Por Clarisse Cristal (Balneário Camboriú, SC)
—
Chega? Já se deu por satisfeita por hoje, senhora Fá Rodrigues Butler? —
Sibelly Lopez soprou no ouvido de Fá, ambas estavam no outro lado da rua,
contemplando os cinco corpos sem vida no chão e três homens, que trôpegos,
corriam em desespero pela rua a baixo.
—
Por hoje sim! Tenho uma festa para dar, bons amigos para receber e uma filha
pequena para pôr na cama. No mais, não fiz nada de errado, estas pobres
criaturas são nada mais, que reles joguetes nas mãos do destino. Pessoas boas
estão dormindo, em uma hora desta, pelo menos deveriam estar penso eu. — Fá
sorriu por dentro enquanto falava e olhava para os corpos, sem vida a poucos
metros delas. — A caçada terminou, já peguei o que bem queria, depois negra
ninfa, acertamos as nossas diferenças, em outra hora em outro lugar. Não aqui
bem no meio da rua.
— Verdade anjo negro! Na rua, não é mesmo um bom lugar, para darmos espetáculos, mais tarde falamo-nos. Mas, sabes que temos muito o que conversar!
Fá
Rodrigues Butler não andou muito para chegar em casa e deixar a cena trágica
que se desenrolou a pouco e deixar a figura trágica Sibelly Lopez para trás.
Parou por poucos segundos apenas, na entrada conjugada das imponentes torres
gêmeas Kitanda e Xoclengue, entre as duas piras em chamas eternas e adentrou.
Ela passou por elas e as chamas das piras se acenderam ainda mais, uma chama
azul na pira a esquerda e uma chama amarela na direita subiram aos céus,
pareciam querer transcenderem o cosmo. Fá sentiu seu negro arco-íris despontar
dentro dela, com todas as forças do universo, era a glória dos deuses imortais
eminentemente diante dela por fim. Enfim o gosto da liberdade, mesmo que
efêmera, tive o seu devido efeito na dama da noite, depois ela sabia que iria
arcar com as consequências, que inevitavelmente viriam e não muito tarde. Mas,
ela não pensou muito nisso, agora tinha uma festa para dar e sagra a deusa de
ébano era premente, pelo menos um pouco.
Ela
adentrou no hall do prédio, de forma imponente passou por três seguranças bem
vestidos com ternos à italiana, duas zeladoras limpavam o chão de mármore Nero Marquina
com seus tons escuros e abundantes veios brancos. Passou também pela
porteiro velho e decrépito sentado por detrás de balcão imponente e seus
telefones decorativos. Todos sequer pensaram em olhar para a moradora ilustre,
ou mesmo dar lhe um boa noite. Todos simplesmente evitaram olhar nos olhos
famintos de Fá. Ela parou entre os dois elevadores privativos que eram
separados por alguns metros. Um levaria a dama da noite para casa, agora o
outro iria direto para o salão de festas. Ela decidiu tomar o elevador de acesso
ao salão de festa da torre Kitanda, ela não queria ver a velha mãe, mais tarde
a veria, mas não agora, Fá queria evitar as perturbações de sempre. Ela parou
diante do elevador, o parelho portas de mogno, ricamente detalhado, com seus
entalhes da escola barroca e a porta em ferro e bronze abriu-se sozinha. O
parelho parecia estar mais que faminto, para capturar a negra alma torturada de
Fá. Ela adentrou no elevar e ele subiu automaticamente ser fazer ruidos, um
arrepiou correu pela alma imortal dela, o alarme de Fá disparou naquela hora
extrema.
Ao
chegar até o último andar torre Kitanda, Fá saiu do elevar com um peso enorme
na costa, ela pressentiu nuvens negras se formando no horizonte. No limiar do
salão de festas, duas estátuas vivas completamente nuas, davam o tom do que
estaria por vir, cada uma em um ponta da entrada e entreolhando-se no desespero
da equidistância. Eram duas transexuais recobertas com uma leve pintura
corporal branca, olhos pintados de negro, grinaldas brancas, unhas pintadas de
vermelho vinho e completamente idênticas. Elas estavam em cima de colunas
jônicas de mármore Ebony Crystal, que mediam meio metro, estavam completamente
imóveis e pareciam sem vida. Fá passou por elas, como se elas não existissem,
como se fossem meros enfeites, peças decorativas, um prelúdio de um tétrico
teatro horror que se avizinhava.
