Por Urda Alice Klueger (Enseada de Brito, SC)
Faz dois dias que me encontrei com
a minha Infância no Bairro Itoupava Seca, perto da Eletro-Aço, e eu ia em pé na
garupa da bicicleta do meu pai! Como numa voragem, o coração me carregou no
Tempo e retrocedeu até a época em que quem vivera aquilo fora eu, e embora quem
fosse em pé na garupa da bicicleta de um pai de uns trinta e poucos anos fosse
um garoto de uns dez, espadaúdo para a idade, bem alimentado e com o cabelo
loiro espetado à escovinha, de repente era eu quem estava ali, e era mesmo meu
pai, que também teria, na época, uns trinta e tantos anos.
Então, de
repente, era como estar dentro de um filme real, a infância me cercando em
girândolas, e eu, menina já de escola andando em pé no bagageiro da bicicleta
do meu pai, segurando nele com toda aquela total confiança que crianças
pequenas tem nos pais, os pés metidos em calçados “Sete Vidas”, os vestidinhos
coloridos que minha mãe costurava voando ao vento, o cabelo curto cortado pelo
barbeiro Schoenfelder, pois ninguém confiava que criança assim arteira como eu
conseguisse manter em ordem cabelos compridos, e como eu queria ter as longas
tranças da minha prima Lori Passold!
Andar em pé
no bagageiro da bicicleta do meu pai era o meu orgulho, a minha marca, já que
nenhuma outra criança andava assim! Ficava cheia de pose, arriscando passos de
trapézio, sem o menor medo de cair. Aquele bagageiro de bicicleta era como se
fosse um palco onde eu podia viver todas as fantasias, e respirando
profundamente eu as vivia na imaginação, e penso que, naquela Blumenau da
década de 1960, com seus 60.000 habitantes e suas ruas sem calçamento, não
havia quem não prestasse atenção naquela menina corajosa que não temia andar em
pé no bagageiro da bicicleta do seu pai!
Mais cedo ou
mais tarde, naqueles tempos, alguém sempre acabava dizendo, quando me conhecia
comportadamente ao lado da minha mãe, vindo da missa: “Ah! Mas esta é aquela
menina que anda em pé na bicicleta!” – e eu fazia de conta que não, mas inchava
de orgulho, por estar sendo reconhecida pela minha marca pessoal e por ter
tanta coragem!
E então, nas
segundas-feiras, que era o dia de folga do meu pai, andávamos por aí tudo,
desde a buscar tangerinas no Garcia Alto até a ir comer algum maravilhoso doce
com nata batida na Confeitaria Söcher, na cidade (ah! Até hoje chamamos o
centro de Blumenau de cidade, como o fazíamos no passado, fazendo com que os
novos moradores achem engraçado!), e para ir-se à cidade, era necessário
calçar-se os sapatos brancos de Nugget e as meiazinhas coloridas, deixar de
lado os “Sete vidas”! Nossa Rua XV já era calçada de paralelepípedos (guardei
um lá em casa, quando fizeram o novo calçamento), e por aquela pista tão
moderna meu pai disparava de bicicleta e o vento zunia nos meus ouvidos,
enquanto, de pé, me apoiava com toda a confiança nos ombros dele!
Então, faz
dois dias, encontrei-me com a minha infância na rua de asfalto lá perto da
Eletro Aço! Aquele menino e o pai dele eram como eu e o meu pai, e apressei o
carro, no movimento congestionado, para ver direito como era aquele pai, pois
talvez fosse o meu! O menino eu via bem, e é claro que devíamos ter coisas em
comum, e assim pelas costas aquele pai tinha a vitalidade e a idade que o meu
teria quando eu era criança – mas o trânsito não me deixou emparelhar com
aquela bicicleta que, em conluio com o Tempo, fizera com que eu fosse como que
abduzida para o Passado! Acabei por ter que me contentar em me manter em
harmonia com o fluxo de automóveis e ver a bicicleta com a minha infância
disparar lá para a frente, quando a sinaleira fechou. Não consegui ver o rosto
daquele ciclista que talvez fosse o meu pai!
Ficou a força
das lembranças, no entanto, e toda a torrente de emoções que veio com elas!
Como os canais de comunicação com o Tempo e o Espaço ficam livres e cheios de
sensibilidade quando a gente é feliz!
Blumenau,
22 de julho de 2006.
Nenhum comentário:
Postar um comentário