Por Samuel da Costa (Itajaí, SC)
―Lembre se Lili meu anjo, às vezes pessoas parecem flores! ―Diz Rosa Sousa
Andrade sentada revirando seu jardim diante da imponente mansão dos Sousa
Andrade.
―Como
assim Dona Rosa? ― respondeu um tanto assustada a jovem que estava atrás e, em
pé da sexagenária, Lilibete que se aproximou bem devagar. E não compreendeu
como a velha senhora, um pouco surda e quase cega, poderá notar sua presença.
― São bonitas, frágeis, breves e às
vezes espinhosas meu anjo! Então filha, quando se forma? Pergunta a elegante
senhora, em tom maternal, sem se levantar, pois ainda estava sentada a cuidar
das plantas.
― Fim deste ano, pretendo acabar a
faculdade. Ainda esse ano Dona Rosa! ― Diz a jovem incisiva e desafiadora. Por
mais que se esforçasse, Lilibete não poderia imaginar como a senhora requintada
a sua frente um dia foi amiga de infância de sua avó. Elas brincavam neste
mesmo jardim quando crianças. Os Caetanos há séculos servem os Sousa Andrade,
tempos que remontam a escravidão negra.
E que de uma forma ou outra este laço
se mantivesse. Lilibete olhava para Dona Rosa que por momento algum não se deu
o trabalho de levantar ou mesmo olhar para ela enquanto conversaram. E não
poderia deixar de pensar, na frase irônica proferida pela velha senhora: ‘’―
Ás vezes pessoas parecem flores!’’ Logo Lilibete conclui o óbvio, aquela
velha senhora conservadora como era, mas parecia ter parado no tempo: sim
pessoas são frágeis, selvagens, imprevisíveis, doces, breves e também cheias de
espinhos. Que nossa passagem por aqui é breve, um lampejo apenas, neste ponto
as duas mulheres tão diferentes entre si concordavam. E Rosa de Sousa Andrade
trajando seu macacão cor-de-rosa com seu tom de voz deixava bem claro para
Lilibete: Aquela mulher a
detestava.
― O que veio fazer aqui menina?
― O Gustavo está me esperando!
― Sabe que não gosto desse tipo de
coisa na minha casa menina, e não gosto mesmo!
E
aquele namoro entre o neto da poderosa Rosa de Sousa Andrade com Lilibete
Caetano era mais que um ‘’caso amoroso’’ entre as duas famílias. Histórias
recheadas de romances proibidos, filhos ilegítimos e amores velados, e pura
hipocrisia de uma cidade provinciana e interiorana. Gerando um ciclo de amor e
ódio que parecia não ter fim, entre as duas famílias. Coisas que remetem ao
tempo em que pessoas vindas da África eram vendidas em mercados públicos. E ao
se reconhecerem e mais tarde se conhecerem na faculdade de direito Gustavo e
Lilibete começarem e terminarem o namoro por várias vezes. Dona Rosa sempre
atenta no que acontece na família, tinha motivos para se preocupar. Não bastará
ver o neto Gustavo se envolver e, mais tarde presidir o Centro Acadêmico de
Direito, com suas greves e passeatas. Agora esse caso do neto com uma negra
filha da empregada, e pior de tudo uma Caetano. Aquilo era demais para a velha
e conservadora Rosa Sousa Andrade. Não bastará o escândalo ficar muito
sepultado, mas ainda vivo na cabeça de algumas pessoas. O escalo velado que
Rosa e Adélia eram irmãs por parte de pai, tais coisas vez ou outra surgiam e
ressurgiam. Para Rosa aquilo mais parecia um pesadelo sem fim, uma maldição
que pairava entre os Sousa Andrade que os unia aos Caetano. Uma união que ela
jurava não atingir sua geração e gerações futuras, e mandar os filhos estudarem
fora da cidade e até no estrangeiro, por exemplo, não foi o bastante.
― Nós vamos nos casar Dona Rosa! E
não há nada que a senhora possa fazer a respeito! Diz a Lilibete incisiva.
Ambos não sabiam, mas ao se casaram mesmo anos depois, mais que uma união entre
famílias aquilo fora um acerto de contas com o passado. E sim pessoas são como
flores como disse Rosa Sousa Andrade: breves, delicadas e insistentes no dom de
renovar à vida.
Samuel da Costa é poeta e contista em
Itajaí, Santa Catarina
Contato: samueldeitajai@yahoo.com.br
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