Fá ficou parada diante das duas monumentais
portas de madeira Lignum vitae, ricamente decoradas com entalhes com
simbolismo pagã do norte da Europa. Ela ficou ali parada esperando-as que
fossem abertas, e os segundos se arrastaram e se transformaram em minutos, até
elas se abrirem lentamente. Ela, um tanto nervosa, adentrou no salão de festas
com os passos comedidos, e logo avistou um trono vazio, ao fundo e ao centro do
amplo salão de festas, em cima de uma pequena plataforma e com duas pequenas
escadarias de acesso nas laterais, a imponente peça não deveria estar ali, mas
estava. Do piso até a o fim das escadarias era recoberto com uma manta vermelha
vívida e viscosa.
—
Por onde andava a nossa mais que querida anfitriã? — A voz metálica cravou nos
ouvidos de Fá como se fosse punhais. Ela se virou e viu o coronel Moreira César
sentado em uma poltrona, estava usando um uniforme de gala da polícia militar
do início do século XlX. No colo dele uma criança de dois anos dormia
complacentemente.
—
Tire essas tuas mãos imundas dela, seu animal sujo e nojento! ─ Gritou bem alto
Fá, a plenos pulmões, em nanossegundos ela se projetou na frente do coronel e
tirou a criança dos braços do coronel. — Nunca! Mais nunca mais mesmo coloque
as tuas mãos sujas nela novamente seu aminal. Valentina minha querida venha até
aqui agora mesmo. — Era calma o tom de voz da dona da festa, mas cheio de
força.
—
Chamou madame?
—
Valentina! Leve Agnes até os meus aposentos, na torre Xoclengue, leve-a agora
mesmo. — E passou a criança, que ainda
dormia, passou das mãos da mãe para as mãos da governanta — Fique com ela, até
a festa terminar e não quero que mais ninguém chegue perto dela hoje e também
que você não saia perto dela hoje à noite um só minuto. Fique ao lado dela a
noite toda, não saia do lado dela um segundo que seja. Me ouviu?
—
Mas senhora e a festa? Tenho tantas coisas para providenciar ainda...
—
Vá! E agora mesmo! É uma ordem!
A
serviçal saiu com a criança no colo em direção a saída lateral do salão de
festas, enquanto a dona da festa a seguia com os olhos atentos.
—
Moreira César agora é com a gente — Falou com fúria assassina ao voltar-se os
ferinos olhos verdes para o militar, esse que parecia se divertir com a coisa
toda. O homem deixou a postura debochada de lado e ergueu e postou como um
militar graduado que era.
— Espero que não tenhas aprontado das suas
hoje. Espero que não tenhas recoberto as ruas da minha cidade com sangue de
novo. Custa muito caro apagar as suas pegas, os seus rastros pela cidade afora,
toda vez que tu resolves passear ou dar uma festa deste tipo. Esse pulso
magnético chama muita atenção de muita gente.
—
Baixe o tom da tua voz coronel, estás na minha casa e não lhe devo satisfações
dos meus atos. Pelo que sei, estou fazendo um bom trabalho, que aliás deveria
ser teu, eu faço um bom trabalho sinal. E vai acabar quando tiver que acabar,
esses como é que vocês chamam mesmo….
—
Pontos nulos no céu!
—
Isso mesmo, são provas contundentes das insignificâncias de vocês. Chega
coronel, não vou debater amenidades com você, não hoje. Chega tenho mais o que
fazer. Ela
deu as costas para o coronel, mas no fundo ela sabia do terreno pantanoso que
estava se metendo, e ela intuiu, se uma peça insignificante como aquela ousou
enfrentá-la é porque vinha coisas ruins por aí.
