LUIZ FELIPE FALCÃO
Diário
da Pandemia – dia 29
14.04.2020 – Terça-feira – Por Urda Alice Klueger (Enseada de Brito, SC)
Vinte e nove
dias depois que começou esse “cativeiro” vem a pior notícia que se quer ouvir:
partiu Luiz Felipe Falcão, professor doutor em História, alguém que me marcou
mui profundamente lá no passado e que, com certeza, marcou a muitas outras
pessoas mais. Felipe foi um dos mais fascinantes professores que tive, e estive
pensando, nos dias passados, o que mais me fascinava nele, e era essa coisa de
holismo histórico, aquela capacidade única de concentração e de foco, que fazia
com que olhasse para a História como um todo, algo que ele sabia observar de
qualquer ângulo com a familiaridade de algo muito íntimo, o que fazia com que
costurasse e tecesse a História como um mago que tem seu mundo secreto como uma
grande caverna de luz rósea que lhe habita o coração. Não sei por que a luz era
rósea, mas é assim que a vejo agora.
Felipe, mago
da História, não teria 70 anos, e era alguém como eu gostaria de poder chegar
aos pés. Partiu às dez horas de hoje, embora eu só tenha sabido há pouquinho,
cinco horas depois.
Vi muitas
palestras com ele; vi longas aulas que duravam um dia inteiro, em tempos de
especialização, e nunca, por um segundo sequer vi-o perder o fio da meada do
que falava, mesmo quando havia intromissões que mudavam o assunto e o tempo e
que davam uma reviravolta de mil ou dois mil anos na sua fala, ele não saber
como continuar a partir das intromissões. Um gênio como professor; um encanto
como amigo, um ser humano ímpar. Quando soube que eu pretendia fazer um
mestrado, propôs ser meu orientador, e quantas vezes eu peguei meu carro em
Blumenau e fui até Itajaí para conversarmos! Eram conversas compridas, lá na
Univali, coisa assim de umas quatro horas a cada vez, paciência infinita dele,
a desdobrar seu sonho de orientação: ele queria muito orientar uma pesquisa
sobre os imigrantes do século XIX para Santa Catarina, o que não era exatamente
o meu sonho: o coração me pedia que eu pesquisasse os sambaquianos. Um dia
peguei meu carro e fui de novo a Itajaí.
- Felipe –
disse. – Não vai dar. Tenho que ficar com os sambaquianos. Venho te pedir
desculpas e pedir que me cobres por todas essas horas que investiste em mim.
- Não dá,
não dá. Não tem nada para acertar, não.
E assim,
Felipe não foi meu orientador de mestrado, mas foi orientador de vida, com
certeza. Dói muito muito saber desta notícia, hoje.
Acho que
vale falar aqui, também, de como Felipe era bonito. Minha mãe ainda era viva,
então, e ela acompanhava muito de perto o que acontecia no meu envolvimento com
a História. Então eu ia à casa dela e contava:
- Sabe, mãe,
aquele professor que é o máximo, aquele que eu falo sempre, aquele bonitão?
Mãe, pois ontem ele estava com uma blusa de tricô de lã branca que o deixava
tão, mas tão bonito... – e minha mãe curtia, também, o fato de eu ter um
professor assim fascinante.
Que dizer
mais, Felipe? Desejar-lhe boa viagem, acho. Eu tenho cá comigo que a gente
voltará a se encontrar...
Professor Doutor Luiz Felipe Falcão
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