Por Paccelli José Maracci Zahler (Brasília, DF)
Revista literária virtual de divulgação de escritores, poetas e amantes das letras e artes. Editor: Paccelli José Maracci Zahler Todas as opiniões aqui expressas são de responsabilidade dos autores. Aceitam-se colaborações. Contato: cerrado.cultural@gmail.com
terça-feira, 1 de janeiro de 2019
PAISAGEM
Por Napoleão Valadares (Brasília, DF)
A
serrania que se não descreve
tinha,
mais altos, dois rochedos meio
ensolarados
e imponentes (leve
inclinação),
que eu avistava em cheio.
Embaixo,
o vale – vastidão sem freio –,
que deve
os homens encantar e deve
encantar
deuses, pôr em devaneio
os que o
contemplam, num enlevo breve.
Em meio
à luz, um fundo escuro (havia
umas
baixadas). E a luz novamente
tomava
conta da amplidão. Eu via
uma
floresta num pequeno monte,
depois uma
descida e, logo à frente,
quebradas,
uns relevos e uma fonte.
ESCREVER POESIAS
Por Vânia Moreira Diniz (Brasília, DF)
Escrever poesias para mim
Aconteceu desde pequenina,
Quando a minha alma solicitava,
E meus dedos se moviam.
Quando me recolhia enlevada,
Sem nem saber o que discorria,
Ansiosa e feliz a procurar-me,
E só me encontrando lá no final.
Nas horas de alegria absorvente,
A extravasar em sorrisos e
letras,
O intenso e delicioso delírio de
viver,
Perdidas nos sinais que eu amo.
Nas eventuais tristezas
passageiras,
As lágrimas transformadas em
ecos,
Vislumbradas em meu coração,
E solicitadas em forma de
criação.
Escrever poesias para mim,
É um grito de alívio e liberdade,
As criações do meu sentimento,
A sensibilidade tão aflorada.
É descrever as horas de amor,
Que rememoro em êxtase e carinho,
Entender cada um de seus
momentos,
e vive-los transformando em
poesia.
Escrever poesia para mim é
vibrar,
Ter a alma em constante
movimento,
Sentir a ternura que acalenta e
transtorna,
E do amor sempre criar uma
canção.
(Vânia Moreira Diniz é presidente da ALB/DF)
HÁBITOS
Por Pedro Du Bois (Balneário Camboriú, SC)
Hábitos alimentares engordam o corpo
como opas mal cortadas amorfas em cores
distraídas maneiras de dizer: tenho tantos
anos de estudo e letras conversam comigo
enquanto sereias e siriemas agrestes gritam
músicas e não comem no mesmo prato
do profeta Calam o gole dentro do copo
e hábitos profetizam o futuro passado
ao rasgar caminhos e esfolar joelhos A náusea
nos atinge ao olharmos o outro de soslaio
o lacaio avisa o porteiro indica ao chefe
da corporação em alerta solerte a sorte
invade o castelo No hábito a glória
da continuidade: cravos e espinhos
nas costas em flagelo Secas pancadas
continuadas O corpo emagrece o hábito
é terrível o hálito de quem tem fome.
