Revista literária virtual de divulgação de escritores, poetas e amantes das letras e artes. Editor: Paccelli José Maracci Zahler Todas as opiniões aqui expressas são de responsabilidade dos autores. Aceitam-se colaborações. Contato: cerrado.cultural@gmail.com
sexta-feira, 1 de julho de 2016
LUZ DE VELA
Por Ridamar Batista (Presidente da ALB, Anápolis, GO)
Eu gosto da luz de vela
tem cor de penumbra
lusco-fusco, por de
sol
é assim meio lacunosa
incerta,
cheia de mistérios
dança leve,
suave e sinuosa
brinca com a mente da
gente
parece idas e
chegadas
tardezinhas e
madrugadas
amarelada a chama sem
graça
pede desculpa por ser
assim
toda desconfiada,
meio abandonada.
Eu gosto da chama da
vela
faz voltar no tempo
do faz de conta,
belas histórias
contadas
meu mundo do nunca
mais.
DOCE CONDENAÇÃO (A VIDA)
Por Ridamar Batista (Presidente da ALB, Anápolis, GO)
Já fui moca, manca, gaga
já andei descalça, sem calças, sem graça
conectada e desconexa
aries, leão e sagitário
já fui até peixes, que tormento
um pouco homem carregando peso
mulher carregando barriga
já fui até miss
bonita, menina-moça
cheirando a flores de laranja rosa
já fui leprosa, andrajos rotos
já atravessei os mares e as marés
já me cortaram os pés
tudo isso envolta neste mesmo traje
a carne, o corpo o sopro
de Deus!
Gosto de cozinhar
inventar temperos
ervas e cheiros
gosto de viver a vida
sem ser sabatinada
viajar todos caminhos
ir sozinha pelas estradas
andar por dentro de mim.
CHUVA DE OUTONO
Por Ridamar Batista (Presidente da ALB, Anápolis, GO)
A chuva de outono
é diferente, imprudente
esfria os pés, a cabeça
o coração fica gelado
é fina, sem graça e sonsa
vem sem avisar
abre caminho, faz rota
deixa o inverno chegar
e depois vai embora
leva o sereno, o orvalho,
o chuvisco e deixa a seca
bebendo o restinho da água
que a chuva trouxe
e se arrependendo
levou consigo de volta.
DOS MEUS GOSTARES
Por Ridamar Batista (Presidente da ALB, Anápolis, GO)
Então! vou lhe dizer
do que mais gosto
Fácil assim simples demais
tomar um copo de garapa gelada
de vez em quando
Comer pamonha pura
quente, morna ou fria
com café quente
Licor de pitangas
mais pelo cheiro que pela cor e sabor
chupar picolé de cajá com sal
conservar amigos e cantar
andar descalça, tomar banho de chuva
olhar para o céu e contar estrelas
assobiar para ouvir o Bem-te-vi
respondendo-me e rindo
de meu desafinado som
nadar em águas mornas, frias ou quentes
gosto de cerveja, muita
peixe frito pescado por mim
Comer pequi em novembro
fazer filhos em fevereiro
beijar meus netos o ano inteiro
ver o por do sol, a lua cheia
chuvas de estrelas
relâmpagos e trovoadas
rancho de palha, fogão de lenha
muita gente querida, dar risadas
fazer doce de tudo
não fazer nada
ler, ler e ler
porque amo as letras tanto
que sou grafóloga
fechar meus olhos para ver
tão longe e tão claro
que nunca consigo
sem esta proeza, enxergar
brincar com tintas e cores
enfeitar a casa, deixar tudo limpo
e depois fazer bagunça.
SUBSTANCE
By Pedro Du Bois (Balneário Camboriú, SC)
(Marina Du
Bois, English version)
I translate
(words are gifts)
the
immortality (collected works)
in result
(illusion of hope)
of rythimic
verses (eloquence)
in
understanding I redo gestures
and
designate myself the first (only species)
to expand
articulated sound
I know
nothing: I know from the planet
digged
fragments (history
in
superimposed spaces: remains)
opposed in
coordinated efforts
I am
condemned to endeavor (bellicose
lying
warrior stregth
from
failure before the eyes).
