Revista literária virtual de divulgação de escritores, poetas e amantes das letras e artes. Editor: Paccelli José Maracci Zahler Todas as opiniões aqui expressas são de responsabilidade dos autores. Aceitam-se colaborações. Contato: cerrado.cultural@gmail.com
segunda-feira, 1 de fevereiro de 2016
PAI
Por Erwelley C. de Andrade (ALB,
Brasília, DF)
Não sei o que te assusta,
Ou o que te impede de me ver.
Às vezes quando estou sozinha no meu
quarto,
Lembro-me do teu rosto e choro,
Porque nunca te vi sorrir.
Pai, seus olhos são tão bonitos,
Seus cabelos lisos e macios.
Como eu gostaria de acariciá-los,
Mas não posso porque sequer olhas
pra mim.
Não tenho lembranças de contigo
brincar,
Tu nunca me viste chorar.
Pai, o que fiz para que tenhas medo
de se aproximar?
Nas reuniões da escola, gostaria que
estivesses lá,
Pra veres o quanto sou estudiosa,
Mas sua assinatura nunca esteve na
minha folha de chamada.
Pai, quando me olho no espelho,
Vejo tanto de ti em mim! Como seria
bom
Nós dois juntos encontrando a
aparência do nosso ser.
Estou crescendo tão depressa e,
Nem sei direito o que é ter um pai.
Nos vemos tão pouco,
E quando estamos lado a lado,
Fico contente por esperar ansiosa
por um beijo teu.
Um afago em meus cabelos, uma
palavra de carinho.
Pai me ame enquanto há tempo,
Preciso de ti por perto.
No dia do meu aniversário,
Fico horas ao lado do telefone
esperando sua chamada,
Mas quando acordo, já é tarde e
outra vez,
O senhor esqueceu que estou me
tornando gente grande.
Já sonhei tantas vezes contigo,
pertinho de mim,
Correndo na rua, me ensinando a
cantar.
Pai, não perco a esperança de um dia
te ver
Amando-me do jeito que eu sempre
sonhei.
A vida é tão curta, passa depressa,
Não deixe passar, o amor que eu tenho
A te oferecer, está dentro do peito,
Querendo saltar.
Prometo orar todas as noites,
Para o nosso Senhor te dar cada dia,
O amor e a paz, que almejo pra ti,
Saúde e alegria, e sempre sorrir...
CORRENTES
Por Erwelley C. de Andrade (ALB,
Brasília, DF)
Em
quantas vias mais haverá de percorrer para refazer os passos dos miseráveis
famintos da guerra? Que culpa tais criaturas têm das revoltas infinitas que
transcrevem ano a ano marcando com sangue e sede a falta de condição humana?
Porventura deviam ter privado-se do direito de nascer para assim não ter que
sofrer por cuidado em não ferir a sociedade que profana quaisquer forma de vida
que interfira em seus planos?
Meados
de uma época seca, referida nos primeiros dias do mês de Agosto de alguma tarde
qualquer, coloca-se a prova as faces do medo e da coragem: humanos versos
humanos e a sessão começa com os embaraços de uma corja maquiada com o carvão
da vergonha, recobertos pelos trajes da mentira e sobrepostos nos assentos da
hipocrisia.
O
magnata se remete aos homens que cospem fogo pelas narinas, com ar de
santidade, com a face da maldade estampada na cara lisa em conluio com os
arrepios que fazem tremer as cortinas do teatro nacional.
Em
cena, puseram-se a protestar os maliciosos em favor de uma vida justa, comida
no prato, um salário regrado e um copo e meio de água tratada.
Quantas
moedas de prata serão lançadas ao fundo do poço para que comecem a saltar os
malfeitores em busca de mendigar favores em troca de vida fácil?
Palavras
de pensamentos não ouvem, soluços no escuro não escutam, passos arrastados não
alcançam os ouvidos e mais uma vida é deixada para trás sem um minuto de
silêncio.
A
quantas mais serão renovados os votos de fidelidade fascista enquanto o povo
grita?
Calar
é sossegar palavras no abismo mais profundo do consciente. Inibir direitos é
algemar mãos, as impedindo de escrever uma nova história. Bater continência ao
medo é matar a si próprio em razão da obediência ao ego e se desfazer de um bem
maior que jamais pode ser arrancado de um ser humano, o respeito.