SILÊNCIOS ABSTRATOS
Por Samuel da Costa (Itajaí, SC)
Dos
múlti-plos silêncios
Surreais
Que
recaem sob nos
Os
mais lancinantes deles
São
as infindas distâncias
Cósmicas
mais-que-perfeitas
Entre
os mortais
E
a deidades imortais
***
Dos
múlti-plos álgidos silêncios
Abissais
Que
recaem sob nos dois
Minha
negra musa
O
que mais dói em mim
É
perceber
A tua pelágica figura
Etérea
Valsando ad aeternum
No
perdido Éden
Sem
mim
***
Dos
múlti-plos abstratos silêncios
Equidistante
Que
recaem sob nos dois
Afro-deusa
O
mais atroz deles
É
a celestial equidistância
Entre
nos dois
FLUTUA
Por Samuel da Costa (Itajaí, SC)
Flutua afro-deusa
Flutua
Negra ninfa enluarada
Nos dias de todos os santos
***
Flutua
Entre a bruma matinal
Entre o aqui
E o acolá
***
Flutua
No alvor de um
Novíssimo dia
Entre as abstratas laranjeiras
E as surreais oliveiras
***
Flutua
Entre-mundos
Magnânima negra rainha
OS TEUS MÚLTI-PLOS SILÊNCIOS
Por Samuel da Costa (Itajaí, SC)
Dos muitos silêncios
Na pós-modernidade
Fluída
Os mais cruéis deles
São os teus múlti-plos
Silêncios
Que recaem inteiros
Em mim
***
Das minhas múlti-plas
Inexistências
No deserto do real
Na realidade fluída
A mais atroz
São as tuas muitas
Inexistências
Na minha vida inexistente
***
Das múlti-plas
Insignificâncias
Na pós-contemporaneidade
Que incidem completamente
Em mim
É o meu quimérico
Amor líquido
Que eu sinto por ti
Celestial negra musa
CARTA Nº 7 - DE TEREZA BATISTA PARA KATTY
Por Urda Alice Klueger (Enseada de Brito, SC)
Oi, Katty:
A gente ainda não se
conheceu formalmente, mas é como se eu já a conhecesse a longo tempo. Sou a
cachorrona da Urda, que sempre saio a passear com coleira e guia, pois no
passado, quando era uma cachorra abandonada e um filhotinho meu foi morto por
um carro, fiquei tão revoltada que saí mordendo uma porção de gente. Daí criei
a fama de cachorra mordedora, e muita gente começou a fazer maldade comigo,
como me jogar pedras e paus, me dar veneno e estourar bombinhas para eu me
assustar. Andava desesperada e então mordi mais gente ainda – um dia, soube que
iam me matar. Daí fui me esconder na casa da Urda e agora isso já faz 18 meses
e nunca mais mordi ninguém. De qualquer forma, continuo saindo de coleira para
evitar qualquer tentação, pois sempre podemos encontrar algum dos meus antigos
desafetos, não? Mas já esqueci de quase todos, menos de um velhinho que, sempre
que me vê ameaça me jogar pedras e eu fico doida para pegá-lo, mas como ele já
tem mais de 80 anos, a Urda e a Maria Antônia sempre dizem para eu esquecer e
me comportar como uma lady. Elas ficam
muito admiradas quando saímos do Canto da Enseada, porque aí nunca quero morder
ninguém, e vamos sempre à Barra do Aririu, à Palhoça, já passei dia na praia do
Sambaqui, lá na capital, junto com o Raul Longo e o cachorrinho dele, o
Chiquinho (cá entre nós, é um cachorrinho de uns 5 kg,
mas ficou apaixonado por mim, que tenho 25 kg!). Já fui, também, ao Natal Luz
da cidade de São José e me diverti muito!
Mas o que eu queria contar era outra coisa. Ontem fomos
todos à Palhoça, tomar vermífugo, o carro lotado de cachorros e gato, e logo
que saímos da nossa rua encontramos, ferido, o cachorro chamado Tijucano, que
não tem dono e é um pouco de cada um. Quando ele apareceu por aqui, abandonado,
veio com sarna, e daí que o chamavam de Sarnento, mas a Urda mudou o nome dele
para Tijucano, porque ela sempre conta que alguém muito distante, que foi a mãe
dela, era daquela cidade, e em Tijucas tem um versinho que diz assim:
“Amarelo da goiaba
Morreu na segunda-feira
Se não fosse a goiaba
Durava a semana inteira”
Como esse cachorro é amarelo com olhos pretos (tem um outro
que é amarelo com olhos verdes, por aqui), ele agora é o Tijucano, e ontem
estava ferido na beira da rua, assim na perna ou no pé. Paramos o carro, mas
era tanto cachorro que não dava para leva-lo junto, e ele ficou para ser
atendido depois. A nossa linda veterinária, a tia Danny, já mandou remédio para
ele – sei que um é para dor, mas há mais dois.
