto, conceitos, sonhos, ideais e qualquer tema inspirado.
Poesia é também o entendimento no olhar, na doçura das palavras pronunciadas com suavidade e a certeza que merecemos a luz do horizonte, independente da cor, do formato do rosto, do lugar em que se nasceu, das características sexuais e cujo preconceito certamente seria repudiado pela sociedade.

Emocionalmente falando as mãos seriam dadas até nas tristezas e teríamos mais respeito por todas as diferenças existentes.
A diferença é a forma mais bonita de nos aperfeiçoarmos com as experiências mútuas e a poesia está apta para cantar esse sentimento de ternura que resplandece no amor universal. Há melhor e mais profunda forma de entendermos a alma de outra pessoa que necessita das mesmas alegrias intrínsecas como cada um de nós?
Se existisse mais poesia nas relações humanas, tudo seria mais fácil e as marcas do amor e da solidariedade estariam presentes , assim como o egoísmo se manifestaria com menos ênfase dando passagem à preocupação pelo outro cujo caminho ameno, mesmo nos momentos difíceis nos levaria à paz, na verdade, a única passagem para a felicidade.
Poesia é amor, canto e encanto, luz que não amortece os olhos, união estreita com nossos irmãos de caminhada, certeza que o sorriso seria tanto mais bonito e enternecedor quanto mais fosse dado com a alma, entrega de sentimentos, necessários à felicidade de cada um de nós. Fortuna que só se encontra no espírito e que satisfaz nosso ser interior
Poesia é beleza, não apenas enfeitando a superficialidade, mas vibrando nos acordes da emoção para que seja sentido numa extensão tão sublime que não seria possível escassear nem com a passagem do tempo e nem mesmo com a duração finita de nosso tempo.
Poesia é o que vamos legar aos nossos descendentes, mesmo que eles não sejam poetas, é a esperança que disseminamos durante a existência e cuja semente plantamos para que seja regada com amor e afinal, um dia, possa nascer os frutos para uma humanidade menos sofredora, menos perversa e onde os valores maiores não sejam tão materiais e individualistas.
Isto é a verdadeira poesia. Tentaremos transportá-la mesmo nesse instante difícil da história da humanidade, porém ela saberá florescer cada vez mais lírica e verdadeira para que o universo se transforme num oásis de paz, mesmo que tenhamos que lutar com dificuldade para encontrar o verdadeiro amor universal.
Poesia é entrega, dedicação, altruísmo nos versos rimados ou não, mas que encontram a compreensão do momento em que nascemos, aspirando o oxigênio que nos fez chorar para que a abrangência de nossos atos sejam capazes de deixar um motivo para entendermos o porquê de nossa presença neste mundo.
Poesia que o mundo todo comemora nesse dia 21 de março é vida, comemoração, entrega útil, verdadeira e crescente e que podemos repetindo mil vezes a palavra amor em todos os sentidos chegar ao cerne da expressão lírica que o entusiasmo criador expressa, transforma e entende.

Sobre a autora: Vânia Moreira Diniz, Ph. I., é presidenta da Academia de Letras do Brasil, Seccional Distrito Federal (ALB/DF)

sexta-feira, 18 de março de 2011

CONFISSÃO

Por Pedro Du Bois (Itapema, SC)

Sintonizado em barulhos
reconheço o prego
ao ser pregado
o parafuso
ao ser enroscado
a água
ao ser fervida
o dia
ao ser mudado
para a tarde
noite
dos regressos

ser fechado
confesso o crime
de escutar a vida
por todos os lados.

quinta-feira, 17 de março de 2011

CORDEL RADIOATIVO

Por Gustavo Dourado


Átomos em explosão:
O mau uso do urânio...
Radiação cancerígena:
Advinda do plutônio...
Tanta bestialidade:
Deixa todo mundo insônio...

Detonaram a alma de Gaia:
Com o explosivo do inferno...
O câncer da amargura:
Em um nuclear inverno...
Peço às forças do Cosmos:
Dai-nos luz do infineterno...

Armas da estupidez:
A fome se multiplica...
A miséria só aumenta:
A ignorância petrifica...
Um mundo mal-educado:
Como é que nos explica?!

Terremoto/Maremoto:
A tsunami fatal...
A natureza está viva:
Desperte humanimal...
Preserve o meio ambiente:
Não destrua o seu quintal...

Fukushima...Chernobyl:
Prenúncio do Apocalipse...
Convulsão radioativa:
No veneno da elipse...
Mundo em metamorfose:
O Planeta em eclipse...


Os sete ventos da ira:
Natureza desvairada...
Brilham os raios da morte:
Na explosão ensolarada...
As estrelas se escondem:
Na via desmadrugada...

Parem de acumulações:
Ter, poder e lucrar...
Conjuguem o verbo ser:
Viver, sorrir e amar...
A natureza nada cobra:
Mas sabe bem reclamar...

Terremoto vai e vem:
A terra viva está...
O Planeta se sacode:
Lá, aqui e acolá...
A humanidade sofre:
Sem saber o que será?!...

Átomos armam o medo:
Energia nuclear...
O perigo é constante:
Apocalipse no ar...
Isótopos, radioatividade:
Ninguém sabe mais amar...

Indústria bem poluente:
O consumismo fatal...
Tecnologia caótica:
Automatismo letal...
Excesso de automóveis:
Tsunami cultural...

Produzem os assassinos:
Com a política bestial...
Uma educação nefasta:
Para o sistema do mal...
Promovem o crime na tv:
Manchete no telejornal...

Lucro para os tubarões:
Trabalhador na esmola...
O governo doa aos ricos:
Dá ao povo, pobre escola...
Os jovens no desemprego:
Fumam crack, cheiram cola...

Aumento para político:
Deputado e senador...
Ministro, juiz, prefeito:
Secretário, vereador...
Para o povo só arrocho:
Imposto, calote e dor...

Simulação, simulacro:
O culto à falsidade...
A mentira está no auge:
Em toda a sociedade...
Precisamos de um choque:
De amor, paz e verdade...

Priorizem a Educação:
Preservem seu orçamento...
Livro, arte e cultura:
Elevam o pensamento...
Sabedoria, paz, amor:
Bem melhor que armamento...

É o caos, devastação:
O terror da humanidade...
O homem destrói Natura:
Gera a calamidade...
Armas de todo tipo:
Civitas da insanidade...

A Terra treme, sacode:
Armagedon crucial...
Hecatombe planetária:
Cataclisma mundial...
A Natureza cobra o preço:
Do destruidor hominal...

Radioatividade contâmina:
Carcome o gen da matéria...
Energia teleletrônica:
Psinergia deletéria...
Suga sangre do robhome:
E dá um nó na artéria...

Estraçalha a medula:
Desossifica a quimera...
Silencia o pensamento:
Detona a atmosfera...
A alquímica atormenta:
Mortifica a bioesfera...

Reatores que derretam:
Ecos do Juízo Final...
Robobs em automóveis:
Pobre homem maquinal...
Perdido em seu percurso:
Pelo espaço virtual...

Germes , micróbios, bactérias:
Os vírus do assassínio...
Células são dilaceradas:
Nas câmaras do morticínio...
Os escravos pós-modernos:
Suicidas em extermínio...

Terrorismo de Estado:
Alien multinacional...
O cérebro é monitorado:
Pela mídia canibal...
Antropófaga do ser:
Via escaner digital...

Nuclearmas explosivas:
Implodem o transumano...
Hiroshima - Nagasaki:
Bombardeio inumano...
Abalo sísmico na alma:
Por um ato desumano...

O desastre é provocado:
Catacombe planetária...
Corrupção desenfreada:
A insanidade diária...
Dinheiro-carro-metal:
Trava a veia libertária...

Especulação imobiliária:
Urbis...Autoimobilismo...
Poluição industrial:
Larva do automatismo...
Cimento, plástico, veneno:
Química do kapitalismo...

Exploração irracional:
De matéria e energia...
Consumismo excessivo:
Suicida pedagonia...
Educastração equívoca:
Do lucro e da mais valia...

Césio, bório, éter, polônio:
Gluons, quarks, tungstênio...
Deltas, sigmas, neutrinos:
Posítrons, gamas e selênio...
Os elementais do tempo:
Além do molibidênio...