Ao
caminhar pelo salão de festas, Fá sentiu uma viscosidade brotar no chão, ela
olhou para baixo e viu uma camada fina de sangue fresco e o um forte olor de
cobre, era um mal sinal, que denunciava
que a rainha de ébano estava no recinto. O alarme de Fá estava ligado em alerta
total. Ela olhou para o enorme salão vazio e de repente não muito longe estava
uma banda de jazz se aprontavam para tocar no pequeno palco. Fá reconheceu as
figuras, que outrora estavam esquálidas na viela escura, que ela deixará no
chão há poucos minutos passados. A banda estava usando ternos brancos e com gel
no cabelo e sapatos lustros um guitarrista, um contrabaixista, um baterista e
por fim duas mulheres vestida elegantemente dividiam o posto de vocalista da
banda. Em um instante os músicos ficaram estáticos, mudos, como se fossem
estátuas vivas antes de começarem a tocar. Sim, era obra de Sibelly Lopez,
pensou Fá, assim como os dois seres andróginos postados na entrada do salão de
festas. O sangue fresco no chão desapareceu por completo, sem deixar vestígio
algum e um forte olor da negra flor halfeti tomou conta do ar. Era ela o tempo
todo, operando nas sombras como de costume, Fá Rodrigues Butler desejou o
impossível naquela extrema. Ela desejou ardentemente, que a soberana deusa de
ébano estivesse morta àquela hora, ou simplesmente, desaparecesse no ar, que
ela fosse chorar suas mágoas eviterna em algum canto escuro de uma dimensão
qualquer, que fosse para outra perdida e esquecida por fim. Mas a realidade
imposta era bem outra, e Fá procurou-a em toda a parte, em desespero, foi
encontrá-la na janela oeste do salão de festas e estava olhando para baixo.
Muito apavorada Fá Rodrigues Butler se aproximou furtivamente da deusa de
ébano.
— Ponto nulo no céu! Que coisa mais
ridícula, não acha minha cara? Fá minha querida amiga como estás? — Sibelly
olhava da janela para quatro corpos enfileirados, com os braços aberto, em cima
de grade de um muro, os quatro olhavam para o alto da torre Kitanda. — O teu
senso de humor é atroz, Fá minha querida, você passou de todos os limites desta
vez. Mesmo assim adoro o seu estilo, minha querida!
—
Não me ameace Sibelly, não aqui na minha casa! — Fá levantou a voz, mas de
repente lembrou-se de quem estava na frente dela. A imagem de Sibelly elegante
e delicada é substituída na mente de Fá, em uma mulher trajada de uniforme
militar surgiu empunhando uma AK-47 em uma mão e na outra uma pistola Tokarev
TT-30 que olhava para com sede de sangue nos olhos. Depois ela estava semeando
um campo com as mortíferas Mina-S, as temidas minas antipessoal terrestres
alemãs, como se não fosse nada.
Ela mirando e disparando em um tanque Merkava com um lança granadas RPG-7 e
depois logo marchando pela neve no Sibéria, depois no deserto de Gobi sempre a
frente de uma coluna de soldados. Sibelly em meio a bombas explodindo, colunas
de fumaças, gritos de horror, choros desesperados e corpos ensanguentados. Ela
na frente de batalhão dando ordens unidas, passando a tropa em revista no meio
de uma floresta úmida.
Fá dá um passo para trás com um medo
abissal de Sibelly, Fá jamais tivera tanto medo antes, mas agora estava
aterrada. O pavor povoava
todo o seu cerne mais que profundo, ela levantou a mão esquerda e tentou
apontar para a mulher na frente dela, mas não conseguiu. Uma força poderosa a
fez abaixar a mão, e balbuciou algumas palavras incompreensíveis, que morriam
na boca de Fá, em vez de falar, ela escutou a outra proferir tranquilamente:
—
Nunca! Mais nunca mesmo, se esquece de quem somos e do quem você é. Se nós
desafiemos de novamente, sua estúpida, não serás destroçada, pura e
simplesmente em praça pública à moda antiga, te juro com todas as minhas
forças. Será um pesadelo, bem pior do que a tua débil mente infantil poderia
criar e acreditar sua.