Só que voltamos e... cadê o Tijucano? Tinha sumido, e por
mais que a Urda e a Maria Antônia procurassem pela pasto, pelo mato e pela
praia, ele não apareceu mais. A Urda estava muito triste e rezava para um tal
de São Francisco de Assis, mas ele só apareceu hoje de noitinha, mancando e
morto de fome. Tomou todos os remédios dentro de pedaços de salsicha, sem
cuspir nenhum, como eu faço, e está dormindo aqui em casa, na varanda, num
tapete com dois travesseiros, e vai ficar até melhorar.
É por isto que estou escrevendo. Eu e Zorrilho estamos em
vigília, para ele não entrar em casa, pois onde já se viu um cachorro de rua
querer entrar na “nossa” casa? Estamos em vigília na sala, e então deu tempo
para escrever.
Já ouvi falar muitas coisas boas sobre você e acho que já a
amo. Fico doidinha para conhece-la. Decerto um dia vai dar, não? Deixo muito
amor e não precisa ter medo de mim: a Urda abre a minha boca e tira osso de
dentro dela e eu deixo.
Sua amiga,
Tereza Batista, cansada de guerra.
Cachorra
Sertão de Enseada de Brito, em 30 de novembro de 2018.
PENSANDO NELE
Por Urda Alice Klueger (Enseada de Brito, SC)
(Para meu bisavô Katzwinkel, que veio no século XIX de
Kaunas, Lituânia, e para minha prima Ivone Narloch, nascida Katzwinkel)
Se procurar nos velhos documentos da família vou
encontrar, mas a verdade é que não sei de cor sequer o seu nome. Minha avó, que
estava prestes a fazer 7 anos quando chegou aqui, casou-se com 26 por volta de
1908 ou 1909 – o que significa que eles vieram mais ou menos no ano de 1889...
No tempo em que convivi com ela ouvi-a falar muitas vezes nele, mas ela dizia
“Meu pai”, e então nunca soube o nome dele, mas ele é muito forte na minha
vida.
Estou na madrugada de Natal e penso nele, como pensei
tanto hoje, e nos últimos dias, e nos últimos anos, pois quando era mais jovem
não chegava a me aprofundar neste assunto. Esta é uma época em que ele fica
mais forte dentro de mim, pois fez uma coisa, no seu primeiro Natal no Brasil,
que só gente muito especial teria feito: para não deixar passar em branco o
Natal das suas crianças, andou 30 quilômetros a pé de ida e 30 quilômetros de
volta para, na manhã do dia festivo, suas crianças terem a surpresa de UM
docinho de Natal cada uma, escondido sob o prato emborcado na mesa rústica de
uma cabana de imigrante dentro da floresta ainda praticamente virgem.
Quem era ele, como era? Penso no meu pai, nos meus tios
– o que teriam herdado dele? Penso em mim: a oitava parte da minha genética vem
dele, e fico a lembrar como o meu pai era em relação ao Natal, data mágica e
sagrada dentro da magia, fazendo tudo o que estivesse ao seu alcance para que
cada Natal fosse um sucesso dentro de cada um de nós. Penso em mim e em toda
esta curtição do Natal que possuo decerto porque herdei, e que faz com que eu
faça todos os ritos, todas as comidas, enfeite a casa, mesmo que seja para
comemorar a data apenas com os meus animaizinhos, como já fiz algumas vezes,
como fiz hoje.
Com meus cachorros empanturrados de peru saí para a
noite, para a beira do mar desta enseada aonde vivo, e me sentei um pouco na
beira daquela água que fica magnífica assim de noite, com os diversos pontos de
luzes no seu entorno, tanto cá pelo continente quando mais lá longe, na ilha...
