domingo, 1 de maio de 2022

O LAGO SUBMERSO (LAGO DE BRAZLÂNDIA)

Por Renato Trindade (Brasília, DF)

  

O lago noturno

É negro e lindo,

Com luzes imergindo

No submerso soturno,

Faz reluzir, em

Mistério do manto

Banhado na noite,

O reflexo etéreo.

 

(Poema classificado e publicado na Coletânea Poética Nova Poesia 2019, Concurso Nacional Novos Escritores – CNNE)

UM DOIDIVANAS INCORRIGÍVEL


Por Humberto Pinho da Silva (Porto, Portugal)

 

Todos reconhecem Camilo Castelo Branco, como escritor talentoso. Admiram-lhe a riqueza do vocabulário e a vernaculidade da prosa.

Pensam, contudo, os menos versados em literatura, que realizou aturados estudos para obter a invulgar cultura, que possuía, ou que frequentou curso de Letras.

Encontram-se redondamente enganados, os que assim pensam. Foi péssimo aluno, não por ausência de capacidade intelectual, mas porque era cábula e incorrigível boémio.

Na adolescência teve dois sacerdotes como professores: o Padre António de Azevedo, cunhado da sua irmã Carolina, e o Padre Manuel da Lixa, mestre de latim e famoso pregador.

Mas o proveito desse ensino foi diminuto, porque frequentemente fugia de casa, e pouco estudava. Ausentava-se para os montes, vagabundeava, errando pelos caminhos ou permanecia sentado no espigão de uma fraga, mirando e meditando na paz e placidez poética das serras, que se desenrolavam, ondeando, umas após outras.

Por fim a família assentou enviá-lo para o Porto, para prosseguir os estudos.

Veio a cavalo (macho?) de Vilarinho de Samardã, com 18 anos, em 1843. Deixou, na aldeia, a mulher, com quem casara com 16 anos, e o grande amor, por quem estava, na ocasião, apaixonado, a Maria do Adro.

Na cidade do Porto prestou provas no Liceu Nacional, a 12/13 de outubro.

Matriculou-se, de seguida, na Escola médica, no 1º Ano de Anatomia; pouco depois começou a frequentar a Academia Politécnica, a cadeira de Química.

Como estroina, que era, não estudava, nem compêndios comprava! Era seu professor, o Frade Joaquim de Santa Clara de Sousa Pinto. Muitas vezes saia de gatas da sala de aula, para passar despercebido do mestre.

Morava em velho e delapidado prédio, na rua Escura, a miúdo subia ao telhado, já que vivia nas águas-furtadas, com viola e livros.

Na véspera de exame estava à porta do Quartel-General a ouvir música (ária da Norma,) resolvido a não fazer prova, porque nada sabia.

De súbito, surge-lhe o amigo e condiscípulo, Francisco Pereira Amorim de Vasconcelos, que o incentivou a ir a exame, prontificando-se a explicar-lhe a matéria.

Durante horas, Camilo escutou-o atentamente, até às 2 da madrugada.

No dia seguinte apresentou-se para fazer prova.…e passou!...

Só alguém com a inteligência de Camilo seria capaz de assimilar em pouca horas, a matéria, e conseguir prestar satisfatoriamente exame!

Pena é que o genial escritor, nunca se tenha aplicado afincadamente, ao estudo.

Onde chegaria, se não fosse tão preguiçoso e desinteressado o maior prosador da língua portuguesa?

OS AMORES DE SALAZAR

 

Por Humberto Pinho da Silva (Porto, Portugal)

 

O conceito que se tem de Salazar, é de político solitário, déspota e por vezes impiedoso. Mas seria o estadista, realmente, assim?

Ou seria amoroso, mas cujo coração foi endurecido pelas constantes humilhações e afrontas sofridas na infância e adolescência?

Nesta despretensiosa crónica vou olvidar a vida política do estadista, abordando apenas a faceta amorosa, quase desconhecida, do antigo Presidente do Conselho.

Dos amores que se conhece, destaca-se talvez a primeira paixão pela prima Ida, filha de modestos lavradores.

A moça era formosa, loira e bastante elegante. Escreveu-lhe – talvez por timidez receou falar-lhe pessoalmente, – romântica missiva, declarando o amor que lhe brotara do peito. Confusa, aconselhada pelos pais, a cachopa recusou, receando não estar a nível de poder namorar um doutor...

Mas o grande amor, quiçá o mais sincero e mais arrebatador – foi pela filha do patrão de seu pai.

