Por Urda Alice Klueger (Blumenau, SC)
(Para
meu bisavô Katzwinkel, que veio no século XIX de Kaunas, Lituânia, e para minha
prima Ivone Narloch, nascida Katzwinkel)
Se procurar
nos velhos documentos da família vou encontrar, mas a verdade é que não sei de
cor sequer o seu nome. Minha avó, que estava prestes a fazer 7 anos quando
chegou aqui, casou-se com 26 por volta de 1908 ou 1909 – o que significa que
eles vieram mais ou menos no ano de 1889... No tempo em que convivi com ela
ouvi-a falar muitas vezes nele, mas ela dizia “Meu pai”, e então nunca soube o
nome dele, mas ele é muito forte na minha vida.
Estou na
madrugada de Natal e penso nele, como pensei tanto hoje, e nos últimos dias, e
nos últimos anos, pois quando era mais jovem não chegava a me aprofundar neste
assunto. Esta é uma época em que ele fica mais forte dentro de mim, pois fez
uma coisa, no seu primeiro Natal no Brasil, que só gente muito especial teria
feito: para não deixar passar em branco o Natal das suas crianças, andou 30
quilômetros a pé de ida e 30 quilômetros de volta para, na manhã do dia festivo,
suas crianças terem a surpresa de UM docinho de Natal cada uma, escondido sob o
prato emborcado na mesa rústica de uma cabana de imigrante dentro da floresta
ainda praticamente virgem.
Quem era ele,
como era? Penso no meu pai, nos meus tios – o que teriam herdado dele? Penso em
mim: a oitava parte da minha genética vem dele, e fico a lembrar como o meu pai
era em relação ao Natal, data mágica e sagrada dentro da magia, fazendo tudo o
que estivesse ao seu alcance para que cada Natal fosse um sucesso dentro de
cada um de nós. Penso em mim e em toda esta curtição do Natal que possuo
decerto porque herdei, e que faz com que eu faça todos os ritos, todas as
comidas, enfeite a casa, mesmo que seja para comemorar a data apenas com os
meus animaizinhos, como já fiz algumas vezes, como fiz hoje.
Com meus
cachorros empanturrados de peru saí para a noite, para a beira do mar desta
enseada aonde vivo, e me sentei um pouco na beira daquela água que fica
magnífica assim de noite, com os diversos pontos de luzes no seu entorno, tanto
cá pelo continente quando mais lá longe, na ilha... Fiquei admirando a beleza
daquilo tudo e pensando nele, naquele meu bisavô que me passou esta curtição do
Natal, e me indaguei coisas: será que algum dia ele pensou que a sua filha teria
um filho que teria uma filha, isto é, eu, que em pleno século XXI estaria na
beirada do mar a pensar nele e a querer saber mais sobre aquele homem quase
estranho mas que vivia tão fortemente nela? Imagino que ele fosse um jovem
quando atravessou o grande mar-oceano num navio à vela que saiu de Hamburgo,
navegou até Lisboa e depois ficou três meses vendo só “céu e mar”, conforme
minha avó Emma Katzwinkel Klueger contava tantas vezes, pois quando se
aventurou assim sua criança mais velha ainda não completara sete anos...
Imagino que depois daquela travessia é provável que nunca mais tenha visto o
mar... O que pensava ele, o que sonhava? A luta pela vida era difícil e
perigosa, então – dentre outras coisas, com sua família, estava dentre o fogo
cruzado do genocídio Xokleng que acontecia no Vale do Itajaí, coisa tão
criminosa e abjeta que foi parar num julgamento na Corte de Haia, na Holanda –
a situação era difícil e imagino que sonhava, sobretudo, com segurança, com
muita comida para suas crianças, com uma casa mais confortável do que sua
cabana de palmitos... É provável que muita gente tenha esquecido dele, depois
da luta que foi sua vida, mas agora ele está tão vivo e tão forte aqui dentro
de mim!
Então fiquei
lá na praia, nesta noite, olhando no entorno e pensando nele, e estar ali, com
aquela água linda e aqueles colares de luzes me dava a sensação de estar dentro
de um presépio, daqueles que o Frei João Maria o.f.m. fazia na igreja de Nossa
Senhora da Glória, na Garcia, em Blumenau, quando eu era pequena, e então ficou
mais forte a sensação de que ele estava ali comigo, quiçá em mim, pois se vim
dele...
Só queria
contar que tenho pensado muito nele, naquele meu bisavô Katzwinkel que um dia
veio lá do Mar Báltico, da cidade de
Kaunas, na Lituânia. Como ele é forte em mim!
(Enseada
de Brito, 25 de Dezembro de 2016)
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