Por Clarisse da Costa (Biguaçu, SC)
Eu poderia estar pisando numa poça d'água se
não fosse tão tarde. A chuva que cai esta noite me traz tantas recordações. Eu
consigo me ver com os meus barquinhos de papel e os meus pés pisando no barro
vermelho em frente à minha casa. De alguma forma eu tinha uma liberdade mesmo
que limitada. Os tempos eram outros. Dá para acreditar que o céu era mais azul?
Falando assim até parece que alguém andou dando um retoque na cor como se o céu
fosse a tela de um pintor famoso.
Mas é que as perspectivas daquele período eram
outras. A gente sonhava sem ter a certeza de alguma coisa. É como se a gente
sonhasse apenas por sonhar. Vai que por acaso acontecesse. Desculpa. Esqueci
que o acaso não existe.
Mas também não dá pra dizer que o destino tem
data marcada para acontecer. O calendário é mero figurante! Pisar na terra onde
a gente morava sempre foi a certeza de que tínhamos um lugar para onde voltar.
A hora mais esperada era o fim de aula. Pelo caminho eu via flores, copo leite,
boca de leão, Maria sem vergonha e rosas vermelhas.
O barato era sentir e ver a vida se
transformando diante dos meus olhos. Nada de pressa. Correr era só na hora da
brincadeira. Por que na infância tudo parece tão mais fácil e leve? Um grão de
areia fora do lugar não tinha importância. A gente só fazia questão de ri.
Tudo tinha graça. Dona Maria cantando era
poesia. O sol na janela era sinal de que já era dia. E tudo começava outra vez num
pulo só você saia da brincadeira de corda. Com um pulo só você não conseguia
que São Loguinho atendesse o seu pedido. Crendice? Não sei. O santo nunca
falhou comigo.
Eu sempre dei três pulinhos. O engraçado é que
a gente cresce e algumas coisas vão com a gente. Eu ainda acordo e vejo flores,
o sol clareia o meu quarto mesmo com a janela fechada. O barro é o mesmo barro
vermelho, mas agora piso em concreto. Não é mais possível pisar no chão. A vida
continua indecifrável.
Acho que é assim para todo ser humano. Não dá
para saber tudo nem entender de tudo. É mais provável que a vida queira que a
gente apenas viva. Viver até o último sopro de vida. A morte também é mero
figurante! E nós somos passageiros. É muita ingenuidade achar que somos
imortais.
Somos eternos nas memórias de algumas pessoas e
nas fotografias coladas em álbuns. No meu tempo fotografia era sinônimo de quem
tinha dinheiro. Pobre e preto tinha as suas lembranças gravadas na mente.
Se você pensar bem as lembranças mais fortes
nós temos com os pés descalços. Seja na areia da praia, na escola correndo,
brincando no nosso quintal ou no colo da mãe. Lembro de mim ralando o joelho e
a mãe cuidando de mim, o remédio ardia, mas isso não tirava o meu olhar do seu.
Era o meu segundo lar aqueles olhos.
Não sei como tem gente que não curte poesia, a
vida mesmo é um traçado poético! Mas é compreensível, às vezes a gente só gosta
daquilo que entendemos. Acho que é mais cômodo para o ser humano. A tendência é
que o ser humano queira que tudo venha fácil, sem obstáculo, sem luta. Bem
sabemos que um pouco de esforço não faz mal a ninguém.
Eu bem que queria saber como seria o mundo se
ele fosse sempre o mundo lúdico de uma criança. Será que os adultos seriam tão
chatos e julgadores uns dos outros? Acho que a resposta nunca terei. Até porque
não cabe ter todas as respostas.
A vida mesmo não é para ter respostas prontas.
Existem coisas na vida que levam tempo para acontecer. É como o despertar de
uma flor, os primeiros passos de uma criança e o sol que se põe no horizonte.
Dá até para perceber as transformações das
passagens do tempo conforme a nossa longa caminhada. Eu nunca pisei firme. Eu
sempre tive a instabilidade na ponta dos dedos. Mas eu nunca parei de tentar.
Clarisse
da Costa é cronista e poetisa em Biguaçu Santa Catarina.
Contato:
clarissedacosta81@gmail.com
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