Conheciam-se desde a meninice. Eram amigos, e companheiros de infância.

Dessa inocente amizade germinou, entre ambos, um grande amor.

A mãe da menina tinha o rapaz em grande estima, e deveras admirava-o pela sua excecional inteligência. Criara-se em sua casa, sob sua proteção maternal, mas jamais poderia aceitá-lo como genro.

Certo dia de verão reparou no lânguido olhar do jovem, e principalmente no jeito enternecido como a filha lhe falava, e desconfiou que podia haver possível namorico.

Resolvida a cortar o mal pela raiz, chamou-o recatadamente, e de fisionomia carrancuda, disse-lhe:

- " António: tu sabes como sou tua amiga. És inteligente e chegarás, por certo, muito longe. Mas é bom não esquecer: " serás sempre, para nós, o filho do feitor..." Não quero intimidades com minha filha".

Passaram-se vinte anos, depois dessa severa reprimenda, que dolorosamente feriu o orgulho de Salazar. Dona Maria Luísa – mãe da menina, – telefonou-lhe:

Feita a ligação, pergunta-lhe cordialmente:

- " Ainda se lembra de mim?"

- " Perfeitamente, minha Senhora. Daqui fala o filho do feitor de Vª Exª..." – respondeu-lhe, ironicamente, o Presidente do Conselho.

É igualmente sabido o grande afeto que Salazar sentia por Chistine Garnier – jornalista que Bernard Grasset enviou para o entrevistar.

Quando Jean-Francois, – filho de Christine, foi entrevistado pelo jornalista do " Publico", António Melo (18.04.2000), declarou: que a mãe, quando lhe falava de Salazar, exprimia-se carinhosamente, com " notre ami", e que ambos trocavam correspondência e prendas. Pelo Natal, Salazar, sempre lhe enviava vinho do Porto.

O estadista amou-a...mas à sua maneira; e ela, em recato, nutria por ele intensa amizade...para não dizer: amor.

Salazar teve ainda outros amores.... Foi amado por muitas Senhoras da alta-roda. Entre elas, fidalga da mais elevada linhagem.

Segundo a irmã de Salazar, a Senhora Marta, o estadista foi em petiz, um menino pobre, que gostava de passear com o "Dão" – cachorro da família, – Raras vezes brincava. Era tímido e muito meigo. Se uma mana fosse castigada, ia logo beijar a mãe, pedindo-lhe que a perdoasse.

Sentia pela progenitora amor extremoso. Quando ela esteve em agonia, aflito, passou, de pé, a seu lado, nove dias seguidos, a ponto de lhe incharem os pés de cansado.

O homem que dizia: " Sou um camponês, filho de camponeses." Se não fosse inteligente e não o tivessem enviado para o Seminário, seria humilde camponês, como seu pai. Talvez tivesse sido mais feliz, no amor, e certamente levaria vida mais tranquila...

Salazar nasceu a 28 de abril de 1889. Era filho de pobre trabalhador rural, que administrava, como feitor, a Casa dos Perestrelos, em Santa Comba Dão.

BRASÍLIA 6.2

 





QUEM É O GRANDE CULPADO?

 Por Marcelo de Oliveira Souza (Salvador, BA)


Lá atrás durante a Segunda Guerra Mundial, os ucranianos ainda faziam parte da União Soviética, justamente na triste época em que as tropas de Hitler invadiram esse grande país, avançando incessantemente em busca da vitória.

Muitos ucranianos eram tão oprimidos pelo governo central que parte deles recebeu essa invasão como libertação dos soviéticos, adquirindo até uma simpatia pela causa germânica.

Mesmo sendo uma incoerência, as gerações se passaram, ficando, portanto, a semente nazista em uma pequena parte das pessoas daquela nação.

Foi assim que surgiram alguns ideais ligados à causa da antiga Alemanha, onde frutificou, formando partidos políticos e até o chamado batalhão de Azov na Ucrânia, sendo, pois, uma tropa de elite que está fazendo muita diferença na batalha, mesmo construída a partir de ideais nazistas, esse pensamento foi se diluindo durante o tempo.

Já há pouco tempo, o ocidente, assistia a última ditadura ucraniana ruir, onde o então presidente, Viktor Yushchendo, aliado de Vladimir Putin, fugiu e até então pelo que sabemos, encontra-se exilado.

