terça-feira, 1 de maio de 2012

A UM DIA DA ETERNIDADE


Por Luiz de Miranda

Para onde vou não há retorno,
os ventos zunem nas distâncias,
nas lonjuras mais ermas.
Estou a um dia da eternidade.
Mas há ainda um ranger de dentes
                         das plenas rebeldias.
Teu amor não vem,
                          teu amor vem tarde,
como a paisagem da janela de um trem
                                    já não vem.
Teu amor
             amortece
              na mesa vazia de um bar.
Esguia e bela,
                   somes nos nomes
que a paixão não traz.
O que bebo é vinho
                         e ventania,
loucura dos santos,
que se perderam na procura
                do que nunca tive.
És bela,
           o desejo é belo,
                                   e basta.
Longe de casa,
                    eu moro na rua Lima e Silva,
em Porto Alegre,
                       no fim do mundo.
Só o coração compreende,
que a paixão não traz,
o barco da ternura jaz,
neste rio Uruguai
da minha vida inteira,
correndo para o Mar del Plata,
onde ainda se ata
a dor da vida e a dor da morte,
linho na bruma da manhã,
metade sonho, metade morte,
apenas um cesto de romã.
Um dia irei além do impossível,
serei ainda o barco de um só rio.
A nudez é plena,
                      a nudez da água navega.
Quem me conhece pensa que sabe,
mesmo assim, não sabe
da solidão da porta dos hospitais,
                onde nunca entrarei.
Prefiro a morte súbita,
alma voando,
             num repente,
um breve momento,
frente a Deus.
Tudo é solitude.
nos descampados da pampa,
minha lei e minha origem.
As flores crescem para além
dos muros da minha cidade,
liberdade
         em tudo o que arde.
Serei o que sonhei,
a mil anos daqui.
              Serei,
como a pérola
              que vive encantada
na sua concha,
              no fundo do mar.
Irei ao mundo,
como fui um dia
               à escola.
Só os deuses
            entendem dormir
entre estrelas,
e acordar sem elas
               e poder vê-las
em cada vão da tarde.

Porto Alegre,RS, noite de 21 de março de 1998.

(Do livro "Quarteto dos Mistério, Amor e Agonias", 1999. Considerado obra prima, no prefácio que faz Gerardo Mello Mourão, único brasileiro indicado ao Nobel de Literatura, el 1979, pela Universidade de New York)

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