sábado, 1 de julho de 2017

JARDIM (2017)

Por Paccelli José Maracci Zahler 



1ª ANTOLOGIA DA ATL


Gustavo Dourado e Paccelli M. Zahler
33ª Feira do Livro de Brasília - 2017

(arte: Paccelli M. Zahler)

1ª ANTOLOGIA DA ACADEMIA TAGUATINGUENSE DE LETRAS - ATL



É uma honra para mim, enquanto presidente da Academia Taguatinguense de Letras (ATL), Patrimônio Cultural, Material e Imaterial do Distrito Federal, trazer a público, para comemorar os 31 anos de nosso sodalício, a I Antologia da ATL, com edição da bem-conceituada e experiente jornalista e escritora Maria Félix Fontele, projeto gráfico e revisão de Gustavo Fontele Dourado e capa do mestre Toninho de Souza, um dos mais importantes artistas contemporâneos.
Esta seleta destaca a obra de mais de cem autores, entre acadêmicos titulares, honorários, correspondentes, beneméritos, colaboradores e eméritos, reunindo criadores de várias idades, dos 12 aos 90 anos, numa publicação única e inovadora. Verdadeiro marco para a nossa academia.
Sinto-me feliz em deixar significativo documento histórico para a posteridade da literatura brasileira. Além da participação dos acadêmicos da ATL e de autores contemporâneos, tenho o prazer de publicar poemas inéditos em livro, de escritores renomados, os quais foram cedidos para o projeto Poesia no Ônibus, coordenado por mim nos anos de 1995 e 1996, quando fui assessor de Literatura da Secretaria de Cultura do Distrito Federal. Assim, publicamos, pela primeira vez, poemas originais de Carlos Drummond de Andrade, Mário Quintana e Décio Pignatari, tornando-os bens acessíveis ao público e aos pesquisadores. Outro texto inédito trazido à luz do conhecimento dos leitores é uma carta de Luís da Câmara Cascudo, ícone da cultura brasileira, saudoso membro da Academia Brasileira de Letras.
Estamos cientes de que esse trabalho vem enriquecer a história da Academia Taguatinguense de Letras e ampliar, de maneira grandiosa, a nossa participação no contexto cultural do Distrito Federal. O objetivo maior é valorizar a literatura, o livro e a leitura, permitindo que jovens e estudantes conheçam a criação de nossos intelectuais e artistas da palavra, em seus mais diversos níveis, do erudito ao popular.
História - A ATL foi criada em 5 de junho de 1986 por 18 professores e escritores atuantes em escolas públicas do DF. De lá para cá, a instituição construiu sua história calcada na luta pela cidadania e na valorização do enriquecimento intelectual, a liberdade de expressão, a solidariedade e a promoção do livro, da leitura, do saber, das artes e da cultura de um modo geral.
É, sem dúvida, uma das entidades literárias e culturais mais atuantes do Centro-Oeste e, como consequência disso, foi tombada como Patrimônio Cultural, Material e Imaterial, conforme a Lei 5159, de 2013, votada pela Câmara Legislativa do DF, sancionada pelo Governo de Brasília e regulamentada em 12 de junho de 2014, pelo decreto 35.549.
A ATL possui e mantém em sua sede um acervo de mais de 7 mil livros de escritores do Planalto Central. Presença constante em eventos, feiras, bienais literárias e em escolas, com seus projetos e parcerias bem- sucedidas, transcendendo Taguatinga e conquistado o mundo com seus autores e autoras, a serviço da cultura e da cidadania.

Gustavo Dourado
Presidente da Academia Taguatinguense de Letras, Patrimônio Cultural, Material e Imaterial do DF 


CORDEL DA TROPICÁLIA

Por Gustavo Dourado (Taguatinga, DF)








PROF. ERNESTO WAYNE (MEMÓRIAS)