Essa situação toda, desaguou numa eleição, onde eclodiu o novo presidente, Volodymir Zelensky, ganhando o pleito, com a primordial   promessa de se aproximar do ocidente e principalmente, entrar para a OTAN e União Europeia.

Isso gerou uma grande insatisfação do poderoso da Rússia, onde o Kremlin avisou diversas vezes não aceitar essa situação, causada pelo desmoronamento da União Soviética, que passou a ficar cada vez mais isolada, às quais, boa parte das suas antigas repúblicas, ingressou na Aliança Atlântica, mesmo com um combinado da OTAN/ Rússia que não virou tratado.

Ninguém imaginava, nos dias de hoje, em pleno século XXI, um terrível acontecimento com cenas de enfrentamento bélico na Europa, principalmente o líder ucraniano, que chegou a dizer aos Estados Unidos que estavam exagerando, diante das repetidas narrativas da provável invasão.

Dentro desse cenário nos arrastamos a mais de um mês de guerra, num impasse mortal, pois todo mundo quer estar com a razão, mas muitos interesses estão escondidos embaixo desse triste pano de fundo, enriquecendo uns, em detrimento   de muitos cidadãos ucranianos   que foram pegos de surpresa e hoje perderam a esperança de tudo, sendo meros peões no jogo de xadrez internacional,  manipulados  “habilmente”  e  agora seus líderes  não sabem como  voltar para trás.

 

 

ALGARAVIA

 

Por Clarisse Cristal (Balneário Camboriú, SC)

 

Encontrei as chaves perdidas de papai

Estavam lá, estáticas e bem seguras

 Na algibeira interna

 Do meu sobretudo negro  

***

Agora sou eu que não me encontro mais 

Acordo pelo amanhã

E contíguo a mim

Uma angústia

Infinda

De ser uma outra pessoa

Alheia do que fui até a pouco

***

Desaprendi

 A compor em versos com poesia 

Desaprendi a contemplar o vago

 

E o vazio inquebrantável

Do noturno silêncio oblíquo

Em noite perdida no campo santo

***

Encontrei as outrora chaves perdidas de papai

Agora a luz do dia faina

O meu corpo oco e insípido

Inerte em duas rodas velozes

***

Encontrei as chaves perdidas de papai

E minha nova paixão

Surge sempre benfazejo

Ao final do expediente

Clarisse Cristal é bibliotecária em Balneário Camboriú, Santa Catarina 

 

LUPI

Por Clarisse da Costa (Biguaçu, SC)


Dizem que cachorro é como uma criança e eu me arrisco a dizer que é sim. É de uma pureza e sensibilidade enorme! Eu vou lhe chamar de Lupi. Lupi apareceu numa tarde de verão em frente à casa de Dona Mariana. Debaixo de sua janela arregalou os olhos em sua direção.

Os olhos de Lupi eram grandes e brilhantes, seu pelo era um amarelo cremoso, coisa mais linda! Ele tinha um jeito meigo de encantar qualquer pessoa.

Mariana tentou mandar ele embora, mas não conseguiu. Dona de casa nunca pensou ter um cachorro, mas isso não quer dizer que não gostasse de bicho.

Já noite, deu-lhe água e um pouco de comida. Ao amanhecer Dona Mariana encontrou Lupi em frente a sua janela latindo e chorando pedindo comida. Os olhos pareciam os olhos de uma criança molhados de lágrimas.

Chegando na janela vem a sua filha, toda encantada com o bichinho: — Olha mãe, ele tá chorando. Tadinho, parece uma criança. —Disse a menina.  Lupi estava em boa companhia se sentindo bem naquele quintal.

Mas nem toda história termina bem, no final de semana o marido de Dona Mariana pediu para a esposa e a filha não darem comida ao cachorro, assim ele iria embora. No fim de tarde, vendo que o Lupi não tinha ido embora, o homem pegou um pau e deu pauladas no cachorro sem piedade.

A filha deste homem berrou aos prantos pedindo para o pai parar. Infelizmente, seu Juscelino, assim vou chamar, parecia estar com o demônio no corpo. A sua alma era tomada de muita covardia e ruindade.  Lupi desapareceu. A menina crê até hoje que seu pai matou aquele cachorro que mais parecia uma criança indefesa querendo um pingo de amor.

E coisas assim marcam a vida de uma pessoa. Aparentemente a pessoa segue em frente a sua vida, escreve novas histórias, mas fica aquele sentimento de pesar dentro dela.

Clarisse da Costa é cronista e poetisa em Biguaçu, Santa Catarina.