Fiquei admirando a beleza daquilo tudo e pensando nele, naquele meu bisavô que
me passou esta curtição do Natal, e me indaguei coisas: será que algum dia ele
pensou que a sua filha teria um filho que teria uma filha, isto é, eu, que em
pleno século XXI estaria na beirada do mar a pensar nele e a querer saber mais
sobre aquele homem quase estranho mas que vivia tão fortemente nela? Imagino
que ele fosse um jovem quando atravessou o grande mar-oceano num navio à vela
que saiu de Hamburgo, navegou até Lisboa e depois ficou três meses vendo só
“céu e mar”, conforme minha avó Emma Katzwinkel Klueger contava tantas vezes,
pois quando se aventurou assim sua criança mais velha ainda não completara sete
anos... Imagino que depois daquela travessia é provável que nunca mais tenha
visto o mar... O que pensava ele, o que sonhava? A luta pela vida era difícil e
perigosa, então – dentre outras coisas, com sua família, estava dentre o fogo
cruzado do genocídio Xokleng que acontecia no Vale do Itajaí, coisa tão
criminosa e abjeta que foi parar num julgamento na Corte de Haia, na Holanda –
a situação era difícil e imagino que sonhava, sobretudo, com segurança, com
muita comida para suas crianças, com uma casa mais confortável do que sua
cabana de palmitos... É provável que muita gente tenha esquecido dele, depois
da luta que foi sua vida, mas agora ele está tão vivo e tão forte aqui dentro
de mim!
Então fiquei lá na praia, nesta noite, olhando no entorno
e pensando nele, e estar ali, com aquela água linda e aqueles colares de luzes
me dava a sensação de estar dentro de um presépio, daqueles que o Frei João
Maria o.f.m. fazia na igreja de Nossa Senhora da Glória, na Garcia, em
Blumenau, quando eu era pequena, e então ficou mais forte a sensação de que ele
estava ali comigo, quiçá em mim, pois se vim dele...
Só queria contar que tenho pensado muito nele, naquele
meu bisavô Katzwinkel que um dia veio lá do Mar
Báltico, da cidade de Kaunas, na Lituânia. Como ele é forte em mim!
Enseada de Brito, 25 de Dezembro de 2016.
MANOEL CARLOS KARAM
Por Urda Alice Klueger (Enseada de Brito, SC)
Foi em 1995 que
fui jurada do prêmio literário Cruz e Souza, feito pelo governo de Santa
Catarina em carácter nacional, e quando aceitei ser jurada (na área de
romance), jamais imaginei o que viria pela frente. Foi grande o susto quando
parou uma Kombi lotada de originais na frente do meu prédio e aquela montanha
de possíveis futuros romances adentrou à minha sala e deu uma encolhida nela.
Lindolf Bell, então ainda um jovem e fascinante poeta da minha cidade de então,
por aqueles dias telefonou-me, assustado:
- Chegou uma Kombi cheinha de originais de livros de
poesia para julgamento! Estou apavorado!
Estávamos, os dois, mas era necessário pôr mãos à obra.
Tinha tido a sorte de pouco antes haver lido a incomparável autobiografia de
Jorge Amado (Navegação de Cabotagem), onde ele conta situação semelhante pela
qual passou e a receita que usara para resolvê-la: lera cada original até à
página 30, para começar a selecioná-los, e foi o que fiz. Logo tinha 3 pilhas
de originais no chão da minha sala: os que não tinham nenhuma condição de
concorrerem (pense bem, se até à página 30 um livro não te “fisgou”, ficaria
muito difícil que viesse a fisgar depois), e mais duas pilhas que leria até à
página 60 – uma com mais e outra com menos expectativa.