O QUE NOS RESTARÁ?
Por Erwelley C. de Andrade (ALB,
Brasília, DF)
Como
chuva de horrores diante dos nossos olhos, a vida passa e a morte atraca. Como
se estivéssemos cegos, apenas movemos os olhos de um lado para o outro e nada
mais. O arguir nos petrifica e continuamente ata os nossos pulsos diante de
tamanha destruição humana.
Os
corações desacelerando cada dia mais, as máquinas agindo em total liberdade, e
os vagões inundados de zumbis e mestres na arte da ignorância. O que outrora
traduzia amor, simplesmente cessou!
As
lágrimas secaram das faces marcadas pela guerra.
O
medo é o vizinho mais próximo. Ladrões já não tem "tarjas"!
A
matança é justificada pela falta de equilíbrio religioso!
De
sorte que alguns ainda sintam algum sentimento, devolvam carteiras perdidas,
deem a mão a uma criança faminta.
Como
traças mutantes, homens assumem o lugar de verdadeiros monstros, maquinando o
dia e a hora exata em que a bomba nuclear será lançada diante de uma "raça"
que prediz seu destino e traça suas próprias linhas fúnebres, almejando o tão
esperado repouso.
Crianças
são arremessadas ao mar, mulheres e homens sendo carregados por suas almas
miseráveis, vidas envolvidas em lençóis
de seda cheirando a enxofre.
O
mal carrega doses de insanidade que "HUMANO" algum conseguirá
reverter os efeitos. E como lama, serão varridos rumo as corredeiras da morte
sem que possam gritar por socorro.
O
que restará diante do eclipse que envolve as visões e transfere terror por onde
passa?
Quanta
migalha sobrará para alimentar bocas de milhares de mortos de fome culminados
pela antítese secular que se alastra pela face da terra?
O
poder estará enterrado juntamente com suas facções; o dinheiro já não comprará
ideias, tão pouco pagará pelo silêncio dos que gritam por justiça.
Como
chuva de sangue, todos serão lançados diante de um juízo que jamais foi visto
ou ouvido, e como grãos de areia serão arrastados, cada um será colocado em seu
devido lugar! Do ser humano o que restará?
NAVE
Por Gustavo Dourado (ATL,
Taguatinga, DF)
Olhos que brilham loiros-verdes:
Lábios fluem pássaros de neon
Verdejo-te só ridente
Pri ma vera atômica
Navego-te oceânica:
Cabala incógnita...
Quem é você?!
Onde habita teu ser?!
(11/11/1980; poema recomendado pelo
crítico Oswaldino Marques)
HORIZONS
By Pedro Du Bois (Balneário Camboriú,
SC)
(Marina Du Bois, versão)
The formula
keeps the context.
No number is
unidvised to the Word.
No verb is
fired to action.
No word is
armed in numbers.
The common
place lets the cientist
progress the
search: the unachievable
is made far
away in horizons.
(The horizons reapet itselves).
HORIZONTES
Por Pedro Du Bois (Balneário
Camboriú, SC)
Na fórmula encerra o contexto.
Nenhum número impensado à palavra.
Nenhum verbo disparado à ação.
Nenhuma palavra armada em números.
O lugar comum permite ao cientista
avançar a busca: o inalcançável
se faz longe em horizontes.
(Os horizontes se repetem).
DESDIZER
Por Pedro Du Bois (Balneário
Camboriú, SC)
Absorto. Rezo indistintos espíritos:
sofro
a materialidade do ato no desconsolo
por estar sozinho. Entrego ao nada o
destino
e o predador avança suas presas. Sou
presa fácil. Destruo a casa no
evitar
dizer sobre o pai. O pântano
interior
congela a imagem no submerso
transfigurado em herói. Acordo
em orações ligeiras: em perigo
acudo ao dito pelo não dito.
GLORIOSOS FORAM OS NOSSOS DIAS
Por
Samuel da Costa (ALB, Anápolis, GO)
(Para
a Negra Valquíria)
Como
foram gloriosos
E
cheiros de virtudes
O
tempo de paz
Quando
eu
Rendia-te tributos
Minha
divinal musa
***
Mas
o tempo de guerra
Chegou
até nós dois
Então
tudo mudou
Meu
sacrossanto
E
imortal amor
***
Como
são saudosos
Os
tempos
Que
te venerava
Amada
minha
***
Mas
os nossos gloriosos dias
Se
foram
E
a guerra bate a nossa porta
E
destino cruel me levou
Para
longe de ti
***
Foi
um tempo bom
Que
passei junto a ti
Onde
abrigávamos
No
nosso mítico vergel encantado
Em
meio às hialinas brumas
***
Como
era puro e verdadeiro
A
minha sagrada devoção por ti
Divina
musa imortal
***
Óh!