Por Paccelli José Maracci Zahler, Brasília, DF

O Prof. Ernesto Wayne foi nosso professor de Literatura em 1974. Por essa época, as minhas notas não eram lá essas coisas em Língua Portuguesa. Eu passava raspando e não gostava muito da matéria, pois não conseguia entender os conceitos, e a Gramática era uma tortura.
Quando o Prof. Ernesto Wayne entrou pela primeira vez na sala de aula, eu senti  um frio na espinha.  Seria mais um professor chato, a fazer exercícios com frases difíceis para análise sintática. E depois, chamar aluno por aluno e dar a nota baixa com expressão de triunfo. Puro preconceito!
Já na primeira semana, ele nos ditou umas regras básicas de pontuação e uso de preposições e regência verbal. Creio que dava umas dez folhas de arquivo, escritas com caneta tinteiro Parker 51, abastecida com a tinta Parker Quink azul, comprada na Livraria e Papelaria Previtalli, onde meu pai mantinha uma conta há muito tempo, desde o tempo em que estudara no Colégio Estadual “Carlos Kluwe”, que funcionava no atual Palacete Pedro Osório.
Depois, ele nos mandou ler “O Guarani”, de José de Alencar, e fazer uma resenha. Comprei um caderno de papel almaço pautado e fiz a tarefa. Entreguei-a na aula seguinte, morrendo de medo de levar nota baixa.
Para minha surpresa, o Prof. Ernesto Wayne leu e me deu 10. Foi o primeiro 10 em Português da minha vida.
A tarefa seguinte foi ler “Memórias de Um Sargento de Milícias”, de Manuel Antônio de Almeida; “Iracema”, de José de Alencar;  “Memórias Póstumas de Brás Cubas” e “O Alienista”, de Machado de Assis; e poesias de Castro Alves, do que eu me lembro.
No caso de Castro Alves, ele propôs um desafio – fazer um trabalho sobre o mais belo verso do poeta baiano.
Eu me lembro de ter pesquisado bastante e encontrei, em um livro editado pela Biblioteca do Exército – Bibliex, cujo título o tempo apagou, mas tratava-se de uma análise da vida e da obra de Castro Alves, que o verso mais belo verso era: “Auriverde pendão da minha terra”, do poema “O Navio Negreiro”.
Levei feliz o trabalho para o Prof. Ernesto Wayne, na certeza de receber mais uma nota alta. Para minha frustração, ele leu e me disse que estava errado, que o mais belo verso de Castro Alves era “Que a brisa do Brasil beija e balança”. Levei nota baixa. Tentei argumentar, mostrei o capítulo do livro que pesquisei, mas o Prof. Ernesto Wayne foi irredutível – o autor estava errado. E a nota continuou baixa.
Apesar da frustração, isso não me desestimulou,  muito pelo contrário. Graças às aulas do Prof. Ernesto Wayne, eu adquiri gosto pela leitura e pela Literatura nacional. Após 1974, eu passei a ser um leitor voraz. Acabei lendo toda a obra de José de Alencar, todas as poesias do Castro Alves, todos os livros do Fernando Sabino e muitos outros, e comecei a escrever contos, crônicas e poesias, guardados a sete chaves em meus diários.
Como passei a tirar notas boas em Português, que era a pedra no meu sapato, pois me saía bem nas outras matérias, acabei recebendo o Troféu “Aluno Distinção - 1976” do Colégio Nossa Senhora Auxiliadora, conferido pelo Círculo de Pais e Mestres daquele educandário, no final do Segundo Grau, em 29 de novembro de 1976.
Quando vim para Brasília, DF, em 1982, embora não escrevesse diariamente como de hábito, eu não parei.
Em 1991, participei de um Concurso Nacional de Poesias do Grupo Brasília de Comunicação e ganhei uma Medalha de Prata. Veio um Concurso Nacional de Contos e ganhei uma Medalha de Bronze, seguidas de muitas outras em poesias, contos e crônicas. A partir daí, passei a desenvolver uma atividade paralela – a literária.
Em 1997, fiquei muito triste com a notícia do passamento do Prof. Ernesto Wayne pelo jornal Minuano, via internet. Desde 1974 eu não o via, mas tinha notícias da sua atividade literária por meio de algumas edições antigas do jornal Correio do Sul, que amigos e parentes me mandavam. Eu estava radicado em Brasília, DF, e não conseguira expressar o meu agradecimento a ele.  
Graças ao Prof. Ernesto Wayne e ao gosto pela leitura e pela escrita que ele, com a sua didática, incorporou em mim, acabei sendo convidado a integrar associações e academias literárias, dentre elas a Academia de Letras do Brasil, Seccional Distrito Federal – ALB/DF, Cadeira nº 09. Na hora de indicar o Patrono, não tive dúvidas – o Prof. Ernesto Wayne, com a minha eterna gratidão por desenvolver em mim o gosto pelas Letras.

A VELHA AMARRADA AO BURRO

Por Humberto Pinho da Silva (Porto, Portugal)