Resultado: chegou um momento em que a seleção foi se
refinando, que cheguei como que a uns 15 possíveis finalistas (que então li até
à página 90), e depois uns 10, e depois uns cinco... O bacana dessa seleção é
que os outros dois jurados (Carlos Nejar, no estado do Espírito Santo e
Deonísio da Silva, então no estado de São Paulo) passamos a nos telefonar e
descobrimos que estávamos chegando a mais ou menos os mesmos finalistas. E
então no dia aprazado, nos encontramos em Florianópolis para o final do
julgamento, cada um trazendo os 3 originais que achara melhor. Carlos Nejar,
insigne companheiro da Academia Brasileira de Letras, machucara o pé ao sair do
avião, e lembro como, na recepção do hotel eu tirei seu sapato e meia e fiz
massagem com Gelol no mesmo, coisa que nunca imaginara fazer na vida!
Foram 2 ou 3 dias de doce convívio com esses
companheiros das Letras e o julgamento final foi fácil: ganhava um romance de
nome “Cebola”, que com finura de texto nos propunha indagações sempre
crescentes, como quando se tiram as muitas e diversas camadas de uma cebola, e
as simpáticas moças que acho que eram da Fundação Catarinense de Cultura,
então, nos trouxeram os envelopes com as identificações dos concorrentes, e num
instante achamos e abrimos o envelope do vencedor: nada mais na menos que
Manoel Carlos Karam, que naquele momento eu só conhecia através daquele livro
vencedor!
Aos poucos, fui sabendo mais dele: apesar de ser
nascido em Rio do Sul/SC, vivia na cidade de Curitiba/PR, mas só vim a
conhece-lo pessoalmente alguns anos depois, quando, em companhia dos demais
colegas da Academia Catarinense de Letras, estivemos no Rio de Janeiro, para
conhecer e participar de eventos na Academia Brasileira de Letras e no
Instituto Histórico e Geográfico do Brasil. Lá no IHG estava Manoel Carlos
Karam, alguém quieto e diria que humilde, homem alto e grande, pouco mais velho
que eu, que portava folgadas roupas sem luxo e sandálias franciscanas e que
estava na companhia de sua companheira. Ficou no seu canto, quieto. Não cheguei
a falar com ele, mas fiquei a imaginar como funcionava o seu processo criativo
para escrever livros como “Cebola”, intensamente fascinada pela oportunidade de
vê-lo pessoalmente, considerando aquele momento como um dos que a vida costuma
me presentear. Ele era ainda tão jovem; não faltaria oportunidade de conversar
com ele em momento menos conturbado, só que não deu. Ele partiu muito cedo, em
2007, com apenas 60 anos, mas o tenho na minha memória como aquele homem forte
e alto na sua roupa simples e confortável, usando sandália franciscana e capaz
de produzir obras que ganhavam concursos nacionais.
No próximo dia 13.12.18 a Academia Catarinense de
Letras vai entregar ao Karam o prêmio Othon Gama D’ Eça. Como ele já partiu,
fico pensando naquela solidária companheira dele que vi no Rio de Janeiro, e
imagino que ela é quem virá receber essa honraria de agora.
Espero um dia encontrá-lo para botar a conversa em dia,
Manoel Carlos Karam!
Sertão da Enseada de
Brito, 03 de dezembro de 2018.
ADEUS, MEU AMIGO!
Por Urda Alice Klueger (Enseada de Brito, SC)
Adeus, meu amigo! – era tudo o que eu conseguia pensar
ao olhar para o rosto descansado e sereno de Odilon Lunardelli, que há poucos
dias dormiu seu último sono. “Adeus, meu amigo” – pensava eu, e doía demais
aquele adeus, e eu ficava a lembrar das tantas coisas que eu devia a ele, das
tantas alegrias que ele me dera, dos seus conselhos, das suas ideias, da sua
importância para mim e para a maioria dos escritores de Santa Catarina.