Amar verbo infinito:
Que transcende a razão...
Sexo, sonho, fantasia:
O efêmero da paixão...
O Amor se eterniza:
Corpo, mente, coração...

A dor de ser sentimento:
O desejo de se amar...
Pensar em ontologia:
No sonho filosofar...
Buscar a eternidade:
Num galope a beira mar...

JOÃO DE BARRO

Por Antônio Francisco de Paula

Mês de dezembro.
Todos os passarinhos em festa,
Só o pedreiro da floresta
Não parou de trabalhar.

As andorinhas
Anunciavam o grande dia
Em que Jesus nascia,
Vindo pra nos salvar.

Nobre pedreiro,
Aquele humilde construtor,
Bateu asas em louvor
E repicou o seu cantar.

O João de Barro,
Passarinho inteligente,
Trabalhando feito gente
Lá na copa da paineira.

Num galho verde,
Protegido na ramada,
Junto de sua amada
Não parava de cantar.

Na construção
De sua moradia
Trabalhava todo o dia,
Sem parar pra descansar.


Cada viagem
Que o coitado fazia,
No seu bico ele trazia
O barro pra rebocar.

Pobre João,
De bolica em bolica,
Mais de mil idas na bica
Pra seu ninho terminar.


Sua companheira
Ficava lhe ajudando,
Com capricho alisando
As paredes do seu lar.

Preocupada,
Quando avistava o João
Subindo lá do grotão,
Começava a festejar.

Somente a Deus
É que devo agradecer,
Por ter me deixado ver
E estes versos registrar.


(Publicado na Revista Cerrado Cultural nº 05, em 2008)

TORQUATIANA

Por Gustavo Dourado


Anjo louco renascente
Anjo barroco cigano
Netuno do oceano
Sertanejo universol
Torquato fenomenal
És poeta soberano

Desfolhaste a bandeira
Da manhã luz tropical
Estrela d'alva serena
Vespertina musical
Ritmaste a nova era
Iluminando o carnaval

Combateste o arcaísmo
O modismo, a opressão,
Ao morrer eternizou-se
Sem medo da repressão
Foste vítima da tortura
Da angústia da razão

Antropófago criativo

MultiArtista criador
Mago do tropicalismo
Morreu de arte e amor
Morreste abandonado
Pelo sistema jogado
No precipício da dor...

(do livro Phalábora, 2003)

(Publicado na Revista Cerrado Cultural nº 05 em 2008)

quinta-feira, 10 de março de 2011

O CAMPEÃO

Por Sérgio Moacir Pereira Fontana (Pelotas, RS)

Em 1970 Bagé estava em expansão. E creio que foi nesse ano que os padres começaram as reformas no Colégio Auxiliadora. Desmancharam os mictórios a céu aberto, que eram encostados no muro dos fundos da casa do Carlos Theo Lahorgue, e uma parte do prédio que ficava nos fundos do cine-teatro, também pertencente ao colégio. Então começaram a reformar os corredores que ficam em paralelo com a rua Marechal Floriano, aproveitando o período de férias dos alunos para acelerar os trabalhos. Em dois anos conseguiram alcançar uma boa parte do objetivo final.
Juro que não lembro direito das etapas cronológicas da grande obra, nem mesmo quando construíram a quadra poliesportiva, a qual, nesse processo de reformas, surgiu como num passe de mágica. Nela se podia jogar o clássico futebol-de-salão - com aquela bola pra lá de pesada - o basquete, o handebol e o vôlei. Foi então que nós, os alunos, passamos a ter contato com esses esportes, cujas noções básicas foram incluídas no programa de aulas de Educação Física.
Futebol, quase todo mundo sabia jogar, mas as outras modalidades precisavam ser mais bem ensaiadas. Uns gostavam só do vôlei, outros preferiam o basquete e outros - bem poucos – o handebol. Pois eu tinha 12 anos quando comecei a jogar basquete, e logo descobri que tinha razoável aptidão para o esporte, principalmente no quesito arremesso à cesta, particularidade que me incentivou a ser candidato a uma das vagas na seleção de basquete, de 11 a 14 anos, do Auxiliadora. E consegui o meu objetivo que era fazer parte da equipe que ia competir nos Jogos Interescolares Municipais de 1972.
Como na modalidade "Basquetebol" só o Colégio Nossa Senhora Auxiliadora e a Escola Estadual Dr. Carlos Kluwe apresentaram equipes, a disputa do título se resumiu a uma só partida, por faixa de idade. Enfrentariam-se os times sub-14 e sub-18 dessas instituições, com jogos na quadra da Praça dos Esportes, ali, em diagonal com o Estadual e um pouco mais distante - mas não muito - do Auxiliadora.
Fazia frio às 9 da manhã, quando começamos a trocar de roupa, vestindo a sagrada camisa branca, sem mangas, com numeração às costas, bordada em azul escuro, e o nome "AUXILIADORA", bordado em vermelho, em forma de arco, no centro do peito, sendo o calção azul e o soquete branco. Por cima, o abrigo azul-marinho e vermelho do colégio, com a devida identificação, bordada em branco, às costas do moleton.
Mesmo sendo um dos atletas de melhor aproveitamento no arremesso à cesta, eu estava conformado em ser reserva, pois a minha estatura não privilegiada se constituía, teoricamente, em marcante desvantagem nas disputas de bola. Então que se virassem os nossos cinco titulares, capitaneados pelo nosso melhor atleta, o Alencar. Quanto aos nossos rivais, deles eu pouco sabia, mas chamava-me a atenção um jogador. Badô era o nome dele, e se movimentava com desenvoltura, e fazia cestas com certa facilidade, apesar de ter uma das pernas menos desenvolvida que a outra. Era essa a maior dificuldade que enfrentávamos, pois ninguém estava conseguindo neutralizar o Badô, capitão da equipe do Estadual.
No segundo tempo do jogo fui chamado pelo técnico da equipe que me instruiu a tentar meus arremessos de longa e média distância. Fui lá e tentei, uma, duas, três vezes. Duas tentativas deram no aro e uma outra, bisonha, nem acertou na tabela. Era hora de mudar a estratégia.
Jogo difícil, quase no final, e com vantagem de um ponto pró Escola Estadual. Quando a bola sobrou para mim, quase embaixo da cesta, eu tinha certeza que aquele era o último lance da partida. Girei o corpo e dei um impulso para o alto, ao mesmo tempo em que o sol das 11 horas me ofuscava a visão e todo o time adversário, em desespero corria, sem freios, na minha direção. Arremessei a bola sem enxergar, e recebi, de imediato, impactos múltiplos na parte superior do corpo, inclusive na cabeça.
Acordei 24 horas depois, no hospital. Lembrei de tudo, menos de uma coisa. Eu não sabia se tinha marcado os dois pontos que nos teriam dado a vitória. Ainda deitado e com os olhos semi-abertos, virei a cabeça para o lado e vi, sobre o bidê (criado mudo), um troféu que me encheu de alegria. Pedi à minha mãe que me alcançasse aquele símbolo da vitória, e para me certificar que tinha dado tudo certo, procurei, e encontrei, a palavra mágica nele gravado: "Campeão".
Sensibilizado pelo reconhecimento dos meus companheiros de time, perguntei à minha mãe se ela sabia quem tinha ido lá me visitar, enquanto eu estava inconsciente. Ela disse que quase todos, de uma vez só, foram ao hospital para saber como eu estava. Depois chegou mais um, mas esse, o que chegou com a taça na mão, ela não conhecia. Ele entregou o troféu para ela, dizendo que era um presente para mim, que eu era um herói e tinha feito por merecê-lo.
- E ele disse quem era? - perguntei à minha mãe.
- Disse sim, meu filho! O nome dele era Badô!

quarta-feira, 9 de março de 2011

O TRÊS DE OUTUBRO DE 1930, EM BAGÉ, RS

Por Cláudio de Leão Lemieszek (Bagé, RS)

O calendário da história registrou em 3 de outubro 2010 a comemoração do 80º aniversário da Revolução de 1930. Movimento nacional liderado pelos gaúchos que sepultou de vez a chamada Primeira República, quando a hegemonia da política brasileira estava nas mãos de paulistas e mineiros que se alternavam no poder através da denominada política “café com leite”.