Contato: clarissedacosta81@gmail.com


EM PERPÉTUOS CICLOS

 Por Samuel da Costa (Itajaí, SC)


Em memória de João Carlos Pereira

 

‘’Eu prefiro as certezas do sim!

  Do que a incertezas do talvez.’’

Clarisse da Costa

          

 Uma vaga e leve fragrância de flores de laranjeiras misturado com um forte olor almiscarado estava pairando no ar. E uma explosão de fortes e vívidas cores irritou muito o agente de segurança, que vagava a esmo pelo salão de eventos. O vai e vem de pessoas negra, de gente latino e vários tons de peles escuras, nos pulsos argolas e pulseiras reluzentes, enormes brincos nas orelhas, expressivos lenços nas cabeças, turbantes variados e as roupas berrantes e chamativas.

E o som baixo e discreto de eufônicas de variadas línguas estrangeiras que falavam simultaneamente e que se lançavam no ar e intercambiavam entre as pessoas que ocupavam os espaços como se fosse uma perfeita sinfonia. O agente de segurança, de idade avançada, sentiu um frio percorrer a espinha como nunca tinha sentido antes. Ele ligou o sinal de alerta!

            — Aquieto-me para recomeçar um novo ciclo professor Muteia. O texto parece, com o de uma falecida, autora escritora desconhecida do grande público. Mas a obra é minha com toda a certeza, compus com o meu sangue! — O rascunho estava na mesa, Adérito Muteia relutava em pegar o manuscrito para ler. O literato africano, já tinha recebido e lido uma cópia em mídia digital. Algo gritava dentro do texto, para além do texto e, de forma desesperada. Aquela mulher na frente dele deixava-o nervoso.

            — Senhorita Fabiana de Lima, não creio que posso satisfazer os vossos anseios literários, da senhorita, não neste exato momento.

            O palavrório afetado, com leve sotaque luso, irritou a jovial escritora, vestida sobriamente como uma aluna de pós-graduação a apresentar uma tese, com seu tailleur Chanel azul limão. E os olhos castanhos em chamas dela, cravaram profundamente na mente de Muteia, o africano devolveu semicerrando os olhos negros profundos. Seria uma reunião e tanto pensou Muteia àquela hora extrema.

            O agente de segurança passou ao lado da mesa onde Fabiana e Muteia foram se alojar. O homem da lei, muito idoso para um agente de campo, parou abruptamente e voltou os olhos de para o casal.  Mil vozes mínimas, em puro desespero, urraram dentre dele, o casal impassível sequer deu pela existência do homem idoso, impecavelmente vestido, que andava com a ajuda de uma bengala e de óculos escuros. Cansado o homem sai da salão de exposição, assim como quem foge para salvar a vida cambaleando e lânguido. 

            — Então irá fazer mudanças no texto? Olha o miúda, eu não tenho muito tempo para aspirantes a escritores, és ambiciosa demais e não creio que...

            — Balela professor Muteia! — Falou em tom de desafio — Não vim de tão longe, para ter a sua aprovação pessoal!

            — Não me interrompa de novamente ò miúda! Não vou e não quero te dar aprovação alguma, não é este o meu papel, entenda logo!

Muteia, estava falando com a jovem adulta, na frente dele como se estivesse de novo em campo de batalha. O adido militar já tinha visto isso antes, bem falantes e corajosos, aspirantes jovens combatentes, recém saídos de campos e academias de treinamento, sempre apressados, com fome e sede de ação. Desesperados, os jovens combatentes choraram, gritavam e se escondiam quando os combates começavam de fato. 

             — Não quero ser grosseira com o professor, me desculpe, eu vim de muito longe e quero ser publicada, eu também quero ser mais útil! — O tom conciliador de Fabiana não comoveu o experiente professor. 

            Muteia sentiu um zumbido que crescia e crescia, um drone pensou, dois drones na verdade calculou o professor africano, um bem perto e outro um pouco mais longe. E o literato africano, ficou mais relaxado e pensou em um charuto, sentia a necessidade de um charuto a bem da verdade.       

          E não demorou muito, um jovem secretário indiano bem alinhado com seu multicolorido traje típico, veio com uma bandeja de madeira, com as bordas artesanalmente decoradas. Nela uma caixa de madeira pintada a mão de charutos caribenhos, um de copo de cristal artesanalmente decorado, nela havia chá de lima-da-pérsia gelado. O jovem de cabelos negros, um pequeno piercing no nariz e olhos negros vivazes serviu o casal e desapareceu tão rápido quanto chegou. 

