Por Samuel da Costa (Itajaí, SC)
‘’Quando
bater na minha porta...
Quando
me pedir...
...para
ser sua!
É
amor? É desejo?
Amor
doce
Doce
amor correspondido
Soa
como um grito.
Meu
amor, como em um conto,
Mas é
pura realidade.’’
Patrícia Raphael
Elas atravessaram a via,
movimentada, como se fossem duas crianças travessas. Caminhavam de mãos dadas,
parecia que não se importavam com os olhares furtivos de reprovação, de alguns
transeuntes, que apreciavam a cena matinal. Uma tinha a pele alvíssima, de quem
raramente experimentava ver a luz do dia. De cabelos louros bem curtos, seios
fartos, olhos vívidos e verdes e uma pequena tatuagem verde, no pulso esquerdo,
ladeado de duas estrelas da mesma cor. Estava escrito em fonte manuscrita e em
itálico: Agnes. Usava um vestido floral visco, usava uma delicada tiara
artesanal amarela na cabeça, calçava sapatilhas Ires florida e seu rosto não
possuía maquiagem alguma. Apesar de estar na meia idade, ainda mantinha o
frescor primaveril, de quem estava descobrindo a vida naquele exato
momento.
A outra mulher ao lado, era a
antítese da outra, com a pele amendoada, seios pequenos, cabelos longos, negros
e finos, que iam até a cintura, olhos castanhos claros e ligeiramente puxados,
o rosto levemente maquiado. Ela possuía também uma tatuagem tribal colorida que
começava no ombro esquerdo que ia até o cotovelo e vestia nos pés, um sapato
Poeme floral. Usava um par de brincos feitos de penas sintéticas coloridas, que
imitavam a pena de pavão. E estampava um sorriso radiante, no seu belo rosto,
que denunciava os seus vinte anos de idade. Usava um vestido esvoaçante,
vaporoso, transparente e muito colorido.
As duas mulheres,
tomaram o caminho do Bar-café Garibaldi, não muito longe de onde as duas
moravam. Caminhavam sem muita pressa, como se o tempo estivesse ali, então
somente para servi-las. Alcançaram o Bar-café Garibaldi rapidamente, e lá
defrontaram a seguinte cena. O recinto estava quase vazio naquele começo de
manhã de sol outonal, havia ali poucos frequentadores. Na parede dos fundos do
recinto, réplicas dos quadros de Salvador Dali, Picasso e Matisse que pareciam
querer brigar entre si. Assim como o cardápio em português brasileiro, espanhol
europeu e em inglês britânico, publicado na parede lateral esquerda do recinto,
e distribuído nas mesas. As cores: vermelha, verde e branca, em diferentes
tons, reinavam de forma absolutas, em toda parte, estavam presentes do teto até
o piso. As mesas metálicas, contrastavam com as sofisticadas cadeiras de
plástico. Uma caixa registradora antiga, estava em destaque no balcão, uma peça
genuína e decorativa, pois não funcionava há anos. Havia também um pequeno
grupo de jovens funcionários, todos e todas, devidamente uniformizados,
sonolentos e apáticos, eles e elas estavam sentados, em um silêncio absoluto,
atrás do balcão a esperar da clientela. Na cozinha, o barulho alto de risadas
parecia não incomodar ninguém, que ali estava. No canto direito, havia
uma moderna jukebox, tocava um sucesso ocasional e descartável do
momento, em volume bem baixo.
Quando as duas ‘’criaturas’’,
adentraram de mãos dadas, porta adentro, os frequentadores habituais, fizeram
cara de muxoxo. Já os clientes acidentais, pouco se importaram com a presença
das duas ‘’criaturas’’, que chegaram uns minutos antes da duas. Então
a morena, de pele amendoada, desfilou de forma sensual, foi até o fundo do
Bar-café Garibaldi, colocou uma nota na jukebox, chamando atenção de todos para
si, até mesmo do pequeno grupo de jovens funcionários. A morena, delicadamente,
dedilhou alguns números na tecla da máquina, não disfarçando a impaciência de
quem procurava alguma coisa, mas não encontrava. Então a máquina, passou a
reproduzir um sucesso obscuro, uma música romântica antiga e cantada em
francês, para alegria da morena que nessa hora, era toda sorrisos. A música,
era executada bem alto e tomou conta do lugar por inteiro. A teuta, ficou
parada na porta, apreciando os trejeitos da amiga, ela procurava se conte, mas
em vão, um pequeno sorriso que brotou na face da loura. A morena, era só sorriso,
enquanto retornava à porta de entrada. As duas, se entreolharam e decidiram de
comum acordo tácito, ocupar uma mesa perto da porta de entrada. Então se
sentaram e aguardaram para serem atendidas e servidas.
E lá fora carros, ônibus,
motocicletas, carroças, bicicletas e transeuntes desavisados, circulavam na via
rápida, estavam alheios ao que ocorria dentro do Bar-café Garibaldi. Na
embaúba, que cresceu ao lado esquerdo do Bar-café Garibaldi, onde o Bem-te-vi
fêmea fizera o seu ninho, um pouco acima dos fios de alta tensão. O pássaro
silvestre, alimentava as suas duas crias, nascidas há poucos dias. Elas estavam
famintas, naquele começo de manhã de sol outonal. Também estavam alheios de
tudo e de todos, seguiam as suas existências primitivas, sem se importar com
nada, para além das suas próprias existências selvagens.
Fragmento do livro: A casa
de teto verde, de Samuel da Costa, contista, cronista, poeta e novelista em
Itajaí, Santa Catarina.
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