MATÉRIA
Por Pedro Du Bois (Balneário Camboriú, SC)
Traduzo (palavras são presentes)
a imortalidade (obra reunida)
na consequência (ilusão da espera)
de versos ritmados (eloquência)
no entendimento refaço gestos
e me digo primeiro (única espécie)
a expandir o som articulado
nada sei: conheço do planeta
fragmentos desenterrados (história
em espaços sobrepostos: restos)
contrário em esforços coordenados
estou condenado ao esforço (força
belicosa guerreira mentirosa
do fracasso ante os olhos).
TIMES
By Pedro Du Bois (Balneário Camboriú, SC)
(Marina Du
Bois, English version)
I stifle
the will
drowned in
tears
I dissemble
the hour
broken
stateless I
recognize in space
the cummer:
I do not settle myself
I drown my
will
disguised
in silence
suffocated from wait.
TEMPOS
Por Pedro Du Bois (Balneário Camboriú, SC)
Sufoco a vontade
afogada em prantos
disfarço a hora
partida
apátrida reconheço no espaço
a companheira: não me instalo.
afogo minha vontade
disfarçada no silêncio
sufocado da espera.
RETREAT
By Pedro Du Bois (Balneário Camboriú, SC)
(Marina Du
Bois, English version)
I back off:
the amateur song
vainly resonates
where is
the defined sound
in the
song?
Song from
the bind earth
in turns:
the fall from an angel
on the
illuminated building
I fear not
finding the promissed land
to the
prophet. Through the body insolation
I review rough edges
and from the minor building
I plummet remembrances.
RECUAR
Por Pedro Du Bois (Balneário Camboriú, SC)
Recuo: a canção amadora
ressoa em vão
onde o som definido
na canção?
Canção da terra amarrada
em giros: a queda do anjo
sobre o prédio iluminado
receio não encontrar a terra prometida
ao profeta. Na insolação do corpo
revejo arestas ásperas
e do prédio menor
despenco lembranças.
NEGRA EM SUA PREGAÇÃO
Por Clarisse da Costa (Biguaçu, SC)
Vasculhei os rascunhos das minhas lembranças e ali estava
negra jovem. Não a cantar cantigas africanas, nem a balbuciar orações para
Oxalá, ou a girar na roda de samba com sua saia rodada, mas sim com um livro
nas mãos a pregar. Negra portadora de boas novas! Tal moça, de mãos calejadas
pregava a palavra de Deus.
Em sua pregação seus olhos brilhavam como estrelas da noite
iluminando a minha sala. Pode parecer exagero meu, ou o meu olhar poético para
aquela cena, mas seu olhar era mesmo puro brilho quando estava a pregar! Cada
palavra em sua prega à certeza de coisas boas por vim, se não a profecia da
vinda de Cristo a esperança por dias melhores.
Consigo queria me
levar com a promessa de uma nova vida. No entanto o que conseguiu foi apenas a
minha atenção. Palavras e mais palavras entravam em meu ouvido de uma forma
totalmente diferente do que ouvida por mim a ler aquele livro. Não o livro
‘’Século XX do meu querido Samuel da Costa’’ e sim aquela que por anos a fios,
não envelhece se renova: a Bíblia! A negra ao fechar o livro, fez uma oração,
nenhum ‘’Pai Nosso, ou uma Ave Maria’’, simplesmente algo do tipo: - Que Deus
esteja nesse lar! Ao partir deixou em minha sala um breve silêncio. Depois de
sua partida fiquei a perguntar-me: O que é uma nova vida senão tentar consertar
os seus erros e recomeçar por si mesmo?