            — Miúda não é somente querer, pensar ou mesmo desejar! Na verdade, é tudo isto junto, temperado com as casualidades que a vida nos impõe! E temos que viver e conviver não somente com as nossas escolhas, mas também temos que viver e conviver com as escolhas alheias, que não são nossas.

            O zumbido ficou mais alto, e o literato esperou e esperou enquanto pegou o cortador de charutos Don Emmanuel e o isqueiro à querosene com tanque de óleo transparente. O professor, literato e adido militar preparou e acendeu o charuto cubano que tinha levado à boca e deu uma demorada baforada.

            A jovem escritora levantou a mão fechada em punho na frente do Muteia, abriu e fechou! O drone parado a poucos metros dos dois se esmigalhou e caiu no meio da rua, caiu na calçada e não atingiu ninguém. Muteia dá uma segunda baforada seguida de um discreto sorriso de marfim e bate palmas.

            — És uma jovem e impulsiva! E nada discreta pelo que vejo!

            O segundo drone parado a quilômetros de distância caiu lentamente, foi parar em uma densa mata fechada, do que seria um jardim de uma luxuosa casa, muito abandonada. Muteia, muito tempo se acostumou em lidar com alunos deste naipe, estes jovens impulsivos.

            — Vamos ver com mais cuidado o que temos aqui. — Muteia pegou o manuscrito em cima da mesa e leu em voz alta: — Eu não falo com estátuas! Eu vivo no além dos astros-mortos!

Samuel da Costa é contista, poeta e funcionário público em Itajaí, Santa Catarina

Contato: samueldeitajai@yahoo.com.br

O APRENDIZ VIAJANTE

Por Clarisse da Costa (Biguaçu, SC)


O verbo escrever vem do latim scribete. Scribete em latim quer dizer traçar; marcar com estilo. Então posso dizer que escrever leva o humano a expressar as suas ideias.

E ali, numa mesa, num canto qualquer debulhado em papéis, o homem rabisca palavras como se rabiscasse a vida. A vida toda com o cotidiano e turbulências.

Os rabiscos tomam formas e cada palavra estrofes que retratam o seu sentimento e o viver. Mas não o viver fantasioso, o viver real dentro da ciranda da vida.

É fato, retrato, pranto, plano, contra plano, verso, reverso, retrocesso.

Um voo por novos mundos! Fico a pensar o que é o poeta sem palavras e livros? Talvez um homem perdido e não um viajante. Os viajantes acumulam histórias, uma vida bem vivida.

Com suas palavras, Vivaldo Terres é um viajante na longa caminhada.

Viaja pelos saberes do conhecimento como um eterno aprendiz e na sua simplicidade não ousa ser superior ao outro, apenas ser melhor do que é. O poeta aprendiz na escola da vida!

Clarisse da Costa é artesã, designer, contista e articulista em Biguaçu, Santa Catarina

Contato: clarissedacosta81@gmail.com

 

FRONTEIRAS: A GUERRA SEM FIM

  Por Samuel da Costa (Itajaí, SC)

                  Quisera eu experimentar...

Novos sabores

Em novos lugares...

Novos amores

Novos sabores...

Com novos temperos

Com novos amores...

Em outros lugares

Com novos atores...

Acordar em teus braços...

Para perder-me em teus braços

Em memória de Miguel Maria da Costa

          

             Diante do Monte Roraima, um desespero incomum tomou de assalto à figura ajoelhada de pele alvíssima e de olhos azuis. Ele olha para cima e não acreditava nas na realidade em que vivia. Aquele monte era a prova que o continente Africano e o Americano um dia foram uma coisa só. Foi em uma aula ministrada no velho mundo, no continente negro, pelo professor António Assis Júnior que ficou sabendo desse fato. O velho professor, que o iniciara na luta pela libertação do seu país. Com os olhos rasos d’água, a postura de soldado em guerra desaparecera por completo, dando lugar a um ser humano como outro qualquer, perdido por muito tempo que acabara de se reencontrar na vida.

