Por Samuel da Costa (Itajaí, SC)
Para
Fabiane Braga Lima
Eu não
plantei flores!
E nunca
vou plantá-las!
Para não
vê-las morrerem...
Abruptamente!
Pisoteadas
cruelmente,
Pelas
botas asseadas...
E
lustradas.
Dos
soldados desumanizados!
Fortemente
armados,
Que
em descompassados...
E
uniformizados!
Passam em
marcha.
Ao chegar
no final da escada, um embrulho de estômago o fez sentir vivo de novamente. A
lembrança amarga de receber o trágico relatório, do núcleo de repressão Moreira
César, por fim estava em suas mãos. O relatório estava batido na máquina de
escrever e estava bem resumido.
Não tinha fotografias dos elementos, só dados
básicos, e lá estava o que ele suspeitava. Estavam todos vivos e com as vidas
destroçadas por tragédias e mais tragédias. Pequenas e grandes tragédias se
abateram nos homens e mulheres que operavam no núcleo de repressão. E as
palavras de Aldo gritou bem alto na mente dele: — Vocês vão morrer aos
poucos e várias vezes! Eu juro!
Acidentes de trânsito, cânceres, suicídios,
desaparecimentos repentinos, prisões, descaminho e falências atingiram as
pessoas que gravitavam ao redor dos agentes de repressão. Os parentes e pessoas
próximas de quem integrou o núcleo de repressão Moreira César. Os elementos em
si registravam-se passagem por clínicas psiquiátricas, centros de recuperação
para drogados e alcoólicos, internamentos em hospícios. Estavam todos vivos,
mas com as vidas destroçadas.
Fechou o relatório após as leituras e uma coisa
martelava na cabeça, ele sabia das atrocidades cometidas pelo núcleo de
repressão. E uma vez com a queda do regime autoritário e redemocratização todos
e todas do aparato repressivo voltaram para as suas lotações de origem, sem
responder pelos abusos. Ele era escrivão da polícia civil, voltou para a
burocracia estatal e fez faculdade de direito, os demais elementos dos porões
da repressão ele cortou todos os laços.
Agora recobrado a consciência de onde estava e o
que deveria fazer, sair dali e relatar tudo que vira e ouvira para seus
superiores. Ao olhar para a entrada do prédio surgiu como uma luz ao final de
um túnel escuro. E a cada passo que dava uma coisa aconteceu, algo que
simplesmente nunca aconteceu, os gritos, choros, soluços e clamores. Os cheiros
devastadores de sangue, carne, urina, vômito e fezes, coisas que nunca sentira
antes, era como se estivesse de volta aos porões da repressão. Vozes gritando,
clamando, chorando e cheiro de carne humana queimada, isto nunca tinha
acontecido, preferiu deixar tudo para trás e seguir a vida em frente.
Ao deixar o prédio, se apressou em descer a rua,
andou uns bons metros e olhou para cima do prédio, uma luz negra atingiu o
último andar, pequenos feixes brancos se destacaram. Atravessou a rua que
estava estranhamente vazia àquela hora da manhã, uma viatura da polícia desceu
em altíssima velocidade e estava com a sirene desligada. Foi atingido, o frágil
corpo voou longe, subiu e caiu na gramada a poucos metros de onde estava.
Acordou no hospital por gritos de horror, choros e
lamentos, abriu os olhos e tentou em vão se mover. Foi quando os cheiros dos
porões da repressão invadiram o ambiente. Um homem negro, alto, vestido como um
diplomata europeu apareceu na porta.
— Hora de ir chefe! O raptor de alma apareceu por
fim!
— O quê?
Estava de pé próximo a porta e não entendeu nada!
Olhou para trás e se viu deitado no leito de olhos fechados com o rosto
contraído. Era como se sentisse dores atrozes.
— E ele?
— Chefe é hora de partir e deixá-lo para trás.
O homem africano estava falando em italiano com
ele, fazia tempo que não falava italiano. O enorme homem negro falava com o
polido sotaque de Roma e ele estava falando em dialeto Trentino. Olho para as
roupas que estava vestindo, era um terno caro, no pulso um relógio feito por
sob medida por um relojoeiro suíço. Nos pés confortáveis, sapatos feitos de
couro de crocodilo. O homem negro assentiu com a cabeça e ambos partiram,
outros dois homens negros estavam no lado de fora do leito hospitalar.
Ao passar pelos corredores do hospital que estava
vazio queria fazer mil perguntas, queria parar, mas não conseguia.
— Onde está o raptor de almas? — Por fim perguntou
— Está no conclave anual! Em um prédio a poucos
quilômetros daqui, já identificamos todos que estarão no conclave!
Ao passar pela recepção também vazia, notou um
outro homem negro também bem vestido, mas parecia um professor universitário e
uma mulher loura de uns trinta anos. Estavam na porta de saída do hospital.
Saíram do hospital, uma limusine estava esperando,
a porta se abriu e ele foi tragado pela escuridão luxuriante do carro de luxo.
Samuel da
Costa é contista, cronista e funcionário público em Itajaí, Santa Catarina
Contato:samueldeitajai@yahoo.com.br
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