Carta
Repúdio Contra ‘’crimes raciais’’ no Brasil
Por Clarisse da Costa (Biguaçu, SC)
Pela
nossa liberdade, cultura e origem, em nome da população negra e nossos
ancestrais.
Por Dandara que preferiu a própria morte a viver em escravidão. Mãe e esposa de Zumbi com 3 filhos pequeno lutou pela libertação de seus irmãos negros e negras. Mulher que representa as mulheres negras em geral e que tão pouco sua história é falada. Mulher que com o passar dos séculos não é reconhecida nem estudada. Uma marca típica do machismo. Por Mariana Crioula que bravamente fugiu da condição de escrava na fazenda onde vivia na região do Vale do Paraíba. Não o bastante se aliou aos lideres do grupo, dentro destes líderes estava presente Manuel do Congo. Aí ela passa ser conhecida como rainha do quilombo.
Por Zumbi que tanto lutou pelo povo negro, líder no Quilombo dos Palmares. Grande símbolo na luta contra escravidão, pela liberdade do culto religioso e a cultura africana no nosso país. Um líder que mesmo nascido livre viveu a condição de escravo. Aos sete anos de idade foi entregue para um padre católico e com ele perdeu a sua identidade, sendo batizado e nomeado Francisco. Assim aprendeu a língua portuguesa e a religião católica. O que o levou a ajudar o padre em suas missas. Homem que aos 15 anos decidiu que era a hora lutar com toda força por si mesmo e pelos seus. Homem valente que no Quilombo lutou até o fim de sua morte em 1965.
Por Marielle Franco, mulher negra que lutou sempre por igualdade, respeito e direitos de todos. Mulher diplomata, socióloga e com mestrado em administração pública. Uma mulher valente, eleita vereadora com 46.502 votos no Rio de Janeiro. Mulher sentenciada ao silêncio eterno no dia 14 de março de 2018. Uma morte até hoje sem respostas.
Por Nelson Mandela, homem que por muitos anos foi atuante contra o processo de discriminação instaurado pelo apartheid, na África do Sul. Homem negro que se tornou ícone a nível internacional na defesa das causas humanitárias. Homem que mesmo numa prisão perpétua não deixou de lado os seus ideais, a sua luta.
Por mim, por você, por todos é que eu repudio todo e qualquer tipo de crime racial na indulgência da nossa liberdade, direito de todos. Racismo é crime. Está na Constituição Federal de 1988. No artigo 3, inciso XLI, diz que ‘’Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação’’. E no artigo quinto, Inciso XLI, diz que ‘’a lei punirá qualquer discriminação atentatória dos direitos e liberdades fundamentais’’.
Todo indivíduo, seja ele brasileiro ou não tem que entender que discriminação é o ato de fazer distinção. E se tornar ciente de que o racismo é a forma mais cruel de discriminação relacionado às características raciais. Este crime pode ocorrer de diversas formas, seja por imagens ou comentários. Mas o crime não se restringe somente as redes sociais, temos agressões, intimidação, difamação e exposição vexatória de pessoas ou grupos. Como nos dias atuais com os avanços tecnológicos a cor da pele possa fazer tanto a diferença? Por qual motivo as pessoas se deixam levar pela aparência física, vestimenta e cor de pele? Penso que muitas pessoas nutrem certo prazer em humilhar e discriminar outras pessoas.
No Brasil o racismo é algo que acontece diariamente. Este crime é presente na vida de muitas pessoas e somente quem é negro e passou por isso pode contar o peso dessa dor. Eu sofri com o racismo na infância e sofro até hoje mesmo que não explícito. Quem é branco jamais vai saber o que é receber um olhar de suspeita ou indiferença. Ouvir chamarem você de macaco, ou falarem que o seu cabelo é feito palha de aço. Jamais vão ouvir seu primeiro amor lhe chamando de ‘’negra fedida e suja’’. Eu chego com a minha ousadia e luto por todos.
Eu chego lutando em nome de muitos guerreiros, pertencente a nossa história. Minha consciência negra é de luta. E você que pouco entende vai perguntar o que é consciência negra. É toda trajetória que nós negros enfrentamos com a escravidão e pós–escravidão, a luta pela nossa inclusão na sociedade. A luta pela nossa liberdade.
Liberdade que vem com a gente logo ao nascimento. Por isso que se diz que "o homem é livre por si mesmo". Mas claro que como tudo na vida a liberdade tem as suas restrições em razão do homem optar viver em sociedade. No entanto privar o homem dos seus direitos, respeito, dignidade e de viver em sociedade é fazer deste homem prisioneiro.
A população negra não pode ser condenada, humilhada e discriminada por causa da cor de sua pele. Afirmo eu repudio todo e qualquer tipo de crime racial. Por esta razão, com a crescente criminalização racial no Brasil convoco toda a população negra a entrarem nessa luta comigo. Pois é sabido que aquele ou aquela com todo seu discernimento e consciência é um ser humano e como tal tem seus deveres e direitos, seja qual for a sua raça. A raça identifica cada indivíduo, seja por sua cor, etnia, origem e cultura, ao mesmo tempo em que é responsável pela criação e manutenção de um sistema desigual.
A desigualdade social forma grupos, julgamentos precipitado e exclui pessoas. Na natureza humana cada indivíduo é encarado de forma diferente por serem exatamente diferentes, mas a aceitação é o processo que passa por décadas. E discriminar acarreta danos na vida de uma pessoa. O negro é o que mais sofre com isso. Claro que outros grupos, sejam pela opção sexual, ou escolha de vida, também sofrem. Mas o negro carrega com sigo uma história pesada e mesmo depois de séculos acarreta danos a sua vida.
As variações de sua cor embora sejam bonitas, causam repulsa para muitos. As pessoas precisam ter o discernimento de que o mundo é uma pluralidade de pessoas, raças, cores e variantes sexualidades. Mas é algo lento. Talvez uma das coisas que ajudaria na construção do humano fosse esta, ver o outro e o mundo como um só. Uma conexão. A contradição disso tudo é que de olhos fechados somos todos iguais. Com perdão aos deficientes visuais… Sejamos, pois cegos, para vermos o mundo realmente como é: uma pluralidade.
A discordância desse fato e não aceitação do ser diferente leva por décadas a existência do preconceito e acarreta ao negro uma imensa fome. E diferente da ambição pela matéria, o negro tem fome por outras coisas. A fome que o consome é a essência da sua dignidade. Fome por respeito, fome por justiça, fome por igualdade, fome pelo seu espaço na sociedade.
Por décadas calaram a real história sobre os negros e a escravidão africana. Hoje querem calar a voz de quem luta, de quem trabalha
Quando somos submetidos a torturas como fora no passado, a identidade nos roubada na época da escravidão e os dias atuais forçados a nos calarmos nós temos que unir forças e mostrar que não esmorecemos por nada.
Eu tenho orgulho da minha cor e da minha história. Tenha você também orgulho de suas origens.
Aos governantes só tenho a pedir que não somente lembrem-se da população negra na hora do voto e sim, principalmente, quando forem pensar em fazer algo melhor pelo Brasil. Porque para cá fomos trazidos sem se quer chance alguma de escolha. E geramos toda a economia e cultura brasileira. Demos frutos e aqui estamos para nascer viver e morrer nessa pátria desigual.
Sobre a autora: Clarisse
da Costa é militante do movimento negro em Biguaçu, Santa Catarina Contato:
clarissedacosta81@gmail.com
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