Por Severino Moreira (Bagé, RS)
O Bonifácio Lopes era um índio campeiraço, que vivia changueando,
naquelas campanhas lá de Santaninha da Boa Vista, na época distrito de Caçapava
do Sul.
Dizia ser meu parente, por eu ter, embora não assine, o sangue dos Lopes
correndo nas veias, parentesco esse até possível, pois o cuera era do tipo
“guri abandonado” e não sabia quem fora a mãe, muito menos o pai, que o tinha
botado no mundo. E se tinha nome e sobrenome, era porque um estancieiro
apiedado lhes recolhera ainda guri, batizara e lhes dera vida de gente.
Era peão pra todo o serviço, campeiro como poucos, desses acostumados a
pealar lebre a campo fora. “Dizem até” que certa feita laçou um avião em pleno
vôo e quase se “estrepou”, o que não sei se é verdade, mas sei que era carpeteiro
e assanhado por um baile, apesar de não ser de muita sorte no namoro decerto
por ser além de pobre, mais grosso que canto de galo novo.
Mas, existem dias que até o diabo amanhece à soga e a sorte vira pelo
avesso. Foi num desses dias que, num fandangaço lá na casa do Lovegildo Brião,
a chininha Edmunda, bonita de cara “e de todo o resto”, na verdade, a mais
linda das filhas da viúva Ambrósia, embora cobiçada pela rapaziada toda, foi se
derreter de amor, justamente, pelo Bonifácio, apesar de feio, grosso e
desengonçado.
A moça era, realmente, cheia de predicados, a mãe apesar de solita, tinha
pelas filhas o maior desvelo, e dentro da pobreza que a viuvez lhe permitia, as
criara a altura de qualquer filho de patrão, tal era a conduta das moças.
“E a beleza incrusive”, dizia o Bonifácio.
Fim de baile, despedidas tristes, com uma esperança baguala corcoveando
por dentro do peito, se foi o Bonifácio de volta pro rancho, assobiando uma
“coplita”, que até me pareceu entender... “Vou m’imbora, prenda minha”...
Bueno, passou uma semana e o índio andava que nem cusco à soga, num
desespero de saudade, não via a hora de pegar o rumo de Santaninha, onde dona
Ambrósia tinha um ranchinho de barro e santa-fé, erguido pela própria e as
filhas com todo o sacrifício a custa de lavados, alguma costura e a ajuda de
pessoas de bom coração que por lá nunca faltaram.
Acontece que da estância até Santaninha, se estendiam seis ou sete léguas
de chão e o coitado era mal a cavalo que dava pena, pois tinha um tordilho
velho melado, que só a mango espora e, ainda, puxado a cabresto pra mexer os
quartos de tão ruim que era, num matungo assim, ia levar uma semana pra chegar à
casa da moça, de sorte que emprestei um baio ruano, ainda, de rédea, mas cavalo
com um estado de causar inveja.
Madrugada “muy” grande foi pegar o Bonifácio já com algumas léguas no
rasto de modo que bem antes do meio dia, estava desencilhando em frente ao
rancho da viúva.
Deu uma ração bem caprichada pro ruano, passou uma água nas fuças, numa
gamela que havia ao lado de um quartinho erguido nos fundos do galpão, para as
visitas mais cerimoniosas e se chegou pro rancho pra tomar uns mates, comer uma
bóia bem caprichada, um prato de mogango com leite, pra só então “empeçar” o bendito
namoro, que se estendeu pela tarde e adentrou a noite. até que em razão do
adiantado das horas a Dona Ambrósia educadamente, temendo os falatórios, pediu
ao moço que se recolhesse aos aposentos a ele arrumados, era o dito quartinho,
lá nos fundos do galpão, onde um catre “até com cheiro de Cashemere” lhe
esperava.
Mais contrariado do que boi da verga, sentou no catre, tirou as botas e
as bombachas decidido a dormir pra mode de dar uma aligeirada na noite.
Mas, deixa estar que quando se esticou de todo o tamanho no catre, sentiu
umas reviravoltas nas tripas e com medo de algum acidente que pudesse acontecer
durante o sono, resolveu visitar as moitas.
Era noite de lua ausente, de modo que saiu do jeito que estava, só de
ceroulas, dessas feitas de saco tingido, com as tintas trazidas pelos mascates.
A ceroula tinha sido preta um dia, mas já estava parda, onde até se podia ler,
na região sul do índio, “moinhos rio-grandense”, e tem mais, o buraco menor
era, sem duvidas, o de enfiar a perna.
Pegou o rumo de um chircal, que havia nos fundos do rancho, mas ao cruzar
na porta da cozinha, escutou a conversa das gurias, e viu que vazava luz por
algumas frestas que havia nas tábuas da porta.
Não resistiu e resolveu dar uma "frestiada" no que as gurias
faziam.
Escolheu como observatório, a fresta maior que havia na porta, mais ou
menos a altura de um cabo de pá até o chão, e a cena que viu fez o Bonifácio
morder os beiços, pois estava uma das moças a cavalo em uma gamela de
corticeira, no maior descuido, dando um capricho naquelas partes, que por haver
crianças na volta não vou dizer, mas os maiores entendem bem o fundamento da
coisa. Ou a falta, de fundamento da atitude do rapaz.
O retrato não podia ser mais bonito, e o pobre Bonifácio já estava numa
tremura quando, chegou a vez da sua flor ocupar o trono daquela gamela, de modo
que nessa hora quase enfiou o olho pelo buraco.
A moça arregaçou o vestido até acima da cintura, já sem nada por baixo,
enquanto o peão já quase no limite da loucura, tentava achar um ponto de visão
que fugisse de qualquer sombra do lampião, e com isso acabou ficando com o
próprio recavém arrebitado para cima.
Foi nesse exato momento, que um carneiro criado guacho, enxergou o
Bonifácio e recuando quatro ou cinco passos para ganhar impulso atropelou
metendo uma marrada na região "sul" do coitado, enfiando com porta,
tramela e tudo para dentro, fazendo afocinhar na gamela, e com a melena roçando
o entre - pernas da moça.
Não sei se de susto, mas a moça só atinou a dizer, que tinha água num
jarro no bidê do quartinho, imaginando decerto que o namorado estivesse com
sede, até porque com o susto, ainda, não atinara que o pobre estava só de
ceroula.
Bueno, para encurtar o causo, o meu baio amanheceu na mangueira banhado
em suor, o que prova que o galope foi puxado, e o Bonifácio, mal se despediu, e
desde então, não mais foi visto. Há quem diga que anda se justando em estâncias
no Uruguai e na Argentina, enquanto que a moça mais cobiçada daquele rincão
nunca mais namorou ninguém.
Tudo por causa de um carneiro guacho e, ainda, dizem que ovelha é um
bicho abençoado. Pode isso?
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