Por Paccelli José Maracci Zahler (Brasília, DF)
Já havia passado alguns invernos apesar de sua pouca
idade. Era o vento frio despenteando o cabelo, a geada cobrindo as coxilhas, a
chuva fina estendendo-se por dias, semanas, meses, até a chegada da primavera.
Á noite, era quase impossível sair de casa. O frio era
mais intenso ainda, com temperaturas de até cinco graus Celsius negativos.
A rotina era sempre a mesma. Chegar da escola, brincar
um pouco, um banho bem quente, jantar, um pouco de televisão, uma botija de
água quente embaixo dos cobertores para aquecer a cama e os pés. Em algumas
ocasiões, queimar um pouco de álcool em uma espiriteira para aquecer o quarto.
E antes de deitar, um chá de limão com mel para prevenir a gripe.
Essa era a sua visão de um inverno rigoroso, daqueles
de doer os ossos, até o dia em que viu o quadro com neve que o fizera sonhar
pelos anos seguintes de sua existência.
A imagem era completamente exótica, composta por uma
sala e uma janela através da qual se observava um pinheiro e uma rua cobertas
de neve.
A sala era impecável. Possuía uma poltrona, um sofá,
uma estante com livros, uma vitrola e uma mesa no centro.
No chão, um tapete redondo, de cores variadas,
bastante espesso ao lado de uma lareira com o fogo crepitando.
Ficava se perguntando a quem pertenceria aquela sala
tão bem arrumada, com tudo no seu devido lugar, sem um grãozinho sequer de
poeira. Ah, se pudesse entrar naquela sala, deitar naquele sofá, olhar a neve
pela janela. Mas, em que cidade, em que país?
A única coisa que sabia é que era inverno. Um inverno
diferente, sem geada, porém com muita neve.
E o que seria a neve? Será que era igual ao gelo do
congelador da geladeira? Sua imaginação voava a cada nova pergunta.
Interessante, ponderava, o gelo no congelador era
transparente ao passo que a neve que cobria o pinheiro era branca. Assim ela
aparecia no cinema, nas revistas em quadrinhos, branca, suave, macia. Não podia
ser como o gelo do congelador, duro a ponto de arranhar a palma das mãos.
Despertou do seu devaneio quando a professora avisou
que faltavam cinco minutos para terminar a prova de redação.
Na volta para casa, seu pensamento não conseguia se
desviar daquele quadro. A neve! Afinal de contas, como seria a neve?
Lembrou-se de um artigo no exemplar de maio da revista
Seleções do Reader s Digest que a neve era composta de flocos, muitos deles
hexagonais, com uma série de minúsculos desenhos que podiam ser observados ao
microscópio e até mesmo fotografados.
Anos, muitos anos depois, teve a sua curiosidade de
criança satisfeita.
O quadro, todavia, nunca saiu de sua cabeça e foi para
sempre o seu ponto de contato com a infância que ficou para trás.
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