Como foram gloriosos
Os
tempos em que eu de joelho
Contemplava-te
De
divinizava-te
Divina
Negra
Que
serpenteava e incendeia
O estro meu
EM VIOLETAS PAIXÕES (AMOR PURO)
Por
Samuel da Costa (ALB, Anápolis, GO)
Não!
Não quero mais ser sua
Não
quero mais
Os
teus ternos carinhos
Nem
tão pouco os beijos teus
***
Não!
Eu não vou ficar
Mais
ao teu lado
E
quando eu sair pela porta afora
Não me peça para voltar
***
Não
me procures mais
Nunca
mais
Nem
fiques de joelhos
Implorando
o meu amor
Para
que volte
Para
a nossa solidão a dois
***
Não!
Não me traga inexatas flores
Não!
Não me peça perdão
Em
violetas paixões
***
Não!
Não acredito mais
No
teu amor puro
PEDIDO DE PASSAGEM
Por
Clarisse da Costa (Biguaçu, SC)
A
gente não prefere o liso, a gente se vê obrigada a usar o liso. E quando
assumimos o que somos e o cabelo que temos, ficamos livres de todas às amarras
nos impostas. E para esse ano o nosso lema é: Porque crespo é legal! Porque ser
negro é legal! Porque ser negro é fazer parte da história! Chega de ser o
coadjuvante, temos um papel importante na sociedade.
Não
pense que por sermos negros não merecemos o nosso lugar no mundo.
Somos
muito mais que você pensa. O que é o macaco? Apenas um, ser vivo da natureza
criado por Deus, você crendo nele ou não.
E
nós? Seres humanos como qualquer outro na face da terra. Chega de disse me
disse. Somos o que somos Negros construindo caminhos!
Talvez
uma ponte entre a realidade e o idealismo. Mas a certeza de que sempre seremos
lutadores. E algo além, disso, viveremos escrevendo a nossa história.
Por
isso peço a voz, meus senhores e senhoras, deixem o negro passar com sua cor,
pois é ela que vai colorir o mundo.
MEU PRIMEIRO BEIJO
Por Clarisse da Costa (Biguaçu, SC)
Quando
surge a oportunidade não há quem não fale do seu primeiro beijo e ainda há quem
diz que esse momento ninguém esquece. Eu esqueci. Eu devo ser a única. Ou há
mais alguém por aí?
Mas
bem... Eu fico a me perguntar: e os outros beijos, ninguém fala? Nem sempre o
primeiro beijo é inesquecível como também nem sempre a primeira transa é
inesquecível, principalmente para uma mulher.
Digamos
que o primeiro beijo é o portal para outros beijos por isso é de tal
importância. Mas não o suficiente para ser inesquecível. Claro que, não posso
afirmar que me esqueci 100% do meu primeiro beijo, mas não é algo que eu possa
me orgulhar ou então delirar de desejo querendo mais e mais do que poderia ter
sido o meu melhor momento.
Porém
posso falar tranquilamente sobre ele. Não é algo que me reprime, ou me faça
chorar. Não sei bem quando, só lembro-me exatamente que foi aos meus dezoito
anos de idade.
Nossa
tão tarde assim!- você deve está pensando. Mas sabe o que eu acho? Não foi
tarde não. Foi no momento certo. No ponto exato em que as bonecas não faziam
mais parte da minha vida.
E
também não é bom ficar lembrando o tempo todo do que se passou. Está bem...
Você quer saber o que eu achei né? Pois então... Foi para mim algo nojento.
Quando vi aquela língua sobre a minha e a saliva escorrendo em minha boca eu só
pensava em querer ir embora, e fora isso a vontade de vomitar era tão grande
que eu não sabia se ia segurar por muito tempo.
Só
sei de uma coisa, não devia ter olhado. Esse foi o meu erro. Mas não, né, eu
quis ter a certeza de que isso estava acontecendo comigo de verdade.
