domingo, 1 de maio de 2022

UM DOIDIVANAS INCORRIGÍVEL


Por Humberto Pinho da Silva (Porto, Portugal)

 

Todos reconhecem Camilo Castelo Branco, como escritor talentoso. Admiram-lhe a riqueza do vocabulário e a vernaculidade da prosa.

Pensam, contudo, os menos versados em literatura, que realizou aturados estudos para obter a invulgar cultura, que possuía, ou que frequentou curso de Letras.

Encontram-se redondamente enganados, os que assim pensam. Foi péssimo aluno, não por ausência de capacidade intelectual, mas porque era cábula e incorrigível boémio.

Na adolescência teve dois sacerdotes como professores: o Padre António de Azevedo, cunhado da sua irmã Carolina, e o Padre Manuel da Lixa, mestre de latim e famoso pregador.

Mas o proveito desse ensino foi diminuto, porque frequentemente fugia de casa, e pouco estudava. Ausentava-se para os montes, vagabundeava, errando pelos caminhos ou permanecia sentado no espigão de uma fraga, mirando e meditando na paz e placidez poética das serras, que se desenrolavam, ondeando, umas após outras.

Por fim a família assentou enviá-lo para o Porto, para prosseguir os estudos.

Veio a cavalo (macho?) de Vilarinho de Samardã, com 18 anos, em 1843. Deixou, na aldeia, a mulher, com quem casara com 16 anos, e o grande amor, por quem estava, na ocasião, apaixonado, a Maria do Adro.

Na cidade do Porto prestou provas no Liceu Nacional, a 12/13 de outubro.

Matriculou-se, de seguida, na Escola médica, no 1º Ano de Anatomia; pouco depois começou a frequentar a Academia Politécnica, a cadeira de Química.

Como estroina, que era, não estudava, nem compêndios comprava! Era seu professor, o Frade Joaquim de Santa Clara de Sousa Pinto. Muitas vezes saia de gatas da sala de aula, para passar despercebido do mestre.

Morava em velho e delapidado prédio, na rua Escura, a miúdo subia ao telhado, já que vivia nas águas-furtadas, com viola e livros.

Na véspera de exame estava à porta do Quartel-General a ouvir música (ária da Norma,) resolvido a não fazer prova, porque nada sabia.

De súbito, surge-lhe o amigo e condiscípulo, Francisco Pereira Amorim de Vasconcelos, que o incentivou a ir a exame, prontificando-se a explicar-lhe a matéria.

Durante horas, Camilo escutou-o atentamente, até às 2 da madrugada.

No dia seguinte apresentou-se para fazer prova.…e passou!...

Só alguém com a inteligência de Camilo seria capaz de assimilar em pouca horas, a matéria, e conseguir prestar satisfatoriamente exame!

Pena é que o genial escritor, nunca se tenha aplicado afincadamente, ao estudo.

Onde chegaria, se não fosse tão preguiçoso e desinteressado o maior prosador da língua portuguesa?

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