            — O Amazonas enfim... o Brasil afinal... — Foi o que ele conseguiu balbuciar em voz baixa, mesmo sem ninguém para ouvir. Mas, tinha que voltar para a postura de soldado, pois a guerra tinha que continuar. O perímetro em que se encontrava, era justamente como os mapas que ele havia estudado e mentalizado na Europa. Mata rasteira e um céu acinzentado, destoava e muito, da visão romântica de uma selva Amazônica cortado por grandes rios e uma imensidão verde a perder de vista. Era preciso pôr-se em marcha, mas os nomes de João Amazonas, Apolônio de Carvalho, Luiz Carlos Preste, Jorge Amado, Oscar Niemayer e Agildo Barata lhe a mente com toda a força. Assim como a missão dada, a ele no velho mundo. Ao erguer em pôr-se em marcha deixando o Jeep Willys MB para trás, chegou a pensar dos riscos de deixá-lo parado ali, mas atirar fogo do automóvel seria muito pior poderia chamar a atenção, pois a fumaça seria vista por quilometro de distância tanto por terra quanto pelo ar.                       Jogar com a sorte, era um fator a ser considerado naquela altura. Foi só andar poucos metros, com sol abrasador sobre a cabeça e a boca seca, e os olhos do soldado despontam no horizonte um acampamento. Um acampamento cigano no meio do nada, em plena selva amazônica, parecia um sonho surreal. As cores vivar e fortes das roupas, a dança e a música vivida, dançavam em meio uma fogueira, parecia que celebravam alguma coisa: — Inferno, não consta nada disto nos mapas que me mandaram memorizar, e agora? O que faço? — Ao se aproximar uma figura, do que poderia ser o chefe da tribo, se precipitou dos demais. De longos cabelos, pistola Luger P08 na cintura, se limita a sorrir ao viajante que passava. O viajante, por instinto decide erguer as chaves Jeep bem alto e pôr no chão lentamente, fez isso sem tirar os olhos do romani a poucos metros dele.

            — Faça bom proveito Barô Kalon, um presente meu, para Santa Sara Kali! — O viajante segue em frente e não se arrisca a olhar para trás, teria muito que caminhar, na verdade um continente a desbravar.

Samuel da Costa é poeta e contista em Itajaí, Santa Catarina

Contato: samueldeitajai@yahoo.com.br   

ALABAMA DREAMS (BLACK MOON RISE)

 Por Clarisse Cristal (Balneário Camboriú, SC)

Um tributo para o poeta Samuel da Costa

No teatro estático da vida

Das muitas das nossas tragédias

No cotidiano

No Brasil contemporâneo!!! 

Eu peço desesperadamente

Ao meu Brasil e-negrecesse

Por favor 

***

No princípio de tudo... 

O Brasil atual e-negrecesse 

Ao afável som da batida

Inefável batida do jazz fusion

E dos sabores do sacrossanto blues 

E-negrecesse 

***

Seattle is here dear

Alabama is there dearling

Everybody the mississippi it's nowhere

And old queen is dead 

 In a wonderful White world


Clarisse Cristal é bibliotecária e poetisa em Balneário Camboriú, Santa Catarina  

 


PESSOAS SÃO COMO FLORES

Por Samuel da Costa (Itajaí, SC)


            ―Lembre se Lili meu anjo, às vezes pessoas parecem flores! ―Diz Rosa Sousa Andrade sentada revirando seu jardim diante da imponente mansão dos Sousa Andrade.

            ―Como assim Dona Rosa? ― respondeu um tanto assustada a jovem que estava atrás e, em pé da sexagenária, Lilibete que se aproximou bem devagar. E não compreendeu como a velha senhora, um pouco surda e quase cega, poderá notar sua presença.

― São bonitas, frágeis, breves e às vezes espinhosas meu anjo! Então filha, quando se forma? Pergunta a elegante senhora, em tom maternal, sem se levantar, pois ainda estava sentada a cuidar das plantas.

― Fim deste ano, pretendo acabar a faculdade. Ainda esse ano Dona Rosa! ― Diz a jovem incisiva e desafiadora. Por mais que se esforçasse, Lilibete não poderia imaginar como a senhora requintada a sua frente um dia foi amiga de infância de sua avó. Elas brincavam neste mesmo jardim quando crianças. Os Caetanos há séculos servem os Sousa Andrade, tempos que remontam a escravidão negra.

E que de uma forma ou outra este laço se mantivesse. Lilibete olhava para Dona Rosa que por momento algum não se deu o trabalho de levantar ou mesmo olhar para ela enquanto conversaram. E não poderia deixar de pensar, na frase irônica proferida pela velha senhora: ‘’― Ás vezes pessoas parecem flores!’’ Logo Lilibete conclui o óbvio, aquela velha senhora conservadora como era, mas parecia ter parado no tempo: sim pessoas são frágeis, selvagens, imprevisíveis, doces, breves e também cheias de espinhos. Que nossa passagem por aqui é breve, um lampejo apenas, neste ponto as duas mulheres tão diferentes entre si concordavam. E Rosa de Sousa Andrade trajando seu macacão cor-de-rosa com seu tom de voz deixava bem claro para Lilibete: Aquela mulher a detestava.                 

