domingo, 1 de março de 2020

AOS QUE VIRÃO


Por Paccelli José Maracci Zahler (Brasília, DF)


"Ide e derramai sobre a terra as sete taças da ira de Deus".
Apocalipse, 16:1


É triste pensar que, dentro de mais alguns dias, seremos pessoas do século passado. Mais triste ainda é pensar no quanto a violência tem aumentado nos últimos anos, tanto nas áreas urbanas quanto nas áreas rurais, tanto nos países desenvolvidos como nos subdesenvolvidos.
Aparentemente, pode-se pensar que se trata de um fenômeno comum quando ocorre uma mudança de século.
Nesses períodos de transição, são comuns o surgimento de seitas e profecias apocalípticas e o aumento do número de suicídios e homicídios, causados pelo desespero das pessoas e pela falta de esperança em um mundo melhor.
Isto parece estar nos afetando neste momento, agravado pelo grande desenvolvimento dos meios de comunicação, o avanço da informática e a popularização dos computadores pessoais interligados na rede mundial de computadores.
A informação tem chegado em tempo real. Chega-se ao preciosismo de se assistir a uma guerra, ao assassinato de um importante líder mundial ou a um espetáculo de rock n roll em uma ilha longínqua do Oceano Pacífico ao vivo.
Com toda certeza isso está afetando o pensamento das pessoas.
Nós, homens do século XX, talvez não estejamos preparados para todo esse desenvolvimento tecnológico aplicado ao nosso cotidiano.
Somos de uma época mais tranqüila, mais romântica, mais sonhadora. Todo esse arsenal que hoje se encontra disponível nas lojas de eletro-eletrônicos não são novidades. Já o conhecíamos através das histórias de Flash Gordon, Dick Tracy, Super-homem, Batman e Buck Rogers, que devorávamos com atenção máxima.
Apesar de quase perdermos as esperanças algumas vezes, ainda sonhamos com um mundo melhor e mais justo.
Ainda queremos passear de mãos dadas com a amada em um jardim florido, ouvindo o canto dos pássaros, respirando o ar fresco das manhãs e sentindo o calor do sol aquecendo o corpo.
Esquecemos que hoje, o namoro acontece através do computador, em um quarto fechado, luz fluorescente, ar condicionado ligado, bebendo refrigerante e comendo sanduíche.
Queremos sentir o toque da pele, o carinho, o olhar de cumplicidade em nossos momentos mais íntimos a dois. Porém, não levamos em conta que, nos dias de hoje, o amor pode ser feito através do telefone ou do computador, em qualquer parte do mundo, em qualquer horário, por cinco dólares o minuto.
Quase não se vê crianças brincando ao ar livre de amarelinha, de roda, pular corda, soltar pipa ou jogar bola de gude.
As brincadeiras foram transformadas em softwares, receberam mais velocidade e uma boa pitada de violência, podendo ser processadas através do computador ou do videogame. Assim, em um mundo virtual, o sangue jorra, personagens são mortos com requintes de crueldade mas retornam para mais uma rodada do jogo.
Suspeita-se que o excesso de fantasia esteja afetando o cérebro dos adolescentes, condicionando suas mentes e afastando-os do mundo real. Pelo menos, é a explicação mais plausível para os recentes assassinatos ocorridos nas escolas americanas, onde jovens fortemente armados atiraram contra professores e colegas, suicidando-se depois. Alguns deles eram aficionados de jogos eletrônicos e planejaram seus ataques de acordo com a mesma trama do jogo.
Que dizer do novo modelo econômico mundial - a globalização? Pois é, tem se incentivado, através da televisão e da propaganda, a competitividade, o êxito profissional, o sucesso, somente os fortes conseguem vencer e assim por diante. E o que acontece com os excluídos? Como sobreviver em um mundo competitivo se não se tem acesso às condições materiais mínimas, a uma formação intelectual e profissional adequadas para competir em pé de igualdade com os demais?
A exclusão também gera desespero, agressividade, violência.
Pois é, dentro de mais alguns dias, seremos gente do século passado. Seremos também ultrapassados? Não sei, contudo, talvez algum dia nos orgulhemos de termos brincado ao ar livre, pulado corda, subido em árvore, namorado no banco da praça vendo a banda municipal tocar marchinhas no coreto e termos tido inspiração para escrever poemas.
Quanto aos que virão... Coitados!

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