sábado, 1 de outubro de 2011

MANIFESTAÇÃO HOMOFÓBICA EM BAGÉ

QUEM SABE A PRIMEIRA MANIFESTAÇÃO HOMOFÓBICA EM BAGÉ

Por Cláudio de Leão Lemieszek

A Biblioteca Pública de Pelotas guarda a coleção do jornal Correio Mercantil (assim esperamos, pois que recentemente aquela Casa de Cultura promoveu um descarte eliminando parte de seu acervo, fato que mereceu censura geral no meio cultural de todo o estado), que por muitos anos circulou naquela cidade.
Precisamente nas edições de agosto e setembro de 1887, foram publicados cerca de treze artigos, sob o título “Bagé há trinta anos”, de autoria de um cronista anônimo, que vindo residir nesta cidade, em 1857, teve a feliz ideia de registrar e publicar suas memórias (lamentavelmente ficaram perdidas no tempo).
Em seus comentários, aponta muitos fatos já conhecidos, tais como a fundação da Sociedade Espanhola e da Beneficência Portuguesa; o famoso caso dos terrenos de Bagé, antes pertencentes ao Barão de Bagé; a formação do 35º Batalhão de Voluntários da Pátria; a construção do Teatro 28 de Setembro, além de muitas outras interessantes e importantes passagens de nossa história, que vêm sendo apropriadamente esmiuçadas, neste ano em que se comemora o bicentenário da Rainha da Fronteira.
Aliás, é oportuno recordar, que a data de fundação de Bagé é arbitrada. Na verdade até 1955, pairavam dúvidas sobre o momento preciso em que foi criado o povoado de Bagé. Foi justamente nos congressos organizados por Tarcísio Taborda, em 1955 e 1961, em que se reuniu grande número de estudiosos da história do Rio Grande do Sul, que se chegou ao consenso de fixar o 17 de julho como o dia do nascimento da nossa cidade.
Ainda hoje subsistem incertezas sobre o tema. Nesse sentido, basta lembrar, por exemplo, que o centenário de Bagé foi festejado pela municipalidade em 1912. Também, naquele ano, a Associação Rural organizou sua exposição-feira em grande estilo e com extensa programação para assinalar o centenário da cidade. O estudo do assunto por certo desperta interesse, mas é tema a ser comentado em outro momento.
Por hora aguçam nossa curiosidade, os comentários do nosso articulista anônimo publicados no mencionado jornal pelotense, em cujas edições focaliza aspectos vários de nossa cidade. O cotidiano, o lazer, a religiosidade, o ensino, os seus primeiros comerciantes e profissionais liberais, as dificuldades administrativas da municipalidade e a certa ingenuidade dos habitantes são por demais aí comentados, permitindo, dessa maneira, criarmos um imaginário das dimensões, dos costumes e do modo como se vivia, em Bagé, há aproximadamente cento e cinquenta anos atrás.
Entre tantos curiosos assuntos que, oportunamente, voltaremos a enfocar, selecionamos o que dá título a este artigo, matéria considerada tabu para sociedades fechadas e atrasadas, mas que, felizmente, vem sendo derrubado nos dias atuais, principalmente por meio da censura pública e da criminalização da homofobia.
Conta o anônimo cronista, que, em 1858, existia na cidade um indivíduo de nacionalidade argentina que habitava um tosco rancho de palha situado próximo à bica (primeira fonte pública de água de Bagé localizada na Rua Marcílio Dias, entre as ruas Gen. Neto e Gen. Sampaio).
Essa pessoa, que se chamava Thomazia, mas era mais conhecida pelo seu apelido “Macho e fêmea”, vivia sozinha em seu casebre. Usava cabelos lisos e longos, sempre cobertos por um lenço preso ao pescoço. Pouco saía de casa, a não ser para assistir à missa dominical da qual era frequentadora assídua, pois era muito religiosa.
Procurando reproduzir, fielmente, as palavras do incógnito articulista, vejamos a história de Thomazia: “Em 1860, no dia 7 de setembro, havia parada na praça da matriz em grande gala, e Te-Deum, e, dentro da igreja a par das famílias, achava-se a célebre Thomazia ajoelhada. O finado cel. Brandão, teve a feliz lembrança de ordenar a um cabo que, quando saísse Thomazia, a prendesse e conduzisse à cadeia. O cabo cumpriu a ordem e recolheu Thomazia.
Examinada a presa pelo falecido Dr. Freitas, já falecido, do exame resultou que, em vez de ser Thomazia era Thomaz, e ali lhe foi cortado o cabelo, fizeram-lhe vestir roupa de homem, foi processado e condenado a cumprir sentença em Porto Alegre.
Eis aqui um fato que os leitores talvez julguem ser invenção, porém, é verdadeiro como poderão atestar os antigos que ainda existem”.
O destino de Thomazia certamente não seria o desejado, especialmente levando em consideração o convívio e os conceitos sociais da sociedade dos nossos dias, bastando para tanto citar nossa Constituição Federal que em seu art. 3, IV estabelece, como objetivo fundamental da nossa república: “promover o bem de todos sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade, e quaisquer outras formas de discriminação”, aí naturalmente compreendida a orientação sexual.
Seguramente, Thomazia teve melhor sorte do que muitos homossexuais dos dias atuais, que, inexplicavelmente, ainda são discriminados, surrados e até vítimas da violência letal, gerando a comoção de muitos, mas também o descaso e a injustiça de poucos. É verdade que estes são poucos, mas envergonham a humanidade, principalmente se considerarmos que muitos deles têm força para fazer justiça.
Felizmente, o Brasil, neste campo, é definitivamente um país de primeiro mundo, pois é cada vez mais visível o fortalecimento do exercício de cidadania, especialmente no que tange ao respeito à dignidade e à diferença do ser humano. Ao contrário de outras nações, que em pleno século XXI aplicam a pena de morte contra os homossexuais, em nosso país tramita, na Câmara Federal, Projeto de Lei propondo a criminalização de preconceitos movidos pela orientação sexual e pela identidade de gênero.
Nossa sociedade está cada vez mais atenta e assim vem dando um basta à humilhação, ao ódio, e à intimidação. É hora da defesa da honra e dignidade dos discriminados.

(Publicado também no Jornal MINUANO, ago/2011)

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