PERDIDO ÉDEN
Por Samuel da Costa (ALB, Anápolis, GO)
(Para Liege Vicentthe)
Embrenho-me em ti
Deusa mística pagã
Portadora de abissais
e infinitos mistérios
Imortais e profanos
segredos
***
És nebulosa
safira
Incrustada no adro
Do céltico palácio
mítico
Que arde em chamas ad
æternum
***
És um devastador
cataclísmico
Enfurecido
A se formar no
horizonte perdido
Em almas alquebradas
Que urram em
desespero
Em tempos imemoriais
***
És o negro pelágio de
divinais loucuras
Toda nua em Hallstatt
Despida em La Tène
Pronta para me amar
Sedenta por me devorar
A ciciar diante da
lua em sangue
No mais puro e negro luar
AO PROCURAR-TE NA SIDÉREA ALCOVA TUA
Por Samuel da Costa (ALB, Anápolis, GO)
(Para Liege Vicentthe)
Saio em desespero
Parto em tua procura
Em uma jornada sem
fim
Amada minha
Não te encontrei
***
Deixo um bilhete
Na sidérea alcova tua
‘’ No cair da noite
eterna
Quero-te por inteiro
Use aquela lingerie
vermelha
E não se esqueça de
por na boca o carmim’’
***
Ao cair da nevoenta
noite
Da lua em sangue
Nossos corpos
incorpóreos
Mais uma vez
Urram
Gemem
Ciciam
Choram e dançam
freneticamente
***
Ao cair da noite
encantada
Seduzo-te dona
mística
Possuo-te por fim
MADONA DE PEDRA (EM UM SONHO PERPÉTUO)
Por Samuel da Costa
(ALB, Anápolis, GO)
(Para Vanessa Martins
DA Maia)
Não! Não partas
Antes da minha
triunfal chegada
Antes do alvorecer da
minha vida
Madona minha
Deusa mística
Que reina
soberana
No sacrossanto Eden
crepuscular
Morada dos deuses
imortais
***
Não, não penses nunca
Em me abandonar
Não me deixe só
Neste quasímodo
universo
Mais que imperfeito
Que construí somente
para mim
O meu vergel liquefeito
Paraíso sintético
Pós-moderno e mecanizado
***
Fique estática
Madona de pedra
Na espera eviterna
***
E no cair da noite
Unimo-nos por fim
E provamos juntos o
absinto
Embriagamos-nos
Sagramos juntos
O clarão negro do
saturno luar
NOSOTROS, AMERICANOS
Por Urda Alice Klueger (Blumenau, SC)
Estivera vinte dias em África, onde tudo fora ótimo, onde só
recebera gentilezas, onde todas as pessoas tinham sido simpáticas, inclusive os
lindos negros da África do Sul, que têm todos os motivos para não gostar de
branco, mas que me sorriam com doçura e calor, ao me saberem brasileira, da
terra de Pelé. Nesses vinte dias, falara português o tempo todo, com a minha
família que vive lá, com seus amigos portugueses e brasileiros, e com o doce
povo moçambicano, e tudo correra tão bem, que eu não sabia que estava sentindo
falta da América, desta nossa forte América na qual a gente presta pouca
atenção no dia-a-dia.
Dai, chegou o dia de voltar. Eu viajara com a Malásia Airlines, e vale aqui falar um
pouquinho dela: por 580 dólares, essa empresa leva e traz a gente de Buenos
Aires a Joanesburgo, enquanto que o preço da Varig, de São Paulo a Joanesburgo,
é de 1.300 dólares. Estupenda empresa, a melhor em que já viajei, com
superaviões e excelente atendimento a bordo, duas vezes por semana ela parte de
Buenos Aires em direção ao Oriente. Seus preços e sua qualidade são tão bons,
que os argentinos estão indo, em penca, passar as férias na Malásia, lotando
cada vôo de 450 lugares. Ao nos pegar em Joanesburgo, para a volta, o avião já
estava viajando há 12 horas, desde a Malásia, e duas horas e meia depois, fez
demorada escala no aeroporto da Cidade do Cabo para abastecimento e higiene da
aeronave. Saltamos todos, naquele último ponto da África que pisaríamos.
O aeroporto da Cidade do Cabo é relativamente grande, e o
pessoal se dispersou por ele. Mas dali a pouquinho as coisas começaram a
acontecer. Um grupo de argentinos, sentados na parte central do aeroporto,
desencantou um violão e começou a cantar. Dois deles, um senhor e um moço,
tinham possante voz, apropriada às nossas músicas latinas, e a música da
América começou a rolar em plena África, acompanhada pelo coro de mais umas
duas dezenas de outros argentinos.
