Por Samuel da Costa (Itajaí, SC)
‘’Mesmo
com o coração machucado,
Escrevo,
escrevo porque preciso
Preciso
nutrir a minh’alma.’’
Fabiane Braga Lima
Omar estava cansado, fartamente cansado, pois fazia tempo que um sentimento
devastadoramente ruim, o atingira no seu âmago mais que profundo. Não era
vergonha, muito menos culpa, não eram antigas dívidas, lhe cobrando as suas
contas. Era algo bem pior, era uma infâmia, um opróbrio, algo aterrador, que
circundava o bem-sucedido empresário nonagenário. O homem idoso e muito rico,
se angustiava e debatia em si, em perdidas horas impróprias.
Naquele início de manhã outonal, Omar abriu os olhos e fixou o olhar
turvo, para cima, estou vivo, disse o angustiado Omar para si mesmo. E ele
sentiu uma presença perturbadora, ele ergueu a cabeça lentamente e procurou em
volta algo, no amplo quarto de dormir. O homem idoso, não procurava alguém, sim
algo, alguma coisa e lá estava o que tanto procurava, que estava afastada do pé
da cama.
Era
uma criança pequena, uma menina magérrima, de braços mirrados, lábios finos, os
fundos e vazios olhos amarelos rasgados. O olhar, parecia de uma juíza severa e
cruel, a condenar Omar, a uma pena longa, no pior das masmorras. A pequena
menina alva, de leves vestes alabastrinas, com ares de nobreza, traços negroides,
longos e lisos cabelos brancos, dentes nevados e serrados à mostra, em um
sorriso tétrico, lhe davam uma aparência alienígena. A menina usava uma
suntuosa bata cerimonial, intercalado com detalhes em temas africanos e a
indumentária lhe cobriam do pescoço aos pés. Os delicados colares no pescoço,
ricamente ornados, pareciam vir de outra realidade, de um outro plano astral.
A criança pequena sorrindo, lentamente se deslocou ao lado da cama e alcançou a
cabeceira da cama, ela chacoalhava as pulseiras de marfim e foi com
dificuldades que Omar percebeu que ela flutuava. Aterrado e paralisado em
retrospectiva que iam a viam, Omar via a criança chegar mais e mais perto. O
nonagenário, tentou fechar os olhos, não conseguiu e tentou pedir ajuda e não
conseguiu. A menina, chegou bem perto e ao pé do ouvido de Omar e ela sussurrou
em um idioma desconhecido, era um som alto, melodioso, metálico e cheio de ira,
que não eram terrenos.
O som alto e estridente, acordou o rico empresário, apavorado Omar levou a mão
direita ao lado, procurando a esposa e encontrou o vazio, pois Matilde, a
companheira da vida toda, de Omar, havia falecido há décadas. Omar fechou os
olhos e dormiu novamente, era um sono profundo e permeado por pesadelos
atrozes, em lugares perdidos, desolados e inóspitos cenários abissais
extraterrestres.
E foi assim, se passaram as manhãs de Omar, foram dias, meses
e anos em um ciclo que parecia não ter fim.
Fragmento do livro: Em
perpétuos ciclos, por Samuel da Costa, novelista, poeta e contista em
Itajaí, Santa Catarina.
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