Por Urda Alice Klueger (Enseada de Brito, SC)
Disseram-me
que ele morreu com 88 anos – deve fazer, portanto uns 60 ou 70 anos que aquela
horta existe, bem na esquina da Alameda com a rua Coronel Vidal Ramos, que antigamente se
chamava rua Paraná. Faz duas semanas que ele morreu – chamava-se Arno Zendron,
e eu o conhecia de vista desde criança. Pertencia a uma família longeva – é de
estranhar que não tenha completado o século, como outros dos seus irmãos, mas
há que se convir que 88 anos também é uma idade respeitável.
Seu Arno
Zendron morou quase naquela esquina que citei acima por toda a sua vida – disse
quase, porque ele morava um tanto fora da esquina – quem morava na esquina era
a sua horta.
Faz uns 30
anos que comecei a prestar atenção àquela horta. Trinta anos atrás Blumenau
crescia, sumiam as vacas de atrás das casas, novas gentes, novas caras e novos
costumes vinham fazer ninho na nossa cidade. Apareceram os supermercados, com
vidros resplandecentes e espelhos nos seus setores de hortifrutigranjeiros;
apareceram os frangos congelados e resfriados nos longos balcões de vidro,
apareceu o leite “de pacote”. Paulatinamente, as hortas de Blumenau foram
abandonadas; já não se criavam mais galinhas atrás das casas, venderam-se as
vacas.
O símbolo da
resistência dos tempos antigos, em Blumenau, era a horta do seu Arno Zendron:
no centro da cidade, em área nobre, que ia, aos poucos, sendo rodeado por
edifícios de apartamentos, ela resistia, e tinha de tudo: a cebolinha, a salsa,
as cenouras, a couve-flor, a alface, o aipim. Agora de cabeça não lembro bem
das árvores, mas acho que há algumas bananeiras, um pé de pêssego, ralas
árvores que não deveriam tirar o sol das hortaliças. Galinhas também andavam
por lá; eram poucas, mas de vez em quando as havia, bem como se o tempo não
tivesse passado, bem como se ainda se vivesse nos tempos da colonização, antes
que o mundo tomasse o ímpeto de transformação que acabou tomando. Eu prestava a
maior atenção naquela horta; sabia, o tempo todo, o que ela representava, e que
ela era a última.
Faz poucos
dias que soube que o seu Arno Zendron tinha viajado para outras plagas. Fui lá
olhar a horta, então. Ela já está um pouco descuidada, com capim crescendo nos
canteiros, bem como fica uma horta antes do seu último suspiro. Enquanto o seu
Arno esteve doente, ela começou sua despedida. Penso que ninguém irá
ressuscitá-la, que está irremediavelmente condenada à extinção, para dar lugar,
daqui a pouco, a um outro qualquer edifício de apartamentos.
Chegou ao fim
a última horta do centro de Blumenau. É como se tivesse acabado uma antiga
resistência. É muito triste.
Blumenau,
30 de Abril de 2002.
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