Por Urda Alice Klueger (Enseada de Brito, SC)
Foi em 1995 que
fui jurada do prêmio literário Cruz e Souza, feito pelo governo de Santa
Catarina em carácter nacional, e quando aceitei ser jurada (na área de
romance), jamais imaginei o que viria pela frente. Foi grande o susto quando
parou uma Kombi lotada de originais na frente do meu prédio e aquela montanha
de possíveis futuros romances adentrou à minha sala e deu uma encolhida nela.
Lindolf Bell, então ainda um jovem e fascinante poeta da minha cidade de então,
por aqueles dias telefonou-me, assustado:
- Chegou uma Kombi cheinha de originais de livros de
poesia para julgamento! Estou apavorado!
Estávamos, os dois, mas era necessário pôr mãos à obra.
Tinha tido a sorte de pouco antes haver lido a incomparável autobiografia de
Jorge Amado (Navegação de Cabotagem), onde ele conta situação semelhante pela
qual passou e a receita que usara para resolvê-la: lera cada original até à
página 30, para começar a selecioná-los, e foi o que fiz. Logo tinha 3 pilhas
de originais no chão da minha sala: os que não tinham nenhuma condição de
concorrerem (pense bem, se até à página 30 um livro não te “fisgou”, ficaria
muito difícil que viesse a fisgar depois), e mais duas pilhas que leria até à
página 60 – uma com mais e outra com menos expectativa.
Resultado: chegou um momento em que a seleção foi se
refinando, que cheguei como que a uns 15 possíveis finalistas (que então li até
à página 90), e depois uns 10, e depois uns cinco... O bacana dessa seleção é
que os outros dois jurados (Carlos Nejar, no estado do Espírito Santo e
Deonísio da Silva, então no estado de São Paulo) passamos a nos telefonar e
descobrimos que estávamos chegando a mais ou menos os mesmos finalistas. E
então no dia aprazado, nos encontramos em Florianópolis para o final do
julgamento, cada um trazendo os 3 originais que achara melhor. Carlos Nejar,
insigne companheiro da Academia Brasileira de Letras, machucara o pé ao sair do
avião, e lembro como, na recepção do hotel eu tirei seu sapato e meia e fiz
massagem com Gelol no mesmo, coisa que nunca imaginara fazer na vida!
Foram 2 ou 3 dias de doce convívio com esses
companheiros das Letras e o julgamento final foi fácil: ganhava um romance de
nome “Cebola”, que com finura de texto nos propunha indagações sempre
crescentes, como quando se tiram as muitas e diversas camadas de uma cebola, e
as simpáticas moças que acho que eram da Fundação Catarinense de Cultura,
então, nos trouxeram os envelopes com as identificações dos concorrentes, e num
instante achamos e abrimos o envelope do vencedor: nada mais na menos que
Manoel Carlos Karam, que naquele momento eu só conhecia através daquele livro
vencedor!
Aos poucos, fui sabendo mais dele: apesar de ser
nascido em Rio do Sul/SC, vivia na cidade de Curitiba/PR, mas só vim a
conhece-lo pessoalmente alguns anos depois, quando, em companhia dos demais
colegas da Academia Catarinense de Letras, estivemos no Rio de Janeiro, para
conhecer e participar de eventos na Academia Brasileira de Letras e no
Instituto Histórico e Geográfico do Brasil. Lá no IHG estava Manoel Carlos
Karam, alguém quieto e diria que humilde, homem alto e grande, pouco mais velho
que eu, que portava folgadas roupas sem luxo e sandálias franciscanas e que
estava na companhia de sua companheira. Ficou no seu canto, quieto. Não cheguei
a falar com ele, mas fiquei a imaginar como funcionava o seu processo criativo
para escrever livros como “Cebola”, intensamente fascinada pela oportunidade de
vê-lo pessoalmente, considerando aquele momento como um dos que a vida costuma
me presentear. Ele era ainda tão jovem; não faltaria oportunidade de conversar
com ele em momento menos conturbado, só que não deu. Ele partiu muito cedo, em
2007, com apenas 60 anos, mas o tenho na minha memória como aquele homem forte
e alto na sua roupa simples e confortável, usando sandália franciscana e capaz
de produzir obras que ganhavam concursos nacionais.
No próximo dia 13.12.18 a Academia Catarinense de
Letras vai entregar ao Karam o prêmio Othon Gama D’ Eça. Como ele já partiu,
fico pensando naquela solidária companheira dele que vi no Rio de Janeiro, e
imagino que ela é quem virá receber essa honraria de agora.
Espero um dia encontrá-lo para botar a conversa em dia,
Manoel Carlos Karam!
Sertão da Enseada de
Brito, 03 de dezembro de 2018.
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