Acontecia, outrora, aos médicos da província, cada uma, que nem ao mais levado mafarrico lembrava.
Fernando Namora, narra, com a graça que lhe era peculiar, as suas aventuras, em: “ Retalhos da Vida de um Médico”.
E muitas pitorescas e engraçadas historietas, se contam, desses humildes “ João Semanas”: - verdadeiros heróis, que alcançavam “ milagres” com os escassos recursos que dispunham.
Ora, havia nesse tempo, jovem médico, com consultório montado no centro da cidade de Bragança, considerado e respeitado, por todos os brigantinos.
Suas curas, espampanantes, espalharam-se por todo o distrito, desde Bragança até a terras de Miranda, porque não havia maleita, que não sarasse, nem mal que não passasse.
Tinha o jovem doutor, tia, velha, teimosa e rabugenta, que sofria de graves males, que seriamente a atormentavam. Mas – apesar dos rogos, – recusava, peremptoriamente, ir ao médico.
Os familiares andavam deveras preocupadíssimos. Como demove-la da contumácia?
À Vila não queria ir. Também o médico, que ai clinicava, estava tão ancilosado, que mal conseguia diagnosticar a mais leve enfermidade.
Os desconfiados aldeões, preferiam as antigas mezinhas das avós, ou a arte mágica de bruxas da região. - Por sinal, poucas e ignorantes, e tão néscias como os rústicos campesino, - do que ir à Vila.
O que fazer, então?, já que a velhinha piorava a olhos vistos?
Após muito matutarem e altercarem, entre si, os parentes da velha casmurra, assentaram encetar a árdua e perigosa viagem, por vales e montes e caminhos escabrosos, até Bragança. Terra grande, onde havia hospital e vivia o sobrinho (?) da enferma, que granjeara reputação de “ sapiente”.
Mas como, se a velha não queria?! …
Nessa recuado tempo, não havia quem tivesse automóvel - nem na aldeia, nem, talvez, no concelho. - O remédio era transportá-la de burro – animal pachorrento e amigo de fazer vontades.
Mas como convencer a velha?; se não queria sair de casa?
Acordaram, por unanimidade, chamar dois valentões, que agarraram e amarraram a mulher, com grossas cordas, à albarda, coberta por velha e surrada liteira.
Bem segura e bem atada, lá foi a nossa velha, bracejando e chorando, até à Praça da Sé, e da Praça até, à porta do consultório do famoso médico, onde arreataram o jerico,
Estava o clínico, de estetoscópio na mão, a auscultar conscientemente o peito de respeitosa idosa, quando escuta grande alarido, que subia da rua. Algazarra infernal, chinfrinado endiabrado, à mistura de muitos guinchos, berros e vozearia.
“ O que seria?!” – Pensou, atónito, o jovem médico.
Esclareceu-lhe a curiosidade a solicita empregada, que entrou afogueada no consultório, explodindo num misto de surpresa e indignação:
- “ Senhor doutor: Está uma mulher, a gritar e a estrebuchar, amarrada a um burrico! …e muita gente à volta! … Dizem que é tia do Senhor doutor!!! …”
- “ Pois vá dizer: que não sei quem é. E mande-os embora…Não atendo ninguém que venha amarrado a um burro! …”
Não houve outro remédio, apesar dos rogos e altercações, senão regressarem à terra, com a velha amarrada, e mais séquito de festiva garotada, até ao Loreto, que em risos e chalaças, galhofavam com a grotesca e hilariante cena.
Mais tarde, parentes do jovem médico, diziam, entre si, e para quem os queria ouvir, com olhos de indignação cravados no céu:
_ “ Parece impossível! Ter vergonha da tia! … Sangue do seu sangue! …”
E os aldeões, que os ouviam, repetiam, com cibinho de ira, sacudindo negativamente a cabeça:

- “ Vão estudar para a cidade. Ficam ricos, e não querem saber dos pobres! … É para isso que uma mãe cria o filho! …”

TORQUATIANA E UM POEMA PARA BELCHIOR

Por Gustavo Dourado (Taguatinga, DF)



