quarta-feira, 3 de abril de 2019

SEREIA


Por Urda Alice Klueger (Enseada de Brito, SC)

                                   Chegou uma sereia a esta Enseada. Não se sabe bem como chegou, como se desgarrou das outras sereias que viviam em grupo em águas tépidas de um longínquo mar meio verde, meio azul – decerto foi a febre que a desnorteou e fê-la perder-se dentre as correntes marinhas, a tal ponto que já não sabia mais dar conta de si e se deixou levar pelas águas batendo queixo, com tremuras de frio, até tão longe que já não sabia mais aonde estava. Talvez tivesse morrido, pois sereias também morrem, caso não tivesse encalhado aqui nesta Enseada. Marolinhas de nada fizeram com que sentisse que ali era um mar com fundo raso, e ela se ajudou um pouco e encalhou na praia, noite fechada, sem fazer ideia de onde estava. Reconheceu a forma de uma canoa e se escondeu dentro dela, encolhida e infeliz, a febre alta a devorá-la, espasmos de tosse a não lhe permitirem o descanso.
                                   Foi o dono da canoa quem viu aquela sereia encolhidinha ali e alertou ao moço bonito, que veio com cuidado, sentiu a temperatura dela, ouviu a tosse, pensou nos chás que ela deveria tomar e acabou por toma-la nos braços com o cuidado e a ternura com que se carregam filhotes peludos. Levou-a para a sua casa, aquela casa que há muito ele preparava com requinte à espera de uma sereia, toda arrumada e ajeitada por dentro e por fora, pois quem espera sereias é muito cuidadoso em todos os detalhes. Deitou a sereia na sua própria cama, fez-lhe os chás, diminuiu-lhe a febre, aprontou um prato com a boa comida que os moços bonitos sabem fazer, e no outro dia ele a tinha devolvido à vida.
                                   Eu a conheci ontem, a essa sereia de sobrancelhas cerradas como as que vivem ao norte do Oceânico Índico, longos cabelos de pura seda que devem ondular muito lindo dentro da água, mas que também são tão bonitos assim na secura do ar – usava uma camiseta do moço bonito, pois aqui é terra de gente que usa roupa, e a luz da tarde rebrilhava calidamente nas escamas do seu longilíneo rabo em tons de negro e prata, como são os de tantas sereias. Estava sem febre e se deliciava comendo algumas frutas. Achei que ela irá ficar morando aqui fora do mar e que no futuro nascerão sereiazinhas na casa do moço bonito. Oxalá!

Sertão da Enseada de Brito, 23 de março de 2019.

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