Muitos dos leitores não sabem quem foi Odilon
Lunardelli, e então explico: Odilon Lunardelli era o meu editor, o homem que
transformou em realidade o meu sonho, que me acompanhava desde criança, de ser
escritora. Foi meu editor, e foi editor de tantos outros: era ele um idealista,
um homem de livros que fazia livros por um ideal, que apostava nos escritores
sem visar o lucro, que se entusiasmava com os escritos da gente mais do que a
gente mesmo, que sonhava em ver seus autores conquistando o Brasil todo.
Eu o conheci faz dezenove anos: andava a receber
recados dele, que ouvira falar de um original meu, recados que me pediam para
ir até lá, até Florianópolis e naquele tempo eu era muito jovem e insegura, e
não sabia como enfrentar a figura temível de um poderoso editor. Um amigo comum
acabou por me levar até ele, e fui amedrontada, esperando me defrontar com um
bicho-papão – e acabei foi encontrando um amigo, um dos maiores amigos da minha
vida, um amigo que confiou em mim mais do que eu própria. Um amigo que sempre
fez tudo para que meus livros chegassem ao público. Lembro, agora, de
sacrifícios que ele fez por mim – para publicar meu livro “Cruzeiros do Sul”,
naqueles tempos incertos de inflação altíssima, Odilon Lunardelli deixou de
trocar seu próprio carro, para custear o livro de quase 500 páginas.
Ele passava os dias da sua vida no seu escritório. Era
uma salinha acanhada e escura, com muitos livros e uma televisão, e uma cadeira
e um sofá antigos. Quem não soubesse, não diria que era ali que se decidiam os
destinos da maioria dos escritores de Santa Catarina – protegido atrás da sua
mesa cheia de pilhas de originais, Odilon Lunardelli olhou a cada um de nós nos
olhos, e para a maioria foi amigo – é difícil encontrar um escritor, no nosso
Estado, que não tenha passado por aquela sala, que não tenha sentado no sofá
escuro esperando uma decisão, que não tenha tido ao menos um livro com a
logomarca da Lunardelli. Porque nosso amigo, que viera de outras profissões e
outros caminhos, e que um dia decidira embarcar no sonho de ser editor, criara
uma marca que ficou famosa, e ter na capa do livro da gente as palavras
“Editora Lunardelli” era um orgulho e uma honra. Ele não me disse, mas eu li na
“Veja” – a editora Lunardelli era a sexta maior editora do Brasil.
Se a editora cresceu assim, foi devido ao sonho, ao
idealismo do seu criador que, como já disse acima, trabalhava pelo coração e
não visava o lucro. Extremamente honesto, Odilon Lunardelli fazia questão de
que soubéssemos cada coisa a respeito de cada livro da gente: mandava-nos as
notas a cada edição nova que saía, numa preocupação constante de que não
duvidássemos dele. Preocupação inútil – como duvidar de um amigo que era como
um anjo? Nunca ligou para a lei de direitos autorais, que manda a editora
prestar contas ao escritor a cada seis meses – mal e mal o livro novo ou a
edição nova chegava na praça, e já estava ele a nos mandar um cheque que cobria
a edição ou todo o livro. A preocupação com a honestidade extrema era uma das
suas características mais marcantes.
E, faz poucos dias, sem mais nem menos, ele nos deixou.
Foi dormir no sábado e partiu dormindo. No domingo, só havia o seu corpo por
aqui, e um buraco enorme que é a sua falta.
Sinto-me órfã sem ele. Uma saudade imensa e dolorida me
faz lembra-lo lá no seu escritório acanhado, sempre a me estimular, me
aconselhar, a apostar em mim. E o meu coração machucado pulsa dizendo sempre
essas palavras: “Adeus, meu amigo! Adeus, meu grande amigo!” E eu desejo que a
luz perpétua o ilumine, como você iluminou a minha vida!
(Texto publicado no ano de 1999 no livro “O nosso homem do Livro – Odilon Lunardelli”, produzido pela UBE – União Brasileira de Escritores de Santa Catarina)
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