Na época, a revolução representou não só a revitalização política e eleitoral do país com a multiplicidade partidária, o banimento do voto à cabresto, com a instituição do voto secreto e do voto feminino, entre outras conquistas, como também, muito especialmente, determinou o início de uma nova fase modernista e desenvolvimentista da sociedade e dos meios de produção do país.

A conspiração que se iniciou precisamente em 5 de agosto de 1929 com o discurso de João Neves da Fontoura na Câmara Federal, quando os aliancistas romperam com o poder central sob o comando do presidente Washington Luis, só transformou-se em luta armada no ano seguinte, exatamente a partir das 17 horas do dia 3 de outubro.

A evolução dos acontecimentos teve desfecho rápido. Em menos de quatro semanas Getúlio Vargas já estava instalado no Catete a um custo insignificante de baixas.

Não é nosso propósito neste rápido bosquejo histórico analisar as causas políticas e econômicas do movimento, e muito menos descrever a campanha militar. Pretende-se tão somente traçar um breve panorama dos principais acontecimentos ocorridos em Bagé.

O espírito revolucionário contagiou entusiasticamente os bajeenses, e tão logo estourou o golpe, iniciou-se uma mobilização geral de civis e militares apresentando-se aos líderes para rumar em direção ao palco dos acontecimentos. Não escapou ninguém, até adolescentes, burlando a vigilância dos pais, acabaram engajados.

As mulheres tiveram papel relevantíssimo. Sob a liderança de dona Francisca Torrescassana, logo ganharam as ruas batendo nas portas comerciais e angariando fundos para auxiliar os soldados que partiram em direção ao centro do país. Com rapidez invejável reestruturaram a Cruz Vermelha e também partiram, só não alcançando seu destino por terem sido colhidas pela paz ainda em caminho.

Bagé começou a conspirar em julho de 1930, quando em certa noite reunidos na casa do deputado Thomas Collares, estavam presentes, além do anfitrião, Luiz Mércio Teixeira, Heitor Mércio e Arnaldo Farias que na ocasião foram investidos na condição de delegados revolucionários de Bagé, pelo emissário de Oswaldo Aranha, capitão Cacildo Krebs, que na oportunidade entregou a código telegráfico que abria os canais de comunicação com os cabeças do golpe em Porto Alegre.

Frustrada a eclosão do movimento na primeira data aprazada, dia 7 de setembro, tudo funcionou a contento no dia 3 de outubro. Conforme previamente combinado entre os revoltosos em todo o território nacional, os respectivos chefes receberam a ordem de comando com antecedência de 48 horas. Assim é que no dia 01 de outubro a junta revolucionária de Bagé recebeu o aviso para preparar a insurreição. De imediato contataram o Intendente, Cel. Juvêncio Lemos e deram início às providências necessárias.

De pronto partiram emissários para o interior do município para convocar os subintendentes a estarem com suas forças na tarde do dia três posicionados nos subúrbios da cidade para cercar os quartéis.

Junto à estação da viação férrea, com a cumplicidade dos seus funcionários, trataram de sabotar as locomotivas de modo a não serem utilizadas pelos inimigos. Prepararam a estação de São Domingos para receber e transmitir recados telegráficos e organizaram grupos que deveriam tomar, neutralizar e proteger o Banco do Brasil e demais repartições federais aqui sediadas.

Ainda na mesma noite do dia 3, Juvêncio Lemos recebeu telegrama de Getúlio Vargas dando conta de que Porto Alegre havia caído em poder dos revoltosos e que o país estava convulsionado mas com os revolucionários já à testa de diversas capitais.

De telegrama em punho o intendente foi ao encontro do comandante do exército nacional em Bagé, Cel. Meira de Vasconcellos, parlamentar para que este juntamente com seu estado maior aderisse à revolução.

O coronel Meira com educação recusou o convite alegando o juramento de obediência à constituição e a falta de ordens superiores. No entanto assegurou que se de fato ganhasse a revolução âmbito nacional, não oporia resistência, podendo a população de Bagé “ficar tranqüila, pois sua força não atiraria contra o povo salvo se fosse agredido!”

Na manhã do dia seguinte, 4 de outubro, o tenente Emílio Garrastazú Médici, revolucionário de primeira hora e de papel destacado nas articulações, apresentou-se ao intendente para informar que as forças federais em Bagé, em quase a sua totalidade convertera-se a causa revolucionária. O comandante Vasconcellos, o Ten. Cel. Alexandrino e o Capitão Pedro Costa se, consideraram presos e entregaram-se ao Cel. Juvêncio Lemos. Assumiu provisoriamente o comando do exército o Major Otaviano José da Silva.
Na tarde do mesmo dia, selando a adesão do exército, as forças nacionais fizeram um desfile pelas ruas da cidade, sendo vivamente ovacionados pela população. Somente não tomaram parte na passeata as forças civis arregimentadas na campanha do município por terem chegado à cidade, lamentavelmente, uma hora depois de finda a parada.

Estava encerrada a revolução em Bagé sem derramar uma gota de sangue. Conflito que teve o condão de unir em torno de uma mesma causa todas as correntes políticas dos gaúchos, principalmente os libertadores e republicanos, fato até então inédito no solo riograndense.


Sobre o autor: O Prof. Cláudio de Leão Lemieszek é natural de Porto Alegre, RS. Formou-se em Direito na Universidade da Região da Campanha (URCAMP), Bagé, RS, onde leciona a disciplina de Direito das Coisas na Faculdade de Direito. Foi Secretário de Educação e Cultura e Diretor do Arquivo Público Municipal de Bagé. É sócio fundador do Núcleo de Pesquisas Tarcísio Taborda, membro da Academia de Letras dos Municípios do Rio Grande do Sul e do Instituto Chileno/Brasileiro de Cultura de Concepción. Foi Patrono da IIIª Feira do Livro de Bagé e recebeu o título de Cidadão Bageense no ano de 2.000.

MEMÓRIA

Por Alfredo Rangel (Brasília, DF)

Uma velha casa não pode guardar

todas as vidas que por ela

passaram.

Ela tem de respirar o presente.

Ficam somente,

na alma de cada velha casa,

as memórias daqueles que,

dispersos,

deixaram nela suas vidas

e perderam nela suas

esperanças...

DEVANEIO

Por Alfredo Rangel (Brasília, DF)

Sentava-se ali ao sol,

mal este despontava

e deixava que o dia

escorresse por suas mãos,

por seus olhos,

por sua alma.

Parecia fazer parte da natureza

à sua volta.

Sua voz,

tal qual o silêncio,

ecoava mais do que

se gritasse.

Seu olhar,

fixo no passado,

já não brilhava mais.

A vida, como o vento,

estava já muito longe...

DE NOVO, OS VENDAVAIS...

Por Alfredo Rangel (Brasília, DF)

Não me atrevo a desafiar

os ventos.

Sou tão fraco diante deles.

Vendavais são

inconstantes, irracionais,

implacáveis...

Não importam as belezas de

tua alma.

Te arrastam até que

tuas fraquezas gritem.

E as minhas gritam tão alto!

Não me atrevo a desafiar

os ventos.

Prefiro o teu abrigo!

FLORES DE OITO DE MARÇO

Por Jorge Amâncio (Brasília, DF)

Flores para igualdade
rígida ao corrigir as leis
que atestam a violência
o silêncio mortal do medo
para a lembrança
da escravidão da servidão
dos caminhos para a libertação
dos cuidados das crianças
para as nações
da censura do massacre
da religião das humilhações
do silêncio da luta do lacre
do voto ao veto
do ventre a luz do dia a dia
pão nosso que está na mesa
carinho alimenta a realeza

Flores para a Mulher
que carrega consigo
os segredos do mundo
Olhai por nós.

Sobre o autor: Jorge Amâncio é professor, poeta, e membro titular da Academia de Letras do Brasil, Seccional Distrito Federal.

DIA INTERNACIONAL DA MULHER (08.março)

Por Vânia Moreira Diniz (Brasília, DF)

Apesar de querer batalhar cada vez mais pelos direitos que nossa classe sonha de forma profunda e verdadeira, acho que acima de tudo isso, como digo sempre, está o fascínio da mulher.
Parabéns às queridas confreiras da Academia de Letras do Brasil!