― O que veio fazer aqui menina?

― O Gustavo está me esperando!

― Sabe que não gosto desse tipo de coisa na minha casa menina, e não gosto mesmo!

            E aquele namoro entre o neto da poderosa Rosa de Sousa Andrade com Lilibete Caetano era mais que um ‘’caso amoroso’’ entre as duas famílias. Histórias recheadas de romances proibidos, filhos ilegítimos e amores velados, e pura hipocrisia de uma cidade provinciana e interiorana. Gerando um ciclo de amor e ódio que parecia não ter fim, entre as duas famílias. Coisas que remetem ao tempo em que pessoas vindas da África eram vendidas em mercados públicos. E ao se reconhecerem e mais tarde se conhecerem na faculdade de direito Gustavo e Lilibete começarem e terminarem o namoro por várias vezes. Dona Rosa sempre atenta no que acontece na família, tinha motivos para se preocupar. Não bastará ver o neto Gustavo se envolver e, mais tarde presidir o Centro Acadêmico de Direito, com suas greves e passeatas. Agora esse caso do neto com uma negra filha da empregada, e pior de tudo uma Caetano. Aquilo era demais para a velha e conservadora Rosa Sousa Andrade. Não bastará o escândalo ficar muito sepultado, mas ainda vivo na cabeça de algumas pessoas. O escalo velado que Rosa e Adélia eram irmãs por parte de pai, tais coisas vez ou outra surgiam e ressurgiam. Para Rosa aquilo mais parecia um pesadelo sem fim, uma maldição que pairava entre os Sousa Andrade que os unia aos Caetano. Uma união que ela jurava não atingir sua geração e gerações futuras, e mandar os filhos estudarem fora da cidade e até no estrangeiro, por exemplo, não foi o bastante.

― Nós vamos nos casar Dona Rosa! E não há nada que a senhora possa fazer a respeito! Diz a Lilibete incisiva. Ambos não sabiam, mas ao se casaram mesmo anos depois, mais que uma união entre famílias aquilo fora um acerto de contas com o passado. E sim pessoas são como flores como disse Rosa Sousa Andrade: breves, delicadas e insistentes no dom de renovar à vida. 


Samuel da Costa é poeta e contista em Itajaí, Santa Catarina

Contato: samueldeitajai@yahoo.com.br

 

GUERREIRA ANTONIETA DE BARROS

Por Clarisse da Costa (Biguaçu, SC)

 

Nessa terra de desigualdade

Onde o machismo

Sempre foi tão presente,

Onde para a sociedade a mulher

Sempre foi insignificante

Nós mulheres tivemos como exemplo

A grande Antonieta de Barros.

Ela foi uma grande jornalista,

Professora e política brasileira.

***

No país que se diz ser

Da ordem e do progresso,

Com a presença forte do racismo,

Escondido nas estrelinhas

Da falsa democracia,

Antonieta foi a primeira mulher negra

Em destaque no Brasil a assumir

Um mandato político popular.

Como pioneira nesse meio

Trouxe inspiração para o movimento negro.

***

Apesar da sua história ter sido apagada

Por muitos anos

Isso não tirou o brilho e a força

Da mulher negra na história do Brasil

E principalmente no Estado de Santa Catarina.

Sua história vem sendo retomada aos poucos.

O que traz para nós mulheres negras

Engajamento para lutar


Clarisse da Costa é cronista e poetisa em Biguaçu, Santa Catarina. Contato: clarissedacosta81@gmail.com

O GRANDE DEUS RAPTOR DE ALMAS

Por Samuel da Costa (Itajaí, SC)


Para Fabiane Braga Lima

 

 Eu não plantei flores!

E nunca vou plantá-las!

Para não vê-las morrerem...

Abruptamente!

Pisoteadas cruelmente,

Pelas botas asseadas...

E lustradas.

Dos soldados desumanizados!

Fortemente armados,

 Que em descompassados...

E uniformizados!

Passam em marcha.