A ALB SOB A ORDEM DE PLATÃO: ASPECTOS HISTÓRICOS E FILOSÓFICOS

Por Paccelli José Maracci Zahler, PhI, ALB/DF

A Academia de Letras do Brasil – ALB está comemorando 16 anos de fundação. Trata-se da Primeira Academia Mundial da Ordem de Platão, uma organização litero-cultural internacional politicamente ativa, com o objetivo de reconhecer e representar a cultura de todos os municípios do Brasil, congregando o pensamento criativo nacional por meio de escritores, cientistas e ativistas culturais.
Para entendermos seu significado, precisamos voltar no tempo, por volta de 384/383 a. C., quando o filósofo grego Platão fundou uma escola, posteriormente conhecida como Academia, nos arredores de Atenas, Grécia.
Durante muito tempo, pensou-se que a Academia era uma associação religiosa, pois as leis do Estado ateniense não previam um estabelecimento de ensino como o que Platão queria construir. Assim, a única forma de ter o reconhecimento jurídico e legal era registrar sua Academia como uma comunidade consagrada ao culto das Musas.
A Academia procurava fugir dos métodos tradicionais de ensino da época. Isso incluía buscar respostas para os problemas existenciais da sociedade; desenvolver novos campos de pesquisa; estudar matemática, filosofia e outros estudos considerados relevantes para a formação de homens de Estado, sem cobrar mensalidades de seus membros; e possuía um regulamento interno que previa a sua continuidade após morte do seu fundador.
Assim, após a morte de Platão, a Academia foi conduzida por Espeusipo (347–339 a.C.), Xenócrates (339–314 a.C.), Polemo (314–269 a.C.), Crates (c. 269–266 a.C.), Arcesilau (c. 266-241 a.C.), Lácides de Cirene (241-215 a.C.), Evandro e Télecles (205 - c 165 a.C.) e depois Hegésino (c. 160 a.C.). Continuou sob a direção de Carneades (155 a.C.), Clitômaco (129 - c 110 a.C.) e Filon de Larissa (cerca 110-84 a.C.), este considerado o “último platônico geograficamente ligado à Academia” pois, com a eclosão da Primeira Guerra Mitridática, em 88 a.C., deixou Atenas e refugiou-se em Roma, onde permaneceu até sua morte.
Alguns filósofos continuaram a ensinar o platonismo em Atenas durante a Era Romana. Contudo, somente no início do século V (c. 410) é que uma Academia renovada foi estabelecida. O filósofo Proclo chegou a Atenas, cerca de 430 d. C., e associou-se a Plutarco de Atenas e seu colega Siriano para ensinar na Academia.  Como se autodenominassem "sucessores" de Platão e se apresentassem como sendo a tradição ininterrupta desde Platão, foram chamados Neoplatonistas.
A Academia Neoplatônica atingiu seu ápice sob a liderança de Proclo (que morreu em 485 d.C.) e foi fechada pelo imperador Justiniano I, em 529 d.C.
O último acadêmico foi Damáscio (morto em 540 d.C.), enquanto os demais membros buscaram proteção na Pérsia, levando com eles preciosos papiros de literatura, filosofia e ciência.
 Alguns especulam que a Academia não tenha desaparecido por completo.
Cerca de 1.500 anos depois, mais especificamente em 01 de janeiro de 2001, foi efetivada a refundação da Academia de Platão, em Boa Vista, Roraima, pelas mãos do Prof. Dr. Mário Carabajal Lopes, PhI, com o objetivo de resgatar a linha de estudos platônicos para promover a cultura, a arte e servir como fórum de discussão dos problemas brasileiros e apresentação de soluções por meio de estudos e pesquisas. Esta é a razão pela qual consta em seu Estatuto tratar-se de uma Organização de iniciativa privada, utilidade pública, social, internacional, sem fins lucrativos, politicamente ativa.  Nela, não há distinção étnica, religiosa e social, para propiciar a integração dos indivíduos em conhecimento através da pesquisa, formação e aglutinação de pensadores e   escritores, cientistas, metafísicos e literatos.
Notam-se aqui elementos da ética platônica, na qual, tendo por base o Bem e a Razão, busca-se alcançar os valores verdadeiros e as virtudes com o objetivo de melhorar a sociedade e, consequentemente, viabilizar o Brasil como nação justa. Daí, a paradigmaximização das Leis Naturais, que nada mais é que a geração de conhecimento e busca de soluções utilizando a melhor estratégia e expertise para o bem do próximo e a disseminação da cultura por meio do ensino, dos livros e das artes.


VOLTAR

Por Pedro Du Bois (Balneário Camboriú, SC)

 

Quando nossos ancestrais vieram

livres da pobreza europeia

no mundo novo

ganharam espaços

para nos gerarem



não nascemos em terras

secas entre guerras



vicejamos na ignorância

suprida pelo espaço oferecido



perdida a história

 sonhamos a volta

aos vales verdejantes

que poderiam ter sido


e não foram.

GO BACK

By Pedro Du Bois (Balneário Camboriú, SC)

(Marina Du Bois, English version)

When our ancestors came
free from European poverty
in the new world
they have gained spaces
to generate us

we were not born in dry
land amid wars

we thrive in the ignorance
supplied by the offered space

of the lost history
we dream of returning
to the green valleys
that could have been
and were not.              

CARTA Nº 1 - DE ATAHUALPA PARA KATTY

Por Urda Alice Klueger (Enseada de Brito, SC)



Oi, Katty!

