Por Urda Alice Klueger (Enseada de Brito, SC)
Chegou uma sereia a esta Enseada.
Não se sabe bem como chegou, como se desgarrou das outras sereias que viviam em
grupo em águas tépidas de um longínquo mar meio verde, meio azul – decerto foi
a febre que a desnorteou e fê-la perder-se dentre as correntes marinhas, a tal
ponto que já não sabia mais dar conta de si e se deixou levar pelas águas
batendo queixo, com tremuras de frio, até tão longe que já não sabia mais aonde
estava. Talvez tivesse morrido, pois sereias também morrem, caso não tivesse
encalhado aqui nesta Enseada. Marolinhas de nada fizeram com que sentisse que
ali era um mar com fundo raso, e ela se ajudou um pouco e encalhou na praia,
noite fechada, sem fazer ideia de onde estava. Reconheceu a forma de uma canoa
e se escondeu dentro dela, encolhida e infeliz, a febre alta a devorá-la,
espasmos de tosse a não lhe permitirem o descanso.
Foi o dono da canoa quem viu
aquela sereia encolhidinha ali e alertou ao moço bonito, que veio com cuidado,
sentiu a temperatura dela, ouviu a tosse, pensou nos chás que ela deveria tomar
e acabou por toma-la nos braços com o cuidado e a ternura com que se carregam
filhotes peludos. Levou-a para a sua casa, aquela casa que há muito ele
preparava com requinte à espera de uma sereia, toda arrumada e ajeitada por dentro
e por fora, pois quem espera sereias é muito cuidadoso em todos os detalhes.
Deitou a sereia na sua própria cama, fez-lhe os chás, diminuiu-lhe a febre,
aprontou um prato com a boa comida que os moços bonitos sabem fazer, e no outro
dia ele a tinha devolvido à vida.
Eu a conheci ontem, a essa sereia
de sobrancelhas cerradas como as que vivem ao norte do
Oceânico Índico, longos cabelos de pura seda que devem ondular muito lindo
dentro da água, mas que também são tão bonitos assim na secura do ar – usava
uma camiseta do moço bonito, pois aqui é terra de gente que usa roupa, e a luz
da tarde rebrilhava calidamente nas escamas do seu longilíneo rabo em tons de
negro e prata, como são os de tantas sereias. Estava sem febre e se deliciava
comendo algumas frutas. Achei que ela irá ficar morando aqui fora do mar e que
no futuro nascerão sereiazinhas na casa do moço bonito. Oxalá!
Sertão da Enseada de
Brito, 23 de março de 2019.
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