          

 

            Ao chegar no final da escada, um embrulho de estômago o fez sentir vivo de novamente. A lembrança amarga de receber o trágico relatório, do núcleo de repressão Moreira César, por fim estava em suas mãos. O relatório estava batido na máquina de escrever e estava bem resumido.

Não tinha fotografias dos elementos, só dados básicos, e lá estava o que ele suspeitava. Estavam todos vivos e com as vidas destroçadas por tragédias e mais tragédias. Pequenas e grandes tragédias se abateram nos homens e mulheres que operavam no núcleo de repressão. E as palavras de Aldo gritou bem alto na mente dele: — Vocês vão morrer aos poucos e várias vezes! Eu juro!

Acidentes de trânsito, cânceres, suicídios, desaparecimentos repentinos, prisões, descaminho e falências atingiram as pessoas que gravitavam ao redor dos agentes de repressão. Os parentes e pessoas próximas de quem integrou o núcleo de repressão Moreira César. Os elementos em si registravam-se passagem por clínicas psiquiátricas, centros de recuperação para drogados e alcoólicos, internamentos em hospícios. Estavam todos vivos, mas com as vidas destroçadas.

Fechou o relatório após as leituras e uma coisa martelava na cabeça, ele sabia das atrocidades cometidas pelo núcleo de repressão. E uma vez com a queda do regime autoritário e redemocratização todos e todas do aparato repressivo voltaram para as suas lotações de origem, sem responder pelos abusos. Ele era escrivão da polícia civil, voltou para a burocracia estatal e fez faculdade de direito, os demais elementos dos porões da repressão ele cortou todos os laços.

Agora recobrado a consciência de onde estava e o que deveria fazer, sair dali e relatar tudo que vira e ouvira para seus superiores. Ao olhar para a entrada do prédio surgiu como uma luz ao final de um túnel escuro. E a cada passo que dava uma coisa aconteceu, algo que simplesmente nunca aconteceu, os gritos, choros, soluços e clamores. Os cheiros devastadores de sangue, carne, urina, vômito e fezes, coisas que nunca sentira antes, era como se estivesse de volta aos porões da repressão. Vozes gritando, clamando, chorando e cheiro de carne humana queimada, isto nunca tinha acontecido, preferiu deixar tudo para trás e seguir a vida em frente.

Ao deixar o prédio, se apressou em descer a rua, andou uns bons metros e olhou para cima do prédio, uma luz negra atingiu o último andar, pequenos feixes brancos se destacaram. Atravessou a rua que estava estranhamente vazia àquela hora da manhã, uma viatura da polícia desceu em altíssima velocidade e estava com a sirene desligada. Foi atingido, o frágil corpo voou longe, subiu e caiu na gramada a poucos metros de onde estava.

Acordou no hospital por gritos de horror, choros e lamentos, abriu os olhos e tentou em vão se mover. Foi quando os cheiros dos porões da repressão invadiram o ambiente. Um homem negro, alto, vestido como um diplomata europeu apareceu na porta.

— Hora de ir chefe! O raptor de alma apareceu por fim!

— O quê?

Estava de pé próximo a porta e não entendeu nada! Olhou para trás e se viu deitado no leito de olhos fechados com o rosto contraído. Era como se sentisse dores atrozes.

— E ele? 

— Chefe é hora de partir e deixá-lo para trás.

O homem africano estava falando em italiano com ele, fazia tempo que não falava italiano. O enorme homem negro falava com o polido sotaque de Roma e ele estava falando em dialeto Trentino. Olho para as roupas que estava vestindo, era um terno caro, no pulso um relógio feito por sob medida por um relojoeiro suíço. Nos pés confortáveis, sapatos feitos de couro de crocodilo. O homem negro assentiu com a cabeça e ambos partiram, outros dois homens negros estavam no lado de fora do leito hospitalar.

Ao passar pelos corredores do hospital que estava vazio queria fazer mil perguntas, queria parar, mas não conseguia.

— Onde está o raptor de almas? — Por fim perguntou

— Está no conclave anual! Em um prédio a poucos quilômetros daqui, já identificamos todos que estarão no conclave!

Ao passar pela recepção também vazia, notou um outro homem negro também bem vestido, mas parecia um professor universitário e uma mulher loura de uns trinta anos. Estavam na porta de saída do hospital.

Saíram do hospital, uma limusine estava esperando, a porta se abriu e ele foi tragado pela escuridão luxuriante do carro de luxo.


Samuel da Costa é contista, cronista e funcionário público em Itajaí, Santa Catarina

Contato:samueldeitajai@yahoo.com.br