                                               Tenho certeza de que você se lembra de mim! Sou Atahualpa, o cachorro da Urda – quer dizer, agora sou um dos cachorros da Urda, embora saiba que sou o mais querido e o mais importante para ela.
                                               Quando viemos para cá, éramos somente eu e a Manuelita Saens, minha mana gata, lembra-se dela? Foi bem complicado para a Manuelita se acostumar aqui. Chegamos 4 dias antes da mudança só para ela ir se habituando. Ela descobriu uma passagem para o forro da casa e o primeiro mês passou lá – só descia à noite, quando escutava o familiar barulhinho de televisão ligada, ou quando Dona Julita, nossa vizinha, aparecia para uma visitinha. Até hoje Manuelita anda arisca e complicada, e a Urda arranjou a casa de um jeito que ela pode ir e voltar quando quer, passando por acessos alternativos. Tem uma mesinha chique, lá no quarto dos fundos, onde sempre tem comida e água para ela, e uma caminha de lã para os dias frios.
                                               Fazia pouco mais de um mês que estávamos aqui quando uma mulher de fora veio até aqui à nossa praia jogar um cachorrinho fora. Era dia de maré cheia, e ela jogou o cachorrinho na maré, para que morresse. Por sorte ele salvou-se e a nossa família aumentou. Ele não era um bebê, mas um cachorrinho de dois a três anos, segundo o veterinário, e fora muito maltratado. Depois que saciou a fome e recebeu amor, ficou um bichinho até bem bonitinho, só que parece mais uma raposinha do que um cachorro, e por causa disso é que seu nome ficou sendo Zorrilho. A gente é bem amigo um do outro, embora quem mande nele sou eu, claro!
                                               E quando passou mais um mês, desertaram uma gatinha por aqui, e nossa família aumentou de novo. Era tão pequenininha que ficou guardada dentro da banheira do quarto até crescer um pouco mais. Demorou uma semana para ela aprender a sair da banheira e começar a dominar o mundo. Chama-se Domitila Chungara, mas passou muito tempo até descobrirmos que ela era um menino. Ficou com o nome, de qualquer forma. Domitila come como uma retroescavadeira e é forte como um pônei, e ela, eu e Zorrilho nos damos muito bem, mas Manuelita não quer saber dela. Domitila é tão da pá virada que vai à praia brigar com os cachorrões e às vezes arranja tal encrenca que tem que passar a noite no alto de uma árvore lá da praia, para salvar a vida. Andou desaparecida durante seis dias, e eu e a Urda acabamos encontrando ela bem longe daqui, em outra comunidade.
                                               E agora veio a Tereza Batista, uma cachorrona MUITO maior que eu, que andava abandonada por aí. Tereza Batista andou mordendo algumas pessoas, inclusive nosso vizinho seu Mário Japonês e o futuro dela estava em perigo. Acabou vindo também para a nossa família. É malhada de branco e laranja, e eu também mando nela. Ela, Zorrilho e Domitila parecem três crianças pequenas: brincam o tempo todo, e depois caem de tão cansados e dormem por algumas horas. Lá uma vez ou outra entro na brincadeira, mas não é sempre – afinal, sou um respeitável cachorro que vai fazer dez anos!
                                               Na verdade, queria contar como estou: depois de quase oito meses aqui, sou um cachorro feliz! Tenho saúde, largueza, liberdade, e a Lourdes, que dá banho em mim lá na Barra do Aririu, deixa a Urda ficar junto ajudando e é muito querida comigo. Corro na praia, na rua, no quintal, e tenho uma nova grande amiga, que é a Maria Antônia, que sempre passeia com a gente. A Maria Antônia não é cachorro nem gato, é uma pessoa que tem uma casa muito bonita! A Urda deixa eu me molhar todo no mar, me sujar todo de areia e comer o que ela e a Maria Antônia chamam de “porcarias”, que são coisas deliciosas que existem nas praias, como um bicho chamado de Maria Mijona, que vive junto com os mariscos. Quando tiram os mariscos do mar as Maria Mijonas ficam abandonadas na praia e se transformam em deliciosa carne seca marinha, irresistível para um cachorro livre e feliz como eu sou! Estou gordo e despenteado, mas tenho muita saúde e alegria de viver! Nem me lembro daquela vida oprimida que foi minha vida até chegar aqui! Somente às vezes recordo das pessoas de quem gostava muito e fico com saudades. É por isto que estou lhe escrevendo.
                                               A Urda lhe manda um grande abraço e eu lhe mando lambidas salgadas!
                                               Até a próxima!
                                                               Atahualpa.

Em tempo: Um ENORME leão marinho dormiu alguns dias e noites aqui na nossa praia antes de partir para uma longa viagem até o Polo Norte, e por causa dele eu, Zorrilho, a Urda, o Willy e a Shewi, que são nossos vizinhos peruanos, saímos no jornal O Palhocense, que estava lá tirando fotografia. Fiquei todo prosa!


                                               Sertão da Enseada de Brito, 18 de junho de 2017. 

