domingo, 1 de novembro de 2015

SOLILÓQUIOS COM O MEU EU

Por Humberto Pinho da Silva (Vila Nova de Gaia, Portugal)

Dos prazeres peculiares do avô Alberto, um, era viajar só, para o litoral paulista.
Ia sozinho, sem mulher, sem filhos, sem netos e quase sem bagagem.
Ficava na casinha pitoresca de Itanhaém: entre a praia dos Sonhos e a secular Pedra do Anchieta.
Sentado à sombra refrescante do imponente alpendre ou na luxuriante vegetação do jardinzinho: lia, escrevia, reflectia e mantinha eruditos solilóquios.
Não eram bem solilóquios, mas conversações, travadas animadamente com o outro eu. Era espiritista – chegou a ser director de jornal exotérico, – mas abandonara há muito as sessões espíritas.
Asseverava que só personalidades fortes deviam assistir e participar; os outros correm sérios riscos de contraírem medos ou graves perturbações psicológicas. Nunca levou familiares ao Centro Espírita. Excepto uma neta.
Nas interessantes conversas com o outro eu, não havia espíritos nem mensagens do Além. Eram diálogos em que cavaqueava com ele próprio, em voz baixa ou em pensamento.
Comentava o que estava a ler. Dialogava pareceres Criticava opiniões. Discorria sobre vários temas, que podiam ir da educação à violência no lar ou na via publica.
Nessas palestras, no intimo sossego da casa de praia – que as filhas adquiriram., – passava, enlevado, horas sem fim.
Ele próprio cozinhava. Quase sempre batatas cozidas com bacalhau. Prato que aprendera, na mocidade, com a mãe, em Portugal.
Por vezes – segundo dizia, – se as conversas descambavam para a política e temas prosaicos. Logo as interrompia.
O outro eu era condescendente. Aceitava sem discutir, sem contrariar…
Desses curiosos colóquios saiam interessantes ideias e meditações de elevada espiritualidade.
Certa tarde de Janeiro, na casa de Alto de Pinheiros, confessou-me à puridade:
- Infelizmente não posso contar, a todos, o prazer que sinto nesses dias que passo sozinho. Não compreenderiam…Chamar-me-iam: doido. Mas é exercício salutar e enriquecedor…
Sei que o é. Quantas vezes surpreendo-me a dialogar com o outro eu.
Sempre que acontece, fico a compreender melhor o que é a vida, e o porquê de muitas coisas…

Só o isolamento e o silêncio podem dar esse sublime prazer.

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