domingo, 1 de maio de 2022

PESSOAS SÃO COMO FLORES

Por Samuel da Costa (Itajaí, SC)


            ―Lembre se Lili meu anjo, às vezes pessoas parecem flores! ―Diz Rosa Sousa Andrade sentada revirando seu jardim diante da imponente mansão dos Sousa Andrade.

            ―Como assim Dona Rosa? ― respondeu um tanto assustada a jovem que estava atrás e, em pé da sexagenária, Lilibete que se aproximou bem devagar. E não compreendeu como a velha senhora, um pouco surda e quase cega, poderá notar sua presença.

― São bonitas, frágeis, breves e às vezes espinhosas meu anjo! Então filha, quando se forma? Pergunta a elegante senhora, em tom maternal, sem se levantar, pois ainda estava sentada a cuidar das plantas.

― Fim deste ano, pretendo acabar a faculdade. Ainda esse ano Dona Rosa! ― Diz a jovem incisiva e desafiadora. Por mais que se esforçasse, Lilibete não poderia imaginar como a senhora requintada a sua frente um dia foi amiga de infância de sua avó. Elas brincavam neste mesmo jardim quando crianças. Os Caetanos há séculos servem os Sousa Andrade, tempos que remontam a escravidão negra.

E que de uma forma ou outra este laço se mantivesse. Lilibete olhava para Dona Rosa que por momento algum não se deu o trabalho de levantar ou mesmo olhar para ela enquanto conversaram. E não poderia deixar de pensar, na frase irônica proferida pela velha senhora: ‘’― Ás vezes pessoas parecem flores!’’ Logo Lilibete conclui o óbvio, aquela velha senhora conservadora como era, mas parecia ter parado no tempo: sim pessoas são frágeis, selvagens, imprevisíveis, doces, breves e também cheias de espinhos. Que nossa passagem por aqui é breve, um lampejo apenas, neste ponto as duas mulheres tão diferentes entre si concordavam. E Rosa de Sousa Andrade trajando seu macacão cor-de-rosa com seu tom de voz deixava bem claro para Lilibete: Aquela mulher a detestava.                 

― O que veio fazer aqui menina?

― O Gustavo está me esperando!

― Sabe que não gosto desse tipo de coisa na minha casa menina, e não gosto mesmo!

            E aquele namoro entre o neto da poderosa Rosa de Sousa Andrade com Lilibete Caetano era mais que um ‘’caso amoroso’’ entre as duas famílias. Histórias recheadas de romances proibidos, filhos ilegítimos e amores velados, e pura hipocrisia de uma cidade provinciana e interiorana. Gerando um ciclo de amor e ódio que parecia não ter fim, entre as duas famílias. Coisas que remetem ao tempo em que pessoas vindas da África eram vendidas em mercados públicos. E ao se reconhecerem e mais tarde se conhecerem na faculdade de direito Gustavo e Lilibete começarem e terminarem o namoro por várias vezes. Dona Rosa sempre atenta no que acontece na família, tinha motivos para se preocupar. Não bastará ver o neto Gustavo se envolver e, mais tarde presidir o Centro Acadêmico de Direito, com suas greves e passeatas. Agora esse caso do neto com uma negra filha da empregada, e pior de tudo uma Caetano. Aquilo era demais para a velha e conservadora Rosa Sousa Andrade. Não bastará o escândalo ficar muito sepultado, mas ainda vivo na cabeça de algumas pessoas. O escalo velado que Rosa e Adélia eram irmãs por parte de pai, tais coisas vez ou outra surgiam e ressurgiam. Para Rosa aquilo mais parecia um pesadelo sem fim, uma maldição que pairava entre os Sousa Andrade que os unia aos Caetano. Uma união que ela jurava não atingir sua geração e gerações futuras, e mandar os filhos estudarem fora da cidade e até no estrangeiro, por exemplo, não foi o bastante.

― Nós vamos nos casar Dona Rosa! E não há nada que a senhora possa fazer a respeito! Diz a Lilibete incisiva. Ambos não sabiam, mas ao se casaram mesmo anos depois, mais que uma união entre famílias aquilo fora um acerto de contas com o passado. E sim pessoas são como flores como disse Rosa Sousa Andrade: breves, delicadas e insistentes no dom de renovar à vida. 


Samuel da Costa é poeta e contista em Itajaí, Santa Catarina

Contato: samueldeitajai@yahoo.com.br

 

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