OCEANOS

Por   Urda Alice Klueger

Eu sou uma pessoa do Oceano Atlântico. Penso que já o vi de quase todos os jeitos, em quase todas as suas possibilidades, menos sob um furacão, e a minha vida sempre foi muito ligada a ele. Conheço o Oceano Atlântico desde as beiradas do Rio Grande do Sul até as incomparáveis praias de Cayo Largo, lá já longe, no Caribe. Já vi o Oceano Atlântico verde como esmeralda, ou profundamente azul, ou delicadamente azul como se fosse o céu, emendando-se ou se confundindo com ele, ou cinzento e violento, ou escuro e sujo como imagino a alma de um sujeito como Hitler, em dias de lestada no sul do Brasil, ou parecendo uma caixa de jóias preciosas nas tarde de verão em que o vento nordeste o encrespa todo e o deixa assim com jeito de querido e amado, e também nas manhãs de terral, quando ele fica tão lisinho e encolhido que se tem a sensação de se poder patinar sobre sua superfície.
                                    Para mim, a parte mais fantástica do Oceano Atlântico é o Caribe, onde se podem ver coisas como a Playa Blanca de Cartagena das Índias, na Colômbia, onde, numa praia só, o mar tem 17 cores, variando desde o mais extremo verde translúcido até o mais intenso roxo, passando por todas as outras variedades dos verdes mais maravilhosos, dos rosas e dos lilases, e onde a gente nada bem devagarinho, com muito cuidado, para se ter certeza de não fazer nenhum movimento mais violento e machucar algum dos milhões de peixinhos de todas as cores que nadam junto com a gente, sem nenhum medo daqueles seres estranhos chamados humanos que entram no seu ambiente sem pedir licença. Eu não acredito que possa existir no mundo outra praia mais bonita do que a Playa Blanca de Cartagena – talvez até possa ter outra tão bonita, mas mais que aquela, acho impossível.
                                    Também falar sobre a transparência das águas do Caribe é redundância, e ninguém iria entender mesmo – as pessoas que não o conhecem iriam começar dizendo que na praia tal, no Estado tal, tem uma praia onde se consegue ver os seus pés, ou mergulhar e ter uma visibilidade de dez metros – tudo coisa pouca para quem conhece o Caribe. Não dá para explicar o Caribe: há que se ir lá e vê-lo para se poder entender.
                                    Já andei, também, pelas margens do Índico, mas foi coisa de pouca demora e estava muito frio – mal e mal tirei sapatos e meias para dizer que entrei dentro dele por um instante, lá na acolhedora e doce cidade de Maputo/Moçambique, e o Índico era um mar bem azul naquele dia, muito bonito e suave, apesar do frio.
                                    E então um dia também conheci uma das beiradas do Pacífico, lá na cidade de Lima, Peru. Também estava frio, e intensa cerração vinda da corrente de Humboldt quase que mo escondia, e havia que se descer uma boa rampa desde a cidade até a praia. Aquilo me desencorajou, e acabei não indo tomar a bênção do Pacífico.
                                    Algum tempo depois, no entanto, voltei ao Pacífico, desta vez no ponto onde ele, todo mágico e cheio de rochedos, se encontra com o Deserto do Atacama, no Norte do Chile. Ai, foi lindo! Por um dia inteiro viajei pela sua beirada, deserto de um lado e mar profundamente azul do outro, e pequenas colônias de pescadoras parecendo pinçadas de calendários canadenses instaladas em cenários desérticos na beira das praias de rochas negras! E de tarde cheguei a Iquique, balneário chileno que é também um oásis, e havia tanta coisa para ver em Iquique, desde uma greve de funcionários públicos até um fantástico museu de Arqueologia num centro histórico parecido fugido do século XIX – e nessa cidade tão colorida e mágica  fiquei hospedada num hotel luxuoso, onde tinha uma enorme janela que me permitia ver, à minha frente, toda a grandiosidade do Oceano Pacífico vestido do mais profundo azul! Então fiquei namorando o Pacífico, e passei uma mensagem eletrônica para meu sobrinho Mteka, dizendo: “Entra na página do hotel tal e encontre o de Iquique. Lá, no quarto andar, olhando para o mar, a tua tia está te abanando!”
                                               Então, começou a vir a noite, e o sol, ali, se punha, bem por detrás do grande oceano. Desci para a praia quase deserta, onde um casal de namorados chilenos trocava arrulhos, e até conversei um momento com eles. Depois eles se foram, e fiquei por ali, catando conchas um pouco quebradas, não tão bonitas quanto as que eu tenho do Atlântico, espiando se aparecia mais alguém, porque eu queria fazer uma coisa bem grandiosa e não queria ninguém por perto. Daí, quando a claridade do dia quase que se ia de vez, bem naquele balneário roubado do colorido Deserto do Atacama, sozinha diante do grandioso Oceano Pacífico, eu gritei – do fundo das minhas forças e do meu coração, eu gritei para o Oceano o quanto amava você! Meu grito ecoou lá pelas distâncias desertas, e talvez tenha chegado até Honolulu. Pelo menos, eu tinha a consciência que o lugar mais próximo, dali para a frente, seria Honolulu. Talvez em Honolulu também tenham ficado sabendo o quanto eu amo você! E não gritei secretamente: gritei seu nome todinho, e então tal segredo deixou de ser segredo, pois se até o imenso Oceano Pacífico ficou sabendo!
                                               Num dos banheiros da minha casa, hoje, tenho um aquário de vidro onde conservo as conchas que tinha colhido naquele momento. Elas não são muito bonitas, e eu botei um peixinho de plástico e algumas pérolas entre elas. Então, a cada vez que entro naquele banheiro, eu tenho certeza de que não sonhei – e também me certifico que o meu amor é tão grande que até o Oceano Pacífico ficou sabendo!