Às
vezes acontecem coisas com a gente que precisamos ter a certeza de que não é
apenas um sonho, ou uma confusão do nosso cérebro. É que um lado da gente é
descrente pra certas coisas. E algumas de nós mulheres tendem há ter menos
confiança em si.
Eu
não achava que poderia ficar com alguém naquele dia, ou até mesmo ser beijada.
O máximo que eu esperava daquela noite não passava de ouvir uma boa música e
dançar.
Mas
às vezes a vida te leva por vários caminhos e você sem saber ou até mesmo sem
prestar a atenção cai em
armadilhas. O meu primeiro beijo foi uma armadilha, no
entanto o portal para outros beijos. Como por exemplo, na era da tecnologia, o
beijo virtual, mas isso é assunto para outro dia.
CAIO GAKRAN
Por Urda Alice Klueger (Blumenau,
SC)
Hoje eu
chorei de emoção. Um povo antigo aqui da minha terra continua fazendo seu
resgate na História de forma linda e acelerada, e hoje houve outro grande fato
que iluminou os horizontes deste vale aonde vivo e me deixou cheia de orgulho e
de alegria.
Foi com o
Caio, mas eu só vou falar dele mais para a frente. Quero contar, primeiro, um
pouquinho sobre o seu povo, o antigo dono desta terra onde hoje eu piso e
tantos pisam, terra que já era do povo de Caio pelo menos há 5.000 anos,
conforme cerâmicas descobertas já neste milênio pelo arqueólogo Marco Antônio
Nadal de Masi .
Valente
povo! Conservou seu território no passado mais distante e se aferrou a ele nos
últimos 500 anos, desde quando por aqui começaram a aparecer os europeus e seus
descendentes: primeiro os invasores portugueses, depois os imigrantes alemães,
italianos e outros, sequiosos por terra, cada um a roubar o que era possível do
vasto território da gente que vivia segundo costumes antigos, integrada na
natureza. Estou falando do povo Xokleng-Lãklanô, primeiro habitante da maior
parte de Santa Catarina e de um pouco dos dois estados vizinhos,
caçadores-coletores que tinham como alimento-base o pinhão, que o invasor quase
iria extinguir na sua sede por madeira.
Com seu
território paulatinamente cada vez menor e suas fontes de alimento,
consequentemente, também cada vez mais ínfimas, o Xokleng-Lãklanô resistiu
bravamente ao contato com o branco invasor que, além de lhe roubar as terras e
a comida, empreendeu tal caçada humana institucionalizada, com os horrores
cometidos devidamente contados nos jornais da época, que o município de
Blumenau, por exemplo, no alvorecer do século XX, foi parar no Tribunal de Haia,
acusado de genocídio.
Houve um
momento, já no século XX, que aconteceu o que o branco chama de
“apaziguamento”, expressão vil para se denominar o “submetimento” do povo
antigo pelo invasor – esse contato com o “branco” vai resultar em mais diversas
formas de dizimação dos submetidos, como a contaminação por doenças trazidas da
Europa, a ponto de haver um momento em que o Xokleng-Lãklanô teve apenas,
ainda, somente cerca de 400 indivíduos.
Povo
aguerrido, no entanto, guardou sua língua, seus costumes, sua cultura – creio
que faz uns 30 anos que a população subira, de novo, para mais de 4.000
indivíduos. Na verdade, não sei quantas pessoas Xokleng-Lãklanô existem hoje,
mas não devem ser poucas. É aí que entra a minha emoção de hoje e o Caio. Faz
tempo que os irmãos de etnia de Caio estão frequentando as universidades e
fazendo muitas coisas maravilhosas na vida, como o pai de Caio, Nanblá Gakran,
o primeiro doutor do povo, formado pela Universidade de Brasília, linguista que
participa de grandes congressos internacionais em lugares como a Suécia, por
exemplo, e a irmã de Caio, já no terceiro ano de Nutrição da Universidade
Federal de Santa Catarina – penso por ter notícias da família de Caio faz tempo
é que me levou a toda esta emoção. Sabem o que aconteceu hoje? Saiu a lista de
aprovados da UFSC, e o Caio passou... em Medicina! Vai ser o primeiro médico
Xokleng-Lãklanô dos tempos modernos (claro que lá no passado houve outros
médicos na sua etnia, que tinham saberes antigos).
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