Gente, eu não sabia, até então, o quanto a América tinha me
feito falta! Na doçura do convívio das gentes de língua portuguesa em África,
sentira-me tão bem que não parara para pensar no assunto. Ao ouvir, porém, as
nossas canções latinas, meu coração se derreteu de amor por esta nossa
esplêndida América, e então eu soube o quanto sentia saudades dela, o quanto
sentia a sua falta!
Nossos irmãos argentinos continuaram tocando por mais de uma
hora, até o vôo sair de novo, e foram o sucesso do aeroporto. Árabes com seus
olhos de águia, indianos com seus turbantes, europeus de passagem, negros e
brancos sul-africanos, todos paravam ao redor de nossos irmãos americanos,
atraídos pela sonoridade daquela música que nos fala tão de perto ao coração,
decerto intrigados com aquela estranha língua que subia aos céus africanos, e
com aquela gente de uma cor que eles não sabiam definir, aquela gente que
tinha, cada um, sua parcela de sangue do antigo povo americano, do nosso índio
que marcou aquelas caras com jeito de espanholas, mas que, apesar do jeito de
Espanha, tem uma cor nova, uma cor mate que eu chamaria de cor americana.
Naquele país onde brancos e negros não conseguem se entender,
a presença de uma gente de uma nova cor, de uma coisa nova no seu mundo,
cantando lindas e dolentes músicas numa língua estranha, decerto causava
profundas indagações. A estranheza, porém, não impedia a admiração, e depois
das primeiras músicas, aquelas gentes não-americanas, todas, começaram a
aplaudir a cada final de música, e um calor humano muito latino se espalhou
pelo aeroporto daquele país extremamente racista. O som profundo, dolente e
alegre ao mesmo tempo, que tinha suas raízes nas florestas da América,
conseguia reunir todas aquelas etnias ali presentes numa união inesperada. E
então eu soube da nossa força, da nossa força de americanos, da força deste
continente grávido de sonhos, onde tudo está para acontecer, onde se vive
voltado para o futuro, da força desta América que é capaz de reunir toda a
gente em torno de um símbolo como a sua música.
E, mais que nunca, lá longe, lá distante, amei esta nossa
América tão cheia de vida! Nunca poderei esquecer daqueles hermanos argentinos que, lá longe, lá do outro lado do mar, me
devolveram a minha América da qual eu nem sabia que estava sentindo tanta
falta!
EUROPA BRASILEIRA 4 - ASCO
Por Urda Alice Klueger (Blumenau, SC)
Estou aqui a lembrar do que me
contou o João. Claro que o nome dele não é João, pois não sou tansa o
suficiente para botar o nome verdadeiro dele e fazer com que ele incorra no
desagrado dos poderosos que poderão se armar com represálias e acabar com o
pobre trabalhador blumenauense, oficial pedreiro, que ganha a vida com
dignidade construindo as casas e os edifícios para a burguesia. João é jovem, é
casado, tem três filhinhos – com seu suado salário comprou um terreninho numa
encosta e construiu uma bela casinha também para si, fez varanda, garagem, a
mulher dele botou cortinas nas janelas, plantou roseiras na frente – a vida ia
que era uma beleza, João pensando em arranjar um cachorrinho para brincar com
as crianças, quando veio o Desastre, a Desgraça – e numa tarde de chuva, em
novembro de 2008, a
casinha e o terreno dele escorregaram morro baixo, e mal e mal ele conseguiu
salvar a família. Faz algo como 105 dias que tal ocorreu, e João teve a grande
sorte de não ter que ir com a família para um dos muitos abrigos da cidade,
onde ocorreram coisas que nem se acredita – um cunhado dividiu com ele a
casinha onde morava, e lá também havia duas crianças.