                                               Blumenau, SC, 24 de Junho de 2005 .



                                              

COISAS TENEBROSAS

Por Urda Alice Klueger (Enseada de Brito, SC)

A minha infância foi muito marcada pelo terror semanal, às vezes até diário, emanado pela Igreja Católica pré-Concílio Vaticano II. Não era nada agradável para uma criança de 5, de 8, de 10 anos ouvir, em quase todos os domingos, o Frei João, nosso padre no Bairro Garcia, em Blumenau, falar sobre o fogo eterno do inferno, sobre o sofrimento requintado e interminável destinado às pessoas que não conquistavam o céu, sobre o Grande Inimigo chamado Diabo.
Havia uma alternativa para não se ir para o inferno, é claro: a Igreja Católica. E ela nos impingia quase o tempo todo a imagem de um Deus sofredor, um Jesus Cristo torturado, pregado a uma cruz, retorcido de sofrimento. Brevemente, em tempo de Páscoa, falava-se de Jesus Cristo ressuscitado, mas o efeito era pequeno, depois de toda uma Quaresma a se curtir com volúpia os atrozes sofrimentos do Filho de Deus. Para que gente comum, como nós, pudesse um dia ter acesso ao maravilhoso céu que Jesus Cristo um dia conquistara para nós, havia que se sofrer nesta vida. E os heróis que a Igreja Católica nos apresentava eram os mártires da fé, pessoas que tinham sofrido horrores sem abjurarem a sua fé. O mais popular era São Sebastião, cuja imagem eu podia ver na Igreja, bonito moço com o corpo todo trespassado de flechas. O que mais terror me causava era São Lourenço, que fora assado numa grelha para que desistisse do cristianismo. São Lourenço, além de não desistir, ainda avisava aos seus algozes quando estava bem assado de um lado, para que o virassem. Com certeza, não eram aquelas imagens adequadas a uma criança.
É claro que com todo aquele clima de terror, eu queria ir para o céu, embora achasse o céu bem enfadonho, com todo o mundo cantando e rezando eternamente, sem tempo para brincar. Mesmo muito pequena, eu já arranjara autonomia para separar as coisas, e tinha compartimentos estanques para a vida religiosa e para a vida real, e a vida real era ótima, e nela eu podia imaginar milhares de histórias lindas, todas sem sofrimento, todas cheias da mais pura felicidade. E ainda era muito pequena quando o Diabo foi personificado no mundo em que vivia: passou a chamar-se Comunismo.
Fez furor, naqueles tempos, o livro de um padre católico que fora preso e torturado na China comunista. Eu já fora alfabetizada e li o livro, e aquele padre passou a representar o ideal moderno de mártir da fé. As pessoas faziam a maior cara de piedade ao falar nos sofrimentos do padre, mas eu tinha a minha secreta opinião pessoal: não gostava nada do sofrimento, principalmente do sofrimento físico. E como, dia a dia se avolumava no Brasil a idéia de que o Comunismo era uma grande ameaça, que o Comunismo poderia tomar conta do nosso País, aumentava o meu pavor de que, chegando o Comunismo, eu iria ser torturada. A Igreja Católica botava a maior lenha na fogueira contra o Comunismo, e a opinião geral era de que chegaria a haver uma guerra.
Sempre fui muito prática. Com a idéia da guerra comunista achei logo uma solução para não ser torturada: quando a guerra começasse, quando os comunistas chegassem, eu iria me esconder. Vivia num vale cercado de morros ainda cobertos de mata nativa, não seria difícil me esconder. Eu levaria para o morro um caixote grande, para dormir dentro, garrafas com água, uma boa quantidade de farinha de mandioca, já que tal farinha poderia ser comida sem ser cozida. Ficaria lá até a guerra passar e os comunistas irem embora, e, assim, não seria torturada. Só que eu não sabia quanto tempo demorava uma guerra: dois dias, cinco dias? Fui perguntar isso, então, à minha prima Hélia, que já era moça de ginásio, a mais sabida de todos nós. Quanto tempo durava uma guerra? Fiquei arrasada com a resposta de Hélia: a última grande guerra durara mais de quatro anos! Como poderia levar para um morro água e farinha para tanto tempo? Prática como sempre fui, pensei numa alternativa: virar comunista para escapar à tortura. Só que aí dava com a cara na parede: virar comunista significava ir mais tarde para o inferno, para uma tortura maior. O que fazer?
Foi tenebroso o que a Igreja Católica fez com as crianças do meu tempo. Foi tenebroso o que as autoridades fizeram, permitindo que se disseminasse entre nossa ignorância tal medo do comunismo. Tive que viver muito, tive que ir a um país comunista (Cuba), para ver o quanto tinham nos mentido. Eu amei Cuba, até escrevi um livro sobre a minha viagem (Recordações de amar em Cuba II) – as pessoas em Cuba são felizes e cultas, muito mais cultas que nós, muito mais cultas que um europeu comum. Encheram a minha infância de terror injustificado, e tenho, ainda, laivos de mágoa por terem me mentido assim.
Blumenau, 02 de junho de 1996.

