quarta-feira, 8 de fevereiro de 2012

TROCANDO AS ALMAS

Por Ridamar Batista

O céu tão azul como nunca havia visto, a grama verde e ainda orvalhada mais parecia um tapete persa, muito bem feito e acabado em gotas de brilhante a cintilar o brilho do sol.
Forrei o chão em baixo de uma grande árvore e me deitei serenamente com a vontade apenas de ficar em paz.
Fiquei ali um tempo bom. De repente ouvi os passos de um cavalo se aproximando. Parou bem perto de mim e começou a comer a grama verde e tenra, me parecia deliciosa.
Fechei meus olhos e deixei que minha imaginação voasse. Quis fazer uma experiência muito diferente. No silencio e no sossego total daquele momento procurei captar a alma do animal que se aproximou de mim.
Totalmente absolvida por mim mesma, relaxei.
Passado alguns instantes ou talvez milhões de instantes, não sei, senti que meu corpo num arrepio intenso como se sacudisse todo deixasse para trás aquilo que tem que ser jogado fora.
Minha boca tinha um gosto amargo de ferro com zinabre, minha língua estava dormente e seca e a garganta dolorida como se alguma coisa tivesse ficado lá dentro me impedindo de falar, comer ou reclamar, tudo isso num sentimento confuso, meu corpo em sudorese abundante parecia cansado,machucado e sem forças.
Mas ao mesmo tempo eu sentia como se um grande alívio tomasse conta de mim. Meu abdomen estava totalmente relaxado e meus órgãos internos começavam a funcionar sem opressão.
De novo uma forte sacudida me fez sentir o suor escorrer pelo corpo e eu estava totalmente inerte.
Meus sentimentos se misturavam dentro de mim, como se eu me livrasse da opressão cruel de uma mordaça, do peso imenso de uma carga imposta e obrigatória que eu não sabia entender porque me impuseram.
O que eu pude sentir foi uma grande satisfação e agradecimento por aquele alimento doce que depressa limpou o gosto amargo do zinabre que eu sentia antes.
Também meu corpo foi devagar se arrefecendo e descansando, e uma espécie de gratidão foi me invadindo aos poucos para que eu não lembrasse mais de nada e apenas pudesse viver a intensidade de ser livre e ter consciência desta verdadeira liberdade conhecida ali.
Era a alma do cavalo se transmigrando para minha alma e me deixando vivenciar o seu sentimento natural.
Tive pena. Será que ele também captou a minha alma?
Alma dos homens... alma racional.
Dos grilhões que nos sufocam a voz e nos impedem de gritar, do livre-arbítrio totalmente desfigurado e falso no qual nem sequer acreditamos na verdade, ficando sempre aquele gosto de zinabre em nossa boca cada vez que falamos uma coisa e sentimos outra.
Da escravidão que nos impele ao ódio, maldade e ingratidão, dos sentimentos negativos que nos invadem e não conseguimos nunca sacudir o pelo e relinchar contentes deixando para trás o que passou e confiando alegremente naquilo que está acontecendo de bom,agora, de tudo isso tive dó.
Talvez o cavalo ao fazer a troca comigo não tenha se sentindo bem como eu senti ao conhecer a alma do animal.
Havia paz, saciedade e fé. Foi bom abrir de novo os olhos e ver que a vida é boa, as coisas acontecem independente de nós, o tempo se completa por si só sem que possamos manipular a roda do destino.
Então para que tanta ansiedade? Minha vontade é pisar no freio, sacudir o pelo, quebrar para sempre as amarras e poder me alimentar da fonte pura e simples que floresce em cada canto.
De toda experiência vivida só não pude dar um belo relincho e soltar a voz num agradecimento profundo e forte.
Minha garganta ainda está presa.
A palavra nem sempre é entendida.

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