sexta-feira, 1 de novembro de 2024

PAROLE: A MULHER DRAGÃO (1ª PARTE)

Por Samuel da Costa (Itajaí, SC)

 

‘’Quando bater na minha porta...

 Quando me pedir...

...para ser sua!

É amor? É desejo?

Amor doce

Doce amor correspondido

Soa como um grito.

Meu amor, como em um conto,

Mas é pura realidade.’’  

Patrícia Raphael

 

Elas atravessaram a via, movimentada, como se fossem duas crianças travessas. Caminhavam de mãos dadas, parecia que não se importavam com os olhares furtivos de reprovação, de alguns transeuntes, que apreciavam a cena matinal. Uma tinha a pele alvíssima, de quem raramente experimentava ver a luz do dia. De cabelos louros bem curtos, seios fartos, olhos vívidos e verdes e uma pequena tatuagem verde, no pulso esquerdo, ladeado de duas estrelas da mesma cor. Estava escrito em fonte manuscrita e em itálico: Agnes. Usava um vestido floral visco, usava uma delicada tiara artesanal amarela na cabeça, calçava sapatilhas Ires florida e seu rosto não possuía maquiagem alguma. Apesar de estar na meia idade, ainda mantinha o frescor primaveril, de quem estava descobrindo a vida naquele exato momento.       

A outra mulher ao lado, era a antítese da outra, com a pele amendoada, seios pequenos, cabelos longos, negros e finos, que iam até a cintura, olhos castanhos claros e ligeiramente puxados, o rosto levemente maquiado. Ela possuía também uma tatuagem tribal colorida que começava no ombro esquerdo que ia até o cotovelo e vestia nos pés, um sapato Poeme floral. Usava um par de brincos feitos de penas sintéticas coloridas, que imitavam a pena de pavão. E estampava um sorriso radiante, no seu belo rosto, que denunciava os seus vinte anos de idade. Usava um vestido esvoaçante, vaporoso, transparente e muito colorido.

 As duas mulheres, tomaram o caminho do Bar-café Garibaldi, não muito longe de onde as duas moravam. Caminhavam sem muita pressa, como se o tempo estivesse ali, então somente para servi-las. Alcançaram o Bar-café Garibaldi rapidamente, e lá defrontaram a seguinte cena. O recinto estava quase vazio naquele começo de manhã de sol outonal, havia ali poucos frequentadores. Na parede dos fundos do recinto, réplicas dos quadros de Salvador Dali, Picasso e Matisse que pareciam querer brigar entre si. Assim como o cardápio em português brasileiro, espanhol europeu e em inglês britânico, publicado na parede lateral esquerda do recinto, e distribuído nas mesas. As cores: vermelha, verde e branca, em diferentes tons, reinavam de forma absolutas, em toda parte, estavam presentes do teto até o piso. As mesas metálicas, contrastavam com as sofisticadas cadeiras de plástico. Uma caixa registradora antiga, estava em destaque no balcão, uma peça genuína e decorativa, pois não funcionava há anos. Havia também um pequeno grupo de jovens funcionários, todos e todas, devidamente uniformizados, sonolentos e apáticos, eles e elas estavam sentados, em um silêncio absoluto, atrás do balcão a esperar da clientela. Na cozinha, o barulho alto de risadas parecia não incomodar ninguém, que ali estava. No canto direito, havia uma moderna jukebox, tocava um sucesso ocasional e descartável do momento, em volume bem baixo.

Quando as duas ‘’criaturas’’, adentraram de mãos dadas, porta adentro, os frequentadores habituais, fizeram cara de muxoxo. Já os clientes acidentais, pouco se importaram com a presença das duas ‘’criaturas’’, que chegaram uns minutos antes da duas. Então a morena, de pele amendoada, desfilou de forma sensual, foi até o fundo do Bar-café Garibaldi, colocou uma nota na jukebox, chamando atenção de todos para si, até mesmo do pequeno grupo de jovens funcionários. A morena, delicadamente, dedilhou alguns números na tecla da máquina, não disfarçando a impaciência de quem procurava alguma coisa, mas não encontrava. Então a máquina, passou a reproduzir um sucesso obscuro, uma música romântica antiga e cantada em francês, para alegria da morena que nessa hora, era toda sorrisos. A música, era executada bem alto e tomou conta do lugar por inteiro. A teuta, ficou parada na porta, apreciando os trejeitos da amiga, ela procurava se conte, mas em vão, um pequeno sorriso que brotou na face da loura. A morena, era só sorriso, enquanto retornava à porta de entrada. As duas, se entreolharam e decidiram de comum acordo tácito, ocupar uma mesa perto da porta de entrada. Então se sentaram e aguardaram para serem atendidas e servidas.

E lá fora carros, ônibus, motocicletas, carroças, bicicletas e transeuntes desavisados, circulavam na via rápida, estavam alheios ao que ocorria dentro do Bar-café Garibaldi. Na embaúba, que cresceu ao lado esquerdo do Bar-café Garibaldi, onde o Bem-te-vi fêmea fizera o seu ninho, um pouco acima dos fios de alta tensão. O pássaro silvestre, alimentava as suas duas crias, nascidas há poucos dias. Elas estavam famintas, naquele começo de manhã de sol outonal. Também estavam alheios de tudo e de todos, seguiam as suas existências primitivas, sem se importar com nada, para além das suas próprias existências selvagens.

Fragmento do livro: A casa de teto verde, de Samuel da Costa, contista, cronista, poeta e novelista em Itajaí, Santa Catarina.

 

Nenhum comentário:

Postar um comentário