Por Urda Alice Klueger (Enseada de Brito, SC)
Oi, Katty, penso que você vai se
lembrar de mim. Sou aquela gatinha caçadora e gritadora que a Urda pegou para
criar nos tempos de Blumenau, aquela do livro “Nossa família aumentou”.
Lembrou, né? Então sabe que um dia a Urda me guardou dentro de uma caixa para
gatos, me colocou no carro, e com o Atahualpa e uma mala veio embora para este
lugar chamado Enseada de Brito. Fomos morar numa velha casa onde não havia
quase nada dentro, e ficamos lá acampando alguns dias, para que eu me
acostumasse ao novo ambiente. E então chegou a mudança e foi uma coisa trágica:
jamais poderia imaginar tal confusa invasão na vida de uma gatinha delicada
como eu! Por sorte, descobri um lugar por onde passar que me levava ao forro da
casa, e depois, diversas outras passagens, lá em cima, que permitiam que eu
circulasse na mata dos fundos e nos quintais de alguns vizinhos, e lá passei um
ano e oito meses. Só descia para a casa quando me sentia muito segura – na
verdade, só gostava da Dona Julita, a senhoria da casa, que sempre aparecia
para uma visitinha, e de uma outra moça muito querida, que me chamava de Manu,
e que eu permitia até que me pegasse no colo. A Urda punha minha comidinha numa
prateleira bem alta e às vezes até chorava porque eu não queria mais nada com
ela, mas para que é que ela me trouxe para este novo lugar? E ainda por cima,
um mês depois, trouxe para casa um cachorrinho faminto, o Zorrilho – tá, era
fácil para mim me entender com mais um cachorro – afinal, antes de vir para cá
convivera com o Atahualpa e o Cusco e nunca me importei quando eles quase se
esgoelavam de tanto latir para mim. Não bastando o cachorrinho, sabe o que ela
fez no outro mês? Arranjou mais uma gatinha, uma filhotinha de nada que se
chamou Domitila, e aquilo foi a gota d´água para azedar a minha vida. Mais
tarde veio a Tereza Batista, uma cachorrona que sempre quis me cheirar e que eu
nunca deixei – daí Tereza Batista ficou foi amiga de Domitila e até hoje pensa
que eu sou um bicho muito estranho, já que nunca me cheirou, e quando me vê ou
me pressente deixa sair do peito um ronco que parece o de um vulcão.
Bem
triste foi a minha vida naquela casa velha com esse bicharedo, sem contar os
insetos e outros bichos que viviam no forro da casa e na mata circundante e no
calorão do verão e no frio do inverno naquele espaço inacessível aos outros. É
bem verdade que a Domitila e outros gatos da vizinhança andaram por lá, mas
saiu todo o mundo apanhando.
Daí,
faz pouquinho tempo, a Urda comprou uma outra casa e fez tudo o que pode para
me amansar de novo. Ganhei uma casa de gato bem macia, que é uma toca protegida
e escura, uma porção de agrados, e tive que ficar presa com Domitila uma semana
inteira no quarto de visitas com um cheirinho ligado à tomada, que era para que
a gente não brigasse: acho que aquilo era algo como uma maconha para gato. E
depois nos mudamos para a casa nova, e aqui não tem nenhuma abertura para eu
passar para o forro. A Urda cuidou dos detalhes, separou um pomar para gatos e
outro para cachorros, mandou fazer uma escadinha de gato para que a gente
pudesse entrar pela janela do quarto dela, fez um ambiente com a minha toca e
comidinhas no closed, e havia que se
acostumar. Mesmo assim relutei um bocado, voltei diversas vezes para a casa
velha, passando por dentro da mata por caminhos que só eu sei, muito diferente
de Domitila, que passa pela praia e surra os cachorros que aparecem. Sou uma
gata muito fina para essas baixarias.
Na
outra casa agora não tem mais nada, e como a Urda sempre ia me buscar de volta,
acabei me acostumando com a nova vida. É bem legal dormir, de novo, na cama que
já foi minha, principalmente neste frio que está fazendo, e me encostar na Urda
para me esquentar. É verdade que do outro lado a Domitila também se encosta,
mas com o maior respeito, senão eu faço “Fiiizzz” para ela e ela se manda.
Atahualpa também não gosta muito de Domitila – ele sempre foi o meu cachorro,
faltava agora que mudasse de lado. Dormimos os quatro juntos, já que os outros
cachorros dormem no escritório, e começou uma nova fase na minha vida nesta
casa cheia de sol e vento, com suas tantas janelas e com um pomar de gatos que
na verdade é meu. Domitila é uma cachorrista; passa o dia com os cachorros e
sei que de manhã dorme sobre a mesa da sala de jantar, porque bate sol bem ali,
o que faz com que a Urda corra a trocar a toalha da mesa a cada vez que chega
uma visita.
Pois
é, Katty, só queria dar umas notícias e dizer que a vida voltou a ficar boa.
Preocupo-me um pouco porque Atahualpa está ficando bastante velho, mas ele
ainda corre, galopa e atravessa os ribeirões que saem na praia até nadando, o
que me faz pensar que teremos ainda muito tempo para sermos felizes. Então
deixo um “mio” bem delicado para você e fico aguardando sua visita.
Grande
carinho,
Manuelita
Saens Klueger
Gata
Sertão da Enseada de Brito, 02 de
agosto de 2018.
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