A INSUSTENTÁVEL LEVEZA DO SER

Por Samuel da Costa (Itajaí, SC)

                                                                Para Morgana Cristian da Costa

Ninguém suportava mais o jeito dela
O sorriso encantador e seu brilho no olhar
Seu otimismo exacerbado
Sua maneira de ver o mundo
Sempre cheia de esperança
***
Ninguém suportava mais seu jeito de ser
Sempre feliz & alegre
Contudo, ninguém suportava mais...
Seus devaneios e seus rompantes de felicidade
Suas pequenas loucuras
Seus excessos de sinceridade
Sempre imprevisível
***
Contudo, ninguém suportava mais o jeito dela...
Quem sabe, somente eu?!?!

NOSSA SENHORA VISITADORA

Por Urda Alice Klueger (Enseada de Brito, SC)

Quem tem 50 anos se lembra; quem não tem 50 anos, provavelmente nunca ouviu falar. Vou contar, hoje, de uma tradição que existia lá no começo dos anos sessenta: a de Nossa Senhora Visitadora.
A rua Antonio Zendron, em Blumenau, onde cresci, na época já era uma rua muito extensa, com muitos moradores. Não tinha as feições de hoje, com loteamentos e condomínios se emendando – era uma rua calma, com pequenos grupos de casas separadas por grandes pastos onde pastavam mansas vacas holandesas, rua habitada por católicos e luteranos mais ou menos em mesmo número, mas  onde, com toda a força, a exemplo da maioria das ruas daquela época, Nossa Senhora Visitadora fazia o maior sucesso.
Considerando o tamanho da rua, faço as contas e tento imaginar quanto tempo levava Nossa Senhora para visitar todos os moradores; com certeza, a volta inteira demorava anos. Esses cálculos, porém, não importam. O que importa era a emoção de beleza que vinha com as visitas de Nossa Senhora.
Ela ficava uma semana em cada casa. Creio que era nas noites de sábado que Nossa Senhora migrava para a casa seguinte; como havia os grandes pastos entre as casas, às vezes a procissão que transportava a imagem de Nossa Senhora de uma casa para a outra era extensa, e sempre linda, com todos com velas acesas nas mãos a cantar canções marianas, as crianças na maior expectativa a espiar como a cera das velas formava estranhas esculturas acima das suas mãos.
Aí se chegava à nova casa que Nossa Senhora ia visitar, e, ah! Sempre havia uma surpresa! Dependendo da situação econômica de cada família, criavam-se todo o tipo de altares onde Nossa Senhora iria permanecer uma semana, e que altares maravilhosos que se faziam! Paredes inteiras da sala principal de cada casa eram cobertas de seda azul e tule branco, e Nossa Senhora era entronizada com todas as honras em altares fantásticos, que esgotavam toda a criatividade dos moradores e encantavam a vizinhança! Apesar de ser uma atitude totalmente católica, não era incomum as senhoras luteranas mandarem flores do seu jardim para o altar do vizinho, ou mesmo de comparecerem às cerimônias, que viravam quase acontecimentos sociais.
Eu era fascinada pelas procissões e pelos maravilhosos altares azuis e brancos, pejados de velas acesas e flores (as flores, naquela época de antes do surgimento das floriculturas, eram cultivadas por cada dona-de-casa). O chato era, depois, ter que rezar o terço. Eu até que gostava do terço quando era a Dona Nilda que o puxava, de uma forma natural e sem afetação, mas havia dias em que quem o fazia era o “seu” Moreira, um outro vizinho, que embarcava na recitação do terço como se estivesse num palco, levando o dobro do tempo, o que preocupava enormemente a nós, crianças, que queríamos que aquilo acabasse logo para poder conversar. Eram bonitas as ladainhas, e delas, eu gostava. A ladainha de Nossa Senhora me fazia viajar na sua poesia e no seu encanto, e enquanto todo mundo ficava repetindo: “Rogai por nós”, eu me amarrava