Outra
imagem foi projetada na mente de Fá, Agnes adulta, completamente nua, estava em
uma pira de sacrifícios deitada. Agnes estava ornada com vestes brancas de puro
linho. Homens com uniformes nazistas de alta patente adentram no que parecia
ser uma câmara de sacrifícios humano, eram cinco e, estavam com os rostos
cobertos por uma escuridão sobrenatural. Fá intuiu com pesar no coração, que
fossem os mesmos, que ela vira na rua a pouco menos de uma hora surrando os
três moradores de rua. A sala iluminada à meia luz por primitivas tochas, mas
Fá pode ver o sorriso de satisfação nos lábios de Agnes. E por mais que se
tenta Fá não conseguiu ver os olhos dos oficiais nazistas, só o que pareciam ser
as bocas e narizes, eles não sorriam e nem falavam nada. O oficial de maior
patente elevou no ar um athame, o objeto cortante emanou um feixe de luz que
cegou Fá. Ela aterrada, voltou para a realidade presente, Sibelly Lopez havia
desaparecido e na frente dela, só o vento frio da janela aberta, o céu
encoberto por nuvens negras e raios que de instantes em instantes rasgavam o
céu.
—
Maldita! Malditos todos! — Fá gritou a plenos pulmões e jogou no chão uma taça
de champagne, que surgiu nas mãos dela sem ela o saber como. A fina peça,
delicadamente entalhada artesanalmente, de cristal Bohemia se se espatifou no
chão de mármore, chamou a atenção de todos ali presentes. Fá não se espantou em
ver o enorme salão de festas com os convidados que se materializaram do nada,
outra obra de Lopez considerou a dona da festa. A jovem senhora calculando, o
profundo mal-estar, causado pela desagradável cena, ensaio um sorriso e mil
pedidos de esculpas. Ela sorriu e voltou-se para a pequena multidão, que olhava
para ela atônitos. E ela levando as mãos ao alto bateu palmas e disse bem alto:
—
Vamos à festa, a banda… E a banda? Toquem meus caros, toquem!
A
fina flor da classe artística provinciana, da pequena cidade portuária, estava
toda lá, uma pequena massa de rebeldes locais, de toda a ordem, estava presente
na festa de Fá. De pintores, músicos, artistas plásticos, tatuadores de certo
renome, editores revistas de arte e literatura, escultores, donos de jornais
independentes, professores universitários progressistas, badalados disc
jóqueis, web designers, escritores independentes, produtores e artistas de teatro, ácidos diretores e produtores de TVs e
rádios, críticos literários, músicos de relevância local, designers de moda,
donos de galerias de arte e toda a sorte de espíritos livres que gravitam no
meio artísticos e cultural da pequena cidade e cercanias, pessoas toleradas
pela velha elite conservadora.
Os
garçons, garçonetes e todos os convidados formaram um corredor humano, diante
de Fá, os poucos convidados desavisados acresceram o corredor humano. A
anfitriã viu no fim do corredor o trono, e lá estava ela, Sibelly Lopez, toda
dona de si, segurava um respiro do narguilé na boca. No alto do trono, acima
dos mortais, a deusa de ébano então sorriu para Fá. Elevou-se do trono e bateu
palmas, todos ergueram as taças e copos em suas mãos, olharam para Sibelly
Lopez e em uníssono saudaram: — Salve a rainha da noite! Salve a deusa da
escuridão!
Fá
não teve escolha, atravessou o corredor humano lentamente derrotada, ela olhava
para belíssima mulher negra majestosa sentada em um trono. Sibelly Lopez evitou
olhar para a outra que se aproximava, a mulher postada no trono de mármore era
a expressão máxima do poder encarnado e tinhas os olhos frios de uma déspota
cruel que iria proferir uma pena de morte. E quando Fá naquela hora queria que
seu coração para- ao se ajoelhar diante do trono.
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