Quando nasci, fui recebida segundo eu soube com o carinho que se deve a uma mulher. Meu pai sonhava em ter uma filha do sexo feminino e torcia para a satisfação desse desejo. Isso foi o que me lembrei ao acordar hoje, recordando palavras do meu próprio pai, há muitos anos atrás. E fui crescendo com aquele senso, que a mulher era algo especial. Na minha família o era, mas aos poucos percebi o quanto a minha categoria poderia ser desrespeitada, quando via, lá fora, acontecimentos e fatos que me perturbavam.
Fui crescendo ao sabor dos contrastes. Na minha casa, embora tivesse conflitos com meu pai, ele jamais foi capaz de levantar a mão para mim, embora o fizesse com meus inúmeros irmãos.E vi muitas vezes meu avô falar, que o mundo só ganharia em progresso e estabilidade, quando uma mulher liderasse o universo.
Minha cabeça dava voltas ao perceber, quanto as mulheres ainda, apesar das evoluções e lutas que se processavam, sofriam com uma subserviência, velada, mas verdadeira, e que existia até nas atitudes menos objetivas, num mundo que parecia não querer acatar esse desenvolvimento. Nem mesmo as leis favoreciam a nossa classe, tão atrasada estavam e a sociedade, de certa forma, aprovava esse caminho.À medida, entretanto que eu crescia começava a sentir um movimento mais e mais vigoroso nesse progresso consciente, que a mulher empreendia. Éramos na verdade uma das categorias excluídas pela falta de verdadeiro horizonte, pelas limitações que eram impostas e preconceitos que machucavam.
Experimentava esse sentimento quando olhava o mundo exterior, que eu queria abraçar cedo e com veemência.E meus pais, embora evoluídos por uma educação que não conferia á mulher certos liames, mesmo assim queriam segurar aquele halo de liberdade intensa que eu almejava.
Não queria só compreensão, respeito, admiração, cultura e participação dentro do meu meio compreensivamente positivo. Almejava ir ao encontro de meus ideais, sonhos, talvez utópicos, mas que existiam em mim.Fortes e incontroláveis!
Com o passar do tempo fui encontrando razões para crer na supremacia ou pelo menos na igualdade que íamos adquirindo paulatinamente. Ainda garota, pude perceber, que era justamente o lado econômico e a luta pela sobrevivência que ensejariam reais oportunidades à mulher. Desde que nós soubéssemos recebê-las! Desde que com essa liberdade adquirida, conseguíssemos administrá-la e saber o que fazer dela.
Hoje tenho convicção, que é mais uma questão de tempo. A nossa classe já tomou conta de todo um mundo, e lidera em várias posições, que jamais os homens pensariam ceder-lhe. È claro que ainda existe preconceito, dúvidas, discriminações, inseguranças, maltratos, brutalidades e principalmente a fragilidade da mulher menos favorecida pela fortuna e pelos conhecimentos, e que ainda não está preparada para isso.
No dia Internacional da mulher, 08 de março, quero poder sentir cada vez mais que transformamos em realidade, os motivos pelos quais empreendemos batalhas, cujo estandarte era sempre conseguir tornar-nos fortes o suficiente. Lutando por um país justo e menos sofredor, e por uma população que consiga também usufruir esses momentos de vitória.
Sinto à minha volta, os fluidos de positividade e vigor que me acompanharam na infância, e nessa oportunidade, comemoro os dias que sobrevieram sempre com uma luz a indicar o caminho certo.
Apesar de querer batalhar cada vez mais pelos direitos que nossa classe sonha, de forma profunda e verdadeira, acho que acima de tudo isso, como digo sempre, está o fascínio da mulher. Um fascínio que ela não pode deixar morrer.Esse fascínio que faz parte de nossa individualidade, da alma e corpo em perfeita harmonia.
A maior e mais deslumbrante qualidade que deveria rondar qualquer mulher.Sem isso, não adiantará vitórias e conquistas porque estaremos abortando a mais vicejante potencialidade que possuímos. Só conservando-a teremos a força e a esperança nos combates empreendedores, que tornarão essa data mais esfuziante em sua justa comemoração.

Sore a autora: Vânia Moreira Diniz (Ph.I.) é presidenta da Academia de Letras do Brasil, Seccional Distrito Federal

terça-feira, 8 de março de 2011

CORPO

Por Pedro Du Bois (Itapema, SC)

 
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NA PONTE-DE-COMANDO DO MEU NAVIO

Por Von Steisloff

Cara, hoje pela tarde passei por uma experiência inusitada. Como dizem os miúdos, radical mesmo! Só podia acontecer comigo. Numa segunda feira de Carnaval, com muitas netas por metro quadrado, eu fui praticamente forçado a ficar na varanda. Não posso dizer que odeio Carnaval. Já fui de sair até naqueles blocos de sujo. Usava máscaras, aproximava-me de pessoas de minhas relações e perguntava, ridiculamente com voz de falsete:
- Você me conhece?
Que coisa mais sórdida digo hoje aos setenta anos. Mas deixa isso para lá. Hoje é Carnaval e vale tudo.
Voltemos à varanda. Se vocês se lembram, minha varanda é um lugar privilegiado: para o nascente, no décimo quarto andar, direto para a Esplanada dos Ministérios. Pode? Pode sim. Só não me peçam para explicar como cheguei nessa altura. Garanto que é coisa limpa. Nenhuma CPI me sacaneará. Sintetizando, o Collor me demitiu, tomou minha poupança, dezoito meses após fui na Caixa, recebi tudo de volta, mais FGTS e comprei da Encol (putzqui!) um flat novinho! Tá explicado?

Voltemos à varanda. Como disse, segunda-feira de Carnaval, chuva pela tarde comecei a tomar umas cervejinhas e tome chuva. Depois de diversas latinhas e, de estômago vazio, comecei a sentir um certo “mareio”; a chuva respingava no meu rosto, trazida pelo forte vento. Para espanto de quem me observava, me socorri de um agasalho para não deixar a minha varanda. Agasalho para mim é coisa supérflua. Nunca uso. Dos que já comprei, quase todos mofaram nas gavetas e foram depois dados aos pobres. Minha mulher é testemunha, a (o certo é há) muito tempo recuso agasalho. Recuso também esse negócio do verbo haver. Há? Por que tem que ter o “agá”? Pô! Mas deixa para lá, voltemos à varanda.

Os respingos de chuva, associados ao forte vento da Esplanada e o “mareio” me transportaram a um tempo que, menino, freqüentava as viagens por mar. Meio sonolento - ou de porre mesmo - imaginei estar da ponte-de-comando de um navio. O vento continuava a bater forte, os respingos de chuva como saraivadas me levaram àquela imaginação de poder. Eu estava no comando de um navio! Gritava para que o timoneiro, sob meu comando, mantivesse o rumo. Sempre para Leste! Não desviar! Direto para a Esplanada. O vento continuava forte e mais fortes eram minhas ordens determinando: Sempre para estibordo! Vamos abordar capitão? Não seu palerma! Abordar quem? Eu lá quero saber de nenhuma abordagem? Quero botar pra lascar! Eu estava ‘Antarcticamente’ furioso. Ora! Abordar numa segunda-feira de Carnaval! Sempre desprezei cada um dos edifícios da Esplanada ou da praça contígua.

Niemeyer que me perdoe, mas ele projetou todos esse ninhos de parasitas bem no meu rumo. Na minha proa. Eu só tinha duas alternativas. Uma, que era insistentemente lembrada pelo temeroso timoneiro - abordar - e a outra, que era minha única chance de glória como capitão-de-varanda: atropelar. Na linguagem náutica significa bater de lado ou abalroar. Esta é que eu queria.

Voltemos às minhas cervejas. Não são bem minhas. São da Antárctica. Sendo um medíocre consumidor não posso ter na minha ponte-de-comando as Guinnes ou as holandesas Heineken.

Minha esposa quando em vez assustada, e de vez em quando, olhava para se certificar que eu estava bem protegido da chuva. Eu já estava metido em um boné de pano que tinha trazido lá de Balneário Camboriú. Uma coisica assim bem de alemão. Por cima de tudo, aconselhou-me a cuidadosa primeira-dama-de-varanda que calçasse também as meias. Que vergonha!

