Por
Humberto Pinho da Silva (Porto, Portugal)
Quando frequentava o liceu
Alexandre Herculano, no Porto, tinha como companheiro, rapaz de olhos tímidos,
que se isolava da restante turma.
Mal a sineta tocava, indicando
que era hora de recreio, saia, calmamente, e logo se encostava ao balcão do
vestuário, a conversar, ou melhor, a ouvir, a senhora Olívia, mulher baixinha,
de meia-idade, responsável pela roupa, e demais utensílios dos alunos.
Era, na ocasião, o “urso” da
turma. Sempre tinha resposta pronta, na ponta da língua, e indicador alçado ao
céu de estuque, da sala.
Mais tarde, inexplicavelmente,
foi decaindo, chegando a reprovar, uma ou duas vezes, o mesmo ano.
Lembrei-me desse infeliz ao
falar com o amigo Zé; e no que me disse, em dia de confidências: “ - Raras
vezes aceitam as minhas ideias! …”
É que, muitos anos depois de
ter deixado os bancos liceais, encontrei-o, como balconista, numa livraria da
minha cidade.
A fisionomia era a mesma, assim
como o aspecto físico, mas logo pressenti, que dentro daquele corpo franzino,
de olhos tristes e acabrunhados, havia espírito de invulgar capacidade.
Durante a curta conversa que
travamos, disse-me: que ninguém o levava a sério, porque: “ humilde
trabalhador, nunca tem razão…”
Até descobrir meio eficaz de
ser escutado, com atenção, e com muito respeito.
- Como? - Perguntei,
curioso.
- “ A maioria das
pessoas, são como livros encadernados, de folhas brancas: bonitos por fora,
ocos por dentro; mas prezam-se de serem considerados cultos…Quando
se quer impor opinião, sempre se deve, esclareces: que a ideia não é nossa, mas
de iminente figura: filósofo famoso; teólogo sapiente; político considerado;
economista reconhecido; ou psicólogo iminente.”
E prosseguiu:
- ” Ao citar frases inteiras
(falsas) e opiniões de homens célebres (que apenas se conhece o nome), sobre
este ou aquele assunto, o interlocutor, que não quer ser considerado ignorante,
engole em seco, e “ acredita”, admirando o saber e a cultura do amigo ou
subordinado.”
Assim, segundo disse, passou de
néscio, a sapiente; de “analfabeto” a “doutor”.
Não sei se a esperteza do meu
antigo condiscípulo, é original; mas receio, que haja “eruditos” de cafetaria,
que empreguem o estratagema com sucesso.
A fraude, só pode ser
descoberta – julgo eu, – se a citação é escrita, e acompanhada do nome da obra,
onde se encontra inserida.
O atrevimento não tem limites…
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