Tá,
há 105 dias atrás esta minha cidade estava em tal caos que só estando aqui para
acreditar, e faltou comida na casinha onde João se abrigara. Tal não seria
problema, claro, as estradas de acesso à cidade mal davam conta de deixar
passar os caminhões e caminhões de donativos que chegavam de todo o país e do
exterior, tanta comida que agora, passados os tantos 105 dias, o responsável
pelo assunto na cidade andou informando que ainda há 200 TONELADAS de donativos
estocados. E João foi em busca de comida para a sua gente.
-
Amiga – ele me disse – perdi a conta de quantos cadastros tive que fazer aqui e
ali para ganhar algo para trazer para as crianças. Se eu conseguisse um
quilozinho de arroz que fosse já ficaria feliz – não havia mais nada para as
crianças comerem.
Pois
vocês acham que João ganhou um quilozinho de arroz? Ganhou nada! E tinha gente
ganhando carros tão cheios de comida que as rodas ficavam meio arriadas de
tanto peso! Quem será que levou tanta comida para onde?
Sei
que João e sua gente nada ganharam, tiveram que se virar com a fome, vendo
gente com carros de rodas arriadas de tão lotados passarem defronte da casinha
onde estavam abrigados. João é preto, sua família também. Será que isto tem
algo a ver? Talvez tenha, talvez não, pois também ouvi diversas pessoas brancas
me contando histórias muito parecidas.
Daí
fico lembrando de outras histórias ouvidas nestes últimos 105 dias, como o
daquele homem que estava num abrigo, e ajudou a descarregar de um caminhão
caixas e caixas e mais caixas de sobrecoxa de galinha desossada, pitéu caro e
raro, e ficou com água na boca, esperando para comer ao menos umazinha, quando
ela fosse servida, só que naquele abrigo nunca se comeu sobrecoxa de galinha
desossada. Para onde foram aquelas caixas todas? Para um supermercado, ou
talvez para os amplos congeladores de burgueses que fedem?
E
lembro mais: da minha amiga Janete (claro que também não sou tansa o suficiente
para dar o nome verdadeiro da Janete!), que é da APP de uma escola, e que faz
poucas semanas estava na escola e veio uma mãe buscar uma lata de leite para
seu bebê. Ela atendeu à mãe, deu o leite para o qual aquela criança estava
cadastrada, e juntou ao leite algumas caixinhas de água de coco. Nunca estive
naquele abrigo e não sei quem o dirige, mas foi o tal diretor (ou diretora) quem
partiu para cima da Janete: não era para dar a água de coco. Janete já teve
suas crianças, sabe que elas precisam de suplementos além do leite, e rebateu a
proibição – por que não podia dar, se era coisa de doação? Levou uma bronca –
não era para dar e pronto. Fico pensando em qual supermercado deve estar sendo
vendida aquela água de coco proibida, ou em qual geladeira de qual burguês ela
está...
São
pequenas amostras do que acontece por aqui por esta cidade de Blumenau. Se
fosse contar cada história que acabo sabendo, mil folhas talvez não fossem
suficientes.
E
agora estão jogando comida fora, comida cuja validade venceu! Quantas toneladas
estão jogando? Não sei, mas desta vez não tenho como passar por mentirosa, pois
antes de mim a imprensa radiofônica e televisiva noticiou, com as devidas
imagens e tudo – disseram-me também que saiu em jornais de papel, mas eu,
pessoalmente, não botei os olhos neles, e então não faço afirmações a respeito.
Mas o quilo de arroz que foi negado às crianças de João está lá no lixão da
cidade, e tantas outras coisas, tantas outras! Quando a imprensa começou a
noticiar, as autoridades disseram que era coisinha de nada, comidas que já
tinham chegado vencidas há 105 dias atrás. Uma ova que era! Era a comida que
foi negada a tantos Joões e tantas crianças, brancas e pretas, decerto para se
ver quem podia levar maior vantagem com o que sobrasse.
Sei
que você doou, e você também, e você outro decerto também – e não me esqueço
daquele homem de Salvador que apareceu na televisão, ganhador de salário
mínimo, mas que também conseguiu doar um pouquinho...
Sinto
asco de certa parte da humanidade que é capaz de deixar criancinhas sem um
quilo de arroz ou uma água de coco, para jogar comida no lixo depois. Ai, que
asco que sinto!
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