Mesmo sem muita visão na ponte-de-comando mirei a Catedral Metropolitana e ordenei:’Desviar!’ Não desejava arrebentar minha estrutura contra aquelas pontinhas insignificantes. Elas um dia vão cair por si - justifiquei para o grumete à guisa de timoneiro. Aliás, sempre respeitei coisas do folclore. Rumo mais para Leste. A torrente de água no meu décimo quarto andar impedia que eu divisasse o que vinha naquele mesmo rumo. ‘Cuidado!’ - gritei com voz rouca e bem máscula –‘ Desviar para não bater no Itamaraty!’ Nunca convém abalroar esse povo. Eles podem confundir com abordagem a subir em nossos costados. Na minha ponte não!

A proa oscilava na vertical, para o fundo e para o céu. Eu, nas minhas Antárcticas, conseguia abstrair o estacionamento asfaltado sob a varanda imaginando o mar bravio. Na minha poltrona (de plástico), apesar da espessa cortina de chuva, continuei mirando no horizonte outros alvos prováveis.

Ao desviar do Palácio do Itamaraty, apenas um grau a bússola na varanda indicou o SupremoTribunal! ‘Cuidado não vamos matar os velhos! Eles não agüentam nenhum impacto com nossa proa justiceira. Estão muito podres! O tempo cuida de mandar tudo para o fundo!’ O grumete - em um rasgo de ousadia - grita: “Comandante, afinal quem é que o senhor quer mandar para o vinagre?” Eu, cada vez mais ensandecido pelo teor pilsen, olho com desdém e piedade para o asno-aprendiz-de-timoneiro e não dou-lhe qualquer resposta. Ao contrário, desta vez berro no meu imaginário megafone naval: ‘Só um grauzinho para Leste!’

- Pô capitão - ousa novamente o grumete - Aí é o Congresso!
- Não, seu incompetente - corrijo - Esse conjunto é o Tribunal de Contas!
- Ah! Agora entendi - concordou minha besta-cooperante - Foi só um grauzinho comandante, não dá para chegar no Congresso.

Cuidando para não adernar, ordeno desviar do Tribunal de Contas. Esse dinossauro tecnológico tem de ser preservado para o futuro. Ali tem muito arquivo. Não pode ser levado ao fundo.

- Agora sim - olho para a bússola - Chegamos onde quero bater de frente!
- Aterrisa chefe - murmura a sapiência-ao-leme - Aí não pode, é a Praça dos Três Poderes.
- Sua ostra - não agüento e dito do alto da proa - Toda força das máquinas à frente!
- Chefia - coaxou o sapo-timoneiro - Qual palácio vamos bater primeiro?

Aí estava minha dúvida cruel. Qual palácio primeiro? Na realidade eu só tinha um navio e uma só proa para destroçar. Tomo de minha luneta telescópica e olho para o Palácio do Planalto. Muito concreto armado; minha varanda-proa viraria maionese. Teria muito efeito, mas quem eu buscava não estava lá. Lembrei que era uma segunda-feira de Carnaval.

Não podia mais perder tempo. Já estava escuro e tinha de realizar a proeza de minha heróica história naval. Já bastante obnubilado tanto pelo balanço do navio como pelo ambiente Antárctico, necessitava agora conferir minha posição para abalroar, pelo menos, um símbolo. O último que restava para mim estava na Praça dos Três Poderes.
Mesmo com a chuva, ainda se podia ver umas estrelas insistentes.

- Timoneiro! Timoneiro! - peço a informação crucial - Determinar nossa atual posição!
- Está aqui capitão - me passando o astrolábio - Não sei ainda usar! - completa com ar humilde e idiota.
- Então passe já o sextante, seu meio-grumete!

Depois de realizar, com dificuldade, algumas miradas para o céu, localizo o desejado par de estrelas: posição determinada, distâncias medidas, latitude e longitude nos estrinques mando a ordem:

- Toda força à frente! - com a voz já empastada de cerveja completo - Muito gás nessa p... de navio! Quero ver tudo virar geleia!

Minha proa vai feroz, cortando fundo as imundas águas da Praça dos Três Poderes.
Minha visão se turva e, quase cego de raiva ou por causa da alta concentração de álcool, me tomo de inveja da tripulação das torres gêmeas do Congresso.

Na velocidade do avanço para o choque terrível ainda consigo divisar, através de janelas iluminadas, algumas pessoas que pareciam confraternizar intimidades nessa noite de segunda-feira de Carnaval! Na realidade eram casais - entre deputados, senadores e servidoras dedicadas - que faziam hora-extra...

Uma salvadora rajada de água fria me trouxe à realidade e gritei para o meu ajudante:
- Toda força à ré!
- Que é isso, chefia! - ousa novamente o lesma-timoneiro - Bate ou não bate?
- Todas forças das hélices para ré, seu bosta!

Volto à minha razão: eu não podia chocar contra o nosso Congresso. Aliás, quem me acordou para o momento e a situação foi minha fiel guarda-mor, a citada primeira-dama da ponte-de-comando. Lembrou-me que eu não devia ser recordado como o Osama Bin Laden do Planalto. Deveria, isso sim, ser sempre recordado, com carinho, como o capitão Von Steisloff, o único que navegou nas turvas e perigosas águas da Praça dos Três Poderes.

Brasília,11/02/2002


(Publicado na Revista Cerrado Cultural nº 05, em 2008)

LEMBRANÇAS DA CASA DO VOVÔ

Por Cassiane Schmidt

Dos tempos idos, recordo saudosa da casa do vovô Aluisio e da vovó Júlia. Na casa dos meus avós paternos repousam parte da minha história, registros de minha infância. A casa do vovô localiza-se nas paragens de Rio do Campo, como o próprio nome sugere, é uma cidadezinha com muitos rios e campos. E foi lá nos verdes campos de Rio do Campo que vivi momentos de intensa alegria, intensa liberdade! A infância por si só já traduz vida em liberdade, amor em realidade.
Lembro-me, sem esforço algum, de cada curva de pasto da morada do vovô, lembro-me ainda, da profundidade das lagoas turvas, nas quais eu sempre mergulhava em aventura proibida.
A riqueza de detalhes que guardo, misturam-se a saudade, então os reescrevo para me transportar novamente aquele lugar, a escrita proporciona isso.
Os detalhes nas porteiras, os currais onde via vovó com suas mãos finas tirar leite das vacas, a caça as galinhas, esquecer por vezes a porteira aberta para ver o gado fugir, as aventuras secretas no precipício da cachoeira, hoje sei que crianças têm a permanente proteção de anjos.... Os dedinhos da vovó apertando de leve minhas orelhas, tais lembranças pulam dos meus dedos, massageiam os teclados, como criança peralta querendo brincar, arranhar as lembranças é voltar a sonhar, é pegar o trem rumo a nascente cristalina de onde brota a história de cada um de nós.
O vovô Aluisio costumava sentar-se num velho caixão de lenha, onde calmamente preparava seu cigarro palheiro, lembro-me que passava a palha do cigarro sobre os lábios finos e ajeitava cuidadosamente o fumo entre as palhas, enquanto vovó preparava na cozinha o jantar. Os olhos do vovô eram azuis celestes, suas mãos eram finas, iguais a da vovó, seus dedos calejados do trabalho na roça, seus cabelos brancos da cor de neve, era magro e alto, o vovô era um homem elegante, parecia também, ser feliz.
Eu e minha irmã Juliana ficávamos as voltas do vovô, ele contava estórias de terror, de fantasmas e luzes vermelhas que cortavam os pastos em noite alta. Morríamos de medo, mas sempre queríamos ouvir mais, vovô Aluisio, hoje sei, era um exímio contador de histórias. Além das escabrosas estórias de terror, havia também uma canção em alemão que ele cantarolava para nós, contudo a letra fugiu-me a memória, guardo apenas a melodia.
Vez por outra a vovó Júlia ralhava com ele, penso que ela não queria que ele nos assustasse com suas estórias, temendo a noite que não dormíssemos.
Alguns detalhes da casa do vovô e da vovó permanecem vivos minha memória, algumas mobílias, a velha tevê, a varandinha cheia de folhagens, o cachorrinho de pano, o sofá da sala, o quarto deles com duas camas, a caixinha de grampos dourados da vovó, o cheiro do talco que ela usava.
A sopa da vovó era pintada de verde, de cebolinha, tão saborosa aquecia-nos a alma, ainda hoje não digeri a lembrança deste tempo. Vovó ainda preparava um capilé de groselha, era tão doce, tão doce, que adoçava até a alma.
Nas noites escuras do campo, vinha uma batucada das lagoas, sempre me diziam tratar-se de sapos-boi. Ah, esses tais de sapos-boi povoavam minha imaginação, ficava na cama imaginado que os bois, durante a noite, transformavam-se em sapos, e todos na lagoa tocavam tambor para os peixes dançar.
Nos prados amanhecidos do Rio do Campo, desenhei histórias e aventuras, rabisquei no chão livre de outrora meus sonhos, meu retrato. Mal sabia que ensaiava a despedida do melhor tempo da minha vida, estamos sempre ensaiando uma despedida, a vida é isso, chegada e partida. Queria ter hoje em minhas mãos, uma resenha do olhar azul do vovô, um áudio daquela velha canção cantarolada em meu coração, mas não os tenho, nem avôs, nem infância, nem o calor da brasa quente queimando no fogão a lenha.
O velho fogão a lenha aquecia as manhãs e as noites invernais, da chaminé, naqueles tempos, espraiavam-se as nossas vidas, a fumaça era bailarina dançando nos céus a despedida, não nos dávamos conta disso, mas assim o foi, se foi, cada um deles, cada um de nós.
Nada há nada que iguale aqueles velhos tempos, nada há que a vida adulta trouxe que compita com as aventuras e amores vividos em minha infância.
Meu coração pulando em meu peito batuca minha canção, ensaiando novamente, a despedida, cada pulsar lembra-me a menina dentro de mim pulando, querendo sair, voltar a brincar. Um dia essa menina incontida pulará tão alto em meu peito e fugirá pelo brilho adormecido do meu olhar, voltarei aos velhos tempos. O primeiro a partir foi o vovô, quando o vi no leito, com sua face coberta com paninho de renda, não senti tristeza, algo em mim não se despedia, sábio o coração de criança. Enquanto meu avô era velado na sala, eu brincava nos pastos, corria nos verdes pardos da esperança, sepultando meu velho com alegria. Senti falta do vovô tempos depois, quando via velho caixão de lenha onde ele costumava sentar, quando queria lembrar a letra da musica em alemão, e não havia mais vovô para lembrar-me a canção.
Depois da morte do vovô, a vovó foi ficando amarela, sua cama, suas roupas, onde ela tocava ficava amarelo, foi adoecendo.
Eu acreditava que ela estava ficando amarela de saudade do vovô, acho que foi mesmo, quinze dias depois a vovó se despede de nós.
Sempre pensei que quando sentisse muita saudade de alguém ficaria amarela, como vovó Júlia, hoje eu sei que saudade não tem cor, que bois não se transformam em sapos, e que lembranças não morrem, jamais são sepultadas no coração que ousa sonhar!
No lugar do vovô e da vovó ficou tia Alzira, velando as lembranças daquele lugar, semeando esperança no seu cativo olhar, cedendo espaço para muitas aventuras que por lá realizei, mas esta é uma outra história.

Sobre a autora:

Cassiane Schmidt, nascida em 16 de março de 1982, é natural de Trombudo Central, SC. Reside em Gaspar,SC, desde novembro de 2002. Filha de Rumildo e Albertina Maria Schmidt. Casada com Adolfo Ademar da Silva Schmidt. Atuou na área da educação especial com crianças durante dois anos (2000 a 2001). Formada em Pedagogia pela Uniasselvi - Universidade para o Desenvolvimento do Alto Vale do Itajaí. Pós-graduada em Gestão Escolar pelo ICPG – Instituto Catarinense de Pós Graduação. Atualmente é acadêmica do curso de Letras da Uniasselvi. Trabalhou na área da Educação (Ensino Médio) como professora de Geografia durante um ano (2002). Trabalha à frente da Empresa Eletro-Técnica Onda Positiva desde janeiro de 2003, onde exerce a função de Gerente Administrativa. A paixão pelos livros floresceu desde pequena, pois recebia incentivo direto de sua mãe para a leitura, tendo acesso aos clássicos da literatura infantil. Como filha de professora, os livros além de se constituírem em parte decorativa da casa, sempre estavam à vista para saboreá-los.
Surge deste contexto o encontro marcado e sagrado com as Letras.
Cassiane Schmidt mantém o excelente blog: http://cassianeschmidt.blogspot.com (Encanto das Letras).


(Publicado na Revista Cerrado Cultural nº 05, em 2008)

ILEX PARAGUARIENSIS, UMA ERVA MUITO AMARGA

Por Sergio Moacir Pereira Fontana

Gigante pela própria natureza, o Brasil é uma mistura saudável de costumes, raças e religiões, distribuídos não aleatoriamente por todo o seu território. A colonização por parte dos portugueses e sua gradativa integração com a população indígena, as tentativas de domínio por parte de outras nações estrangeiras, o tráfico de escravos e a entrada de imigrantes oriundos de várias partes do mundo, contribuíram para fazer do país, cuja língua oficial é o português, um lugar onde se fala, ou se ouve falar, o espanhol, o italiano, o francês, o alemão, o inglês, o russo, o japonês, o turco, o árabe, o hebreu, e idiomas e dialetos nativos, dentre os quais o mais conhecido é o tupi-guarani. Por conta disso, ao português coloquial, de distintos sotaques e entonações em cada região do país, incorporaram-se, ao longo do tempo, palavras de origem indígena, africana e de outros países europeus e asiáticos.
Quanto aos costumes da população, em geral, a história, o folclore e o próprio clima de cada região contribuem para acentuar ou diminuir as diferenças entre os vinte-e-seis estados e um distrito federal, que correspondem à divisão administrativa do país.
As diferenças que fascinam os próprios brasileiros, os quais se vestem de turistas e saem para conhecer regiões bem distintas da sua, transformam um passeio mais longo em novas emoções que vão render depois, interessantes narrativas aos amigos e familiares que ficaram em casa. Por outro lado, essas mesmas diferenças podem causar transtornos e mal-entendidos a um desavisado turista ou migrante. Foi o que aconteceu com o meu amigo José Antônio, gaúcho, de Sant’ana do Livramento, fronteira com o Uruguai.
Desde guri, José Antônio freqüentava o CTG (Centro de Tradições Gaúchas) “Fronteira Aberta”, em Livramento, hábito que herdou do pai, proprietário da fazenda “Pampa Oriental”. Não dispensava um bom churrasco de carne de rês e sempre andava com a mateira de couro cru, à tiracolo, onde acomodava a garrafa térmica com água quente, a cuia, a bomba e o pacote de erva. No curso de Veterinária da Fundação Átila Taborda, em Bagé, no estado do Rio Grande do Sul, uns anos mais tarde, ficou conhecido como o “Zé do Mate” porque não largava a cuia do mate nem na hora das provas escritas. Dizia que o chimarrão com erva boa e água na temperatura certa, acalmava os nervos.
Formou-se Médico Veterinário, fez um estágio na EMATER (Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural) de Bagé, onde prestou serviços a dezesseis municípios da região e, um ano depois, fez concurso para a mesma EMATER, só que as três vagas existentes eram para o estado do Pará, na região norte do Brasil. Não acreditou quando recebeu um telegrama da cidade de Belém do Pará, avisando-lhe que tinha sido aprovado em segundo lugar. Imaginou se valeria a pena deslocar-se do seu chão, da sua querência amada, para trabalhar em um lugar tão distante, mais ou menos três mil e quinhentos quilômetros, em linha reta, ou mais de cinco mil, dependendo do trajeto. Resolveu ir.
Zé do Mate fez os cálculos e imaginou que se ficasse por lá durante uns seis meses, sem voltar ao sul, precisaria levar uns cinqüenta quilos de erva. Era muito peso e volume para carregar de uma vez só. Contentou-se em juntar vinte pacotes de um quilo, cada. Era o que cabia na mala que comprou especialmente para carregar o produto.
A mudança de cidade, de região, de emprego e de hábitos não afetou o meu amigo Zé, como eu imaginei que aconteceria. Ele me escreveu um mês depois de assumir o cargo em Belém. Na carta dizia que tinha alugado e mobiliado uma casa simples, num bairro distante do centro, mas próximo do seu local de trabalho, cuja jornada era feita em turno único de seis horas diárias, de segunda à sexta-feira, das sete às treze horas. Quando não se estendia por mais tempo pesquisando no laboratório da Instituição, almoçava no bar e restaurante do Medronha, que coincidentemente era gaúcho, de São Borja. O bar ficava na esquina da sua casa e não foi difícil, para o meu amigo Zé, fazer amizade com a vizinhança toda. Nas horas de folga ia direto para o bar do Medronha, com os seus apetrechos de chimarrão. E dê-lhe mate! Convidava quem mais por ali estivesse a experimentar a tradicional [para os da sua terra] bebida. Quem aceitava o convite e chupava o mate conforme ele orientava, logo desistia, por causa do sabor amargo da tal “água verde”, que além de verde era quente demais. Mas o Zé do Mate não cansava de repetir, para todo o mundo ouvir, que o chimarrão era a cura de todos os males do corpo e da alma. Resolveu até deixar uns pacotes do produto para o amigo Medronha, com a intenção de incentivá-lo a readquirir o hábito de sorver o chimarrão, coisa que há muitos anos o amigo não fazia.
Uns dias depois, o Medronha, meio sem jeito, perguntou-lhe se teria como conseguir mais alguns pacotes de erva-mate. José Antônio, admirado com a solicitação, respondeu que o seu estoque estava no fim, mas como os trinta quilos de erva que encomendara da sua terra natal, Sant’ana do Livramento, já estavam na agência do correio do bairro, à sua espera, resolveu dar ao amigo os últimos quatro pacotes que dispunha.
No dia seguinte, quando retornava do trabalho e se encaminhava para almoçar no local de sempre, encontrou o bar e restaurante do Medronha, fechado. Estranhou o fato e tratou de perguntar à vizinhança o que poderia ter ocorrido. Ninguém sabia do Medronha. Fechou o restaurante na noite anterior, foi para casa e ninguém mais o viu.
Quatorze dias depois o Presidente da EMATER do Estado do Pará, baseado na reportagem de capa de um jornal da capital, assinou a exoneração, por justa causa, do Médico-Veterinário José Antônio Massaro Escobar. O título da matéria dizia: “Traficante preso, denuncia chefe, e polícia apreende 30 quilos de droga na casa do bandido”.
Desfeito o mal-entendido quinze semanas mais tarde, um abatido José Antônio - barbudo e oito quilos mais magro - saiu do presídio de segurança máxima de Belém. O pai, “seu” Hermes, o aguardava no portão. Foram direto para o Aeroporto Internacional de Belém, embarcaram no vôo do meio-dia para Brasília e, de lá, para Porto Alegre, no Rio Grande do Sul.
Fui visitar o Zé Antônio em Sant’ana do Livramento, no natal de 1986. Ele me contou esta história. Não fez, não tomou e não me ofereceu nenhum chimarrão durante os três dias em que estivemos na “Pampa Oriental”, a fazenda do pai dele, onde trabalha até hoje.

(Publicado originalmente na Revista Cerrado Cultural nº 05, em 2008)

quarta-feira, 2 de março de 2011

COTIDIANO

Por Luiz Otávio Oliani

há vísceras
em todos os lugares

quem se indigna
diante de quem sangra?

BOEMIA

Por Luiz Otávio Oliani

hoje a lua é verso
de loucos, de putas
e de poetas

hoje a lua é verso
prazer bêbado
regaço

LABUTA

Por Luiz Otávio Oliani

A João de Abreu Borges

em sua própria vida
o homem finca raízes

atravessa árvores
mata fungos

sem olhar para trás
e perceber: os frutos

não mera consequência

PARTILHA

Por Luiz Otávio Oliani

a mão estendida
abençoa o trigo

à procura do ponto
ágeis dedos
manipulam a massa
do mundo

mas a vida só faz sentido
quando se reparte o pão

DESCOBERTA

Por Luiz Otávio Oliani

nada detém a vida

esvai-se o tempo
o tempo em mim

caramujo do imo
guardo porta-retratos

aqueço a memória:
a infância me foi roubada

HERANÇA

Por Luiz Otávio Oliani

não deixo bens
aos que ficam

de mim
restará a palavra
(antes cinzel)
agora verso
a burilar os homens

TERRITÓRIO

Por Luiz Otávio Oliani

“O que não sei fazer desmancho em frases”
Manoel de Barros


brota em mim o verbo
com suas pessoas

desconjugá-las não posso

em mim
a palavra
se faz morada

RESGATE

Por Luiz Otávio Oliani

como posso resgatar
o que não existe em mim?
ao beijar a solidão
eu me dispo por inteiro
da escória que é o homem
na inútil tentativa
de ser Deus por um minuto


Sobre o autor: Luiz Otávio Oliani cursou Letras e Direito. Consta em mais de 45 antologias de literatura e em mais 300 publicações entre jornais, revistas e alternativos. Recebeu mais de 50 prêmios. Participa intensamente de eventos literários, jornais, revistas do País e do exterior. Publicou dois livros pela Editora da Palavra: "Fora de órbita", 2007; recomendado pelo Jornal de Letras, em outubro de 2007 e citado com destaque no texto “O ano literário de 2007”, por André Seffrin, na Revista Literária da Academia Brasileira de Letras nº 56 e "Espiral", 2009; citado como destaque em “O ano literário de 2009, o segundo semestre” publicado Revista Literária da Academia Brasileira de Letras nº 62 e na Revista dEsEnrEdoS. Tem poemas traduzidos para o inglês, francês, italiano e espanhol na Revista Ponto Doc número 7, edição de 2009.

terça-feira, 1 de março de 2011

PASSEAR

Por Pedro Du Bois (Itapema, SC)

 
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VOZES

Por Pedro Du Bois (Itapema, SC)

 
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"CAPITAL DA ESPERANÇA"

Por Antonio Francisco de Paula (Brasília, DF)


Brasília querida Brasília
rainha de todas as cidades
que já nasceste majestade
num corpaço de avião
encravada no cerrado
és a mãe dos desgarrados
dos quatros cantos da nação

Retovada de segredos
de lendas e profecias
brotaste da valentia
de um taura genuino
um destemido mineiro
o ilustre brasileiro
presidente Jucelino

Coroada de belezas
de moderna arquitetura
berço da magistratura
de poder e decissão
conhecida no mundo inteiro
orgulho dos brasileiros
que vivem sobre este chão

Tombada pela Unesco
patrimônio da humanidade
brasília jovem cidade
nossa bela capital
de avenidas sem esquinas
serás a eterna menina
no mais alto pedestal

nos teus campos arredores
que Dom Bosco padre italiano
em sonhos viu jorrando
fartura de leite e mel
já é fato consumado
só se vê lavoura e gado
por de baixo do teu céu

graças a garra e a coragem
dos imigrantes desbravadores
pecuaristas, agricultores
aventureiros de sul a norte
que chegaram sem escarceu
de lenço bota e chapéu
galopando atrás da sorte

bendita terra candanga
gloriosa cheia de graça
mescla de todas as raças
de mistérios e magia
fonte de hospitalidade
igualdade, fraternidade
amor e democracia

no embretar destes versos
que fiz para ti capital
rogo ao patrão celestial
e ao amado mestre Jesus
que te livre da fome e da guerra
ilumine o brasil nassa terra
com raios divinos de luz.

(Publicado na Revista Cerrado Cultural nº 04, no ano de 2008)

CORDEL PARA FERNANDO PESSOA

Por Gustavo Dourado (Brasília, DF)

(Homenagem de Gustavo Dourado ao mestre da heteronímia e navegante da Mensagem)

Pessoa enigmático:
No dia 13 nasceu...
Lisboa, mês de junho:
Sua mãe o concebeu...
Ano 1888:
O fato assim se deu...

Pessoa heteronímico:
Em Lisboa renasceu...
Ano 1888:
O fato assim sucedeu...
Fernando Antônio Nogueira Pessoa:
Germinou e floresceu...

Fernando Pessoa é:
Poeta-mor de Portugal...
A 13 de julho fluiu:
É poeta magistral...
Poeta que frui magia:
Vate quintessencial...

Na terra dos navegantes:
Registrou-se o surgimento...
De um dos maiores poetas:
Que se tem conhecimento...
O grande Fernando Pessoa:
Vanguarda do pensamento...

Na Igreja dos Mártires:
Foi Fernando, batizado...
No dia 21 de julho:
O vate foi consagrado...
Dentro do Cristianismo:
Logo foi Iniciado...

Joaquim e Maria Magdalena:
Foram os seus genitores...
Fernando ainda menino:
Padeceu algumas dores...
Aos cinco anos de idade:
Conheceu os dissabores...

Joaquim Seabra Pessoa:
Era o nome do seu pai...
Ano 1893:
O genitor se esvai...
Foi visitar outras plagas:
Chega o dia a alma vai...
Fernando Pessoa, infante:
Perde o seu pai Joaquim...
A tristeza o atormenta:
Parece que é o fim...
O Chevalier de Pás:
Heteronímia, enfim...

Foi-se o pai de Pessoa:
E deixou muita saudade...
O poeta bem criança:
Deus asas à liberdade...
O Chevalier de Pás:
A sua alma invade...

A mãe Maria Magdalena:
Contrai novo casamento...
Une-se a João Miguel Rosa:
Renova o sentimento...
Vai residir em Durban:
É a vida em movimento...

Ao sete anos Pessoa:
O Atlântico navegou...
Vai para a África do Sul:
Um novo tempo começou...
Contato com a língua inglesa:

O poeta se transfigurou...

Depois da morte de Joaquim:
A mãe casou novamente...
Durban na África do Sul:
O poeta segue em frente...
Estudos e poesia:
Literatura na mente...

Ano 1895:
Flui o poeta ligeiro...
Para a sua amada mãe:
Faz o seu verso primeiro...
A poesia jorra nalma:
De um poeta verdadeiro...

Era 26 de julho:
Poeta na dianteira...
A poesia de Pessoa:
Tranbordou-se por inteira...
Ofereceu a sua mãe:
Dona Maria Nogueira...

"À minha querida mamã":
É sua poesia primeira...
Escrita em forma de quadra:
Inspiração verdadeira...
Pessoa tornou-se vate:
Deu início à carreira...

Convento de West Street:
E depois na High School...
A Universidade do Cabo:
Numinoso como um sol...
Prêmio Rainha Vitória:
Uma conquista de escol...

Cursa o Secundário:
Desperta o escritor...
Na Universidade do Cabo:
Desvela novo pendor...
Tem poesia na alma:
Essência de criador...

Por muitos influenciado:
Camões, Shakespeare e Byron...
Baudelaire, Homero, Keats:
Mallarmé, Goethe e Milton...
Dante, Shelley, Poe e Pope:
Cesário Verde e Tennyson...

Poetas de língua inglesa:
Pessoa bastante leu...
Poe, MIlton, Byron, Shelley:
Pesquisou, leu e releu...
Retornou a Portugal:
Um novo homem nasceu...

No Curso Superior de Letras:
Pessoa é matriculado...
Por pouco tempo estuda:
Na carreira de letrado...
Deixou o curso no começo:
Tendo-o abandonado...

Disseca os bons sermões:
Do Padre Antônio Vieira...
Jesuíta erudito:
Sapiência brasileira...
Que viveu na Boa Terra:
Quase a sua vida inteira...

Depois de estudar Vieira:
Cesário Verde buscou...
Adentrou em sua obra:
Muito leu e pesquisou...
Foi grande a influência:
Que Cesário lhe passou...

Tradutor de cartas comerciais:
Dáva-lhe vital sustento...
Em cafés, na boemia:
Extravasava o talento...
No Brasileira do Chiado:
Revelava o pensamento...

Ano 1912:
Mário de Sá-Carneiro...
Conhecimento, amizade:
Criação o dia inteiro...
Elo da Literatura:
Luminoso candeeiro...

Grande amizade com Mário:
Diálogo e poesia...
Revista Orpheu e luzes:
Transcendência e magia...
Mário, Almada e Luís:
Além da Ontologia...

Revista Orpheu, um marco:
Modernismo em Portugal....
Crítica e admiração:
No ambiente cultural...
Antinous and 35 Sonnets:
Em inglês bem literal...

Anos de obscuridade:
Ocultismo e magia...
Revistas, poemas, ensaios:
Estudos de astrologia...
Cabala, esoterismo:
Quintessência dalchemia...

O Guardador de Rebanhos:
Versos de Alberto Caeiro...
Álvaro de Campos criou:
Um universo inteiro...
Ricardo Reis na poesia:
Foi farol e candeeiro...

Cria Bernardo Soares,
O Livro do Desassossego...
Pessoa sempre desperto:
Poesia...o seu emprego
Criou vários heterônimos:
O verso era seu apego...

Caeiro sem misticismo:
Tinha lógica, coerência...
De expressão natural:
Simplicidade na essência...
Um poeta camponês:
Em busca da consciência...


Ricardo Reis erudito:
Era semi-helenista...
Valores tradicionais:
Jesuíta, latinista...
Do Porto para o Brasil:
Médico... Mitologista...

Álvaro de Campos de Tavira:
Foi poeta simbolista...
Estudou engenharia:
Fez poética futurista...
Viviu a desilusão:
Amargura, pessimista...

Pessoa no Cancioneiro:
Auto psico grafia...
Métrica, Rima, Lírica:
Fluente simbologia...
Mensagem do pensamento:
Sentimento da poesia...

A mensagem de Pessoa:
Saudade e Messianismo...
A missão de Portugal:
Poesia e misticismo...
TerraMar e Quinto Império:
Língua...Sebastianismo...
Ano 1934:
Surge o livro Mensagem...
Com dinheiro emprestado:
Sobrevivia à margem...
Prêmio Antero de Quental:
Revelou-se a linguagem...

Mensagem em português:
Flui sebastianismo...
Epopéia portuguesa:
Místico nacionalismo...
Mar português: Brasão
Encoberto messianismo...

Mistérios em sua obra:
In.coerência...Ilusão...
Sonhos e passividade...
Dúvida e hesitação...
Temor do Dês.conhecido:
A busca da trans.mutação...

Ano 1935:
A morte o arrebatou...
Cirrose hepática letal:
O poeta nos deixou...
Foi-se para o além-mundo:
Bela Mensagem ficou...
Fernando Pessoa não teve:
Em vida o reconhecimento...
Nos trouxe a modernidade:
E a luz do pensamento...
Dois livros publicados, vivo:
Pouco, para o seu talento...

O sistema é tirano:
Não gosta de poesia...
Ultraja, mata, oprime:
Reprime a rebeldia:
Só quer saber de dinheiro:
De lucro e de mais valia...

Fernando Pessoa, múltiplo:
Poeta da heteronímia...
Plural personalidade:
Metafórica metonímia...
Muitos nele habitava:
Para além da pantonímia...

Alberto Ricardo Álvaro Bernardo:
Fernando Antônio conhecido...
Pessoa poeta do Ser:
É bom tê-lo sempre lido...
"Saudação a Walt Whitman":
Na arca do desconhecido...
Ode de Coelho Pacheco
"Para Além Doutro Oceano",
Antônio Mora, pagão:
Malouco...Um tanto insano...
No manicômio de Cascais:
Um delírio sobrehumano...

Pluralidade em Pessoa:
Mágica diversidade...
Paganismo... Astrologia:
Panacéia... Novidade...
Poiesis... Cosmologia:
Ás da multiplicidade...

Até um Barão de Teive:
Há na obra pessoana...
Mitos e cosmovisão:
Sob a máscara humana...
Signos da natureza:
Imaginação... Persona...

Objeto psicanalítico:
Metafísica... Quintessência...
Antíteses e Alchemia:
Graal da clarividência:
Onipresença do Ser:
Luzes da onisciência...
Fingir... Teatralizar:
Dramatizar a poesia...
Inexistir... Encadear:
A verve da fantasia...
"Bicarbonato de Soda:
Ecos da philosofia...

Atlântico... Tejo... Portugal:
Mar revolto... Calmaria...
Para além do Bojador:
Navega-a-dor da poesia...
Pessoa transborda o verso:
Autopsicografia...

Pessoa eternizou-se:
É patrimônio mundial...
Poesia de infinitude
Luminar de Portugal...
Navegador do Ser:
Poetás universal...

(Publicado na Revista Cerrado Cultural nº 04, no ano de 2008).