sábado, 1 de agosto de 2015

SANTOS E TAMBORES EM MINAS GERAIS

“O negro rico é branco, o branco pobre é negro[1]”. A luta de cores e prestígios entre santos e tambores no Centro Oeste de Minas Gerais"

Por Erivelta Diniz (Divinópolis, MG)

(Historiadora e pesquisadora da religiosidade popular do Centro-Oeste de Minas Gerais)


Muito mais que uma demonstração  de ódios raciais, e muito menos uma revolta contra a sociedade, a igreja negra do século XVIII ganhou sua dimensão dualista. Num momento em que as minas de ouro ofereciam, modificavam a hierarquia social caracterizando e classificando muito mais as pessoas.
Nesse sentido, a transformação da mentalidade dos homens negros germinou um canal de “ascensão do negro”, de mulato rico para sua transformação em branco, debilitando as imposições agressivas da Igreja Católica. Fortaleceu ainda mais seu catolicismo como uma atividade social. Segundo Gilberto Freyre, um “catolicismo mais social que místico”[2], mais como uma grande organização terrena, onde se podia colher os frutos,  e vivenciar de fato a Igreja como uma instituição de fé,  e não somente de  coroações  celestes".
Foto 1 - Mastro de São Domingos e Nossa Senhora do Rosário, Itapecerica, MG.

Contudo, as religiões afro-brasileiras só podem ser entendidas nessa duplicidade: de um lado os efeitos da estrutura senhores e escravos, onde a luta das raças estava refletindo na estrutura social. E, o outro ponto essencial da conseqüência da divisão das classes em interesses e crenças que estabeleceu o chute inicial da nova estrutura de classe dos negros, as criadoras de várias formas sociais.
A organização africana introduzida na sociedade global é protegida pela distância social entre as cores, onde o dominante prevalece os valores culturais e as representações dos grupos do homem branco. Aqui nesse momento acontece o processo de entendimento de culturas e trocas de civilizações dentro de uma  realidade sociológica. Mesmo os negros sendo em números menores nas participações dos cultos dos brancos, era inegável as influências de uma religião sobre a outra. Sobretudo, porque o negro viu  que no catolicismo do Deus Supremo, que estava no Céu, “transcendente”, que para se chegar até ele era necessário passar por toda uma escala dos intercessores, a Santíssima Trindade; Pai , Filho, Espírito Santo; a Virgem Maria e depois pela interminável fila do exercito celestial, os santos.
Foto 2 - Bandeireira, Perdigão, MG.

Afinal, nem mesmo os Vodus, Orixás, Olorum e Zambi, deuses africanos conforme cada nação, foram capazes de salvar os infelizes contra o tráfico dos navios negreiros, somente os santos católicos das classes mais poderosas efetuaram essa organização em todo seu contexto. Logo, os escravos acrescentaram por força maior a “grande magia” subtendida, e  toda poderosa dos ritos católicos.
Essa coagulação de crenças aqui em Minas Gerais fez surgir à representação do Ciclo do Reinado, que se perpetua desde o século XVIII. Festejado entre os meses de maio a outubro de cada ano.
Reinado corresponde ao “tempo de mandato do governo de um soberano, de um imperador ou de um rei”[3]. É uma grande festa correspondente à fase do poderio dos soberanos africanos, Reis, Rainhas, Príncipes e Princesas. Uma reprodução do início ao fim de um mandato de uma Realeza. Encerrando todo o ciclo com transferências de insígnias (coroas) reais.



[1] Provérbio brasileiro
[2] G.Freyre, Casa Grande e Senzala. Ed. Global. 52ª edição. P. 47
[3] Giffoni. Maria Amalia Correa . Reinando do Rosário de Itapecerica. Ed. Associação Palas Athena do Brasil. Massao Ohno Estúdio. 1989 . p. 20


No cortejo das festas em honra a Nossa Senhora do Rosário, São Benedito, Santa Ifigênia e Nossa Senhora das Mercês, cada guarda que é um grupo de dançadores acompanham as festas com história própria, paramentos, versos  e instrumentos particulares. Abrilhantam a festa com as danças, representações e ritos sagrados; sem as guardas de Moçambique a festa não tem o seu real valor.  Fundamentalmente a festa é realizada e carregada pelas guardas de Vilão, Catupé, Congo e Moçambique.  
Foto 3 - Manifestação de fé no mastro de Nossa Senhora das Mercês, Itapecerica, MG.

Ninguém sabe ao certo quando se formou as primeiras manifestações dessa natureza. Antonil, relata que já existia festas nas capelas dos engenhos em honra a São Benedito e Nossa Senhora do Rosário em 1711. São Benedito por conta da sua cor torna-se logo após a sua morte o protetor dos negros. Já Nossa Senhora do Rosário fora criada por São Domingos de Gusmão, na época dos dominicanos missionários, enviados para a África.  São resquícios que a história nos conta.
 Aqui no Brasil “foram os franciscanos quem divulgaram a devoção ao Santo Rosário”[4], mesclando o catolicismo e a religião africana.
Foto 4 - Missa Conga com reis, rainhas, príncipes e princesas, celebrada pelo frei Leonardo, ofm, no Centro-Oeste de MG.

Nossa Senhora das Mercês é invocada desde a data de princípios do século XIII, quando os maometanos dominavam parte da península Ibérica, capturando homens, mulheres e crianças que encontravam submetendo os a trabalhos forçados e à dura escravidão. Aqui no Brasil, os mercedários missionaram no Amazonas , no principio  século XVII . Penetraram no país e fundaram várias confrarias, e igrejas   aqui em Minas com a invocação a Senhora das Mercês.
O que podemos observar é a importância dessas festas para suas comunidades, representando o máximo de amor a mãe maior Nossa Senhora do Rosário.





[4] GOMES e PEREIRA. Núbia Pereira de Magalhães e Edimilson de Almeida Pereira. Negras Raízes Mineiras. Os Arturos. Ed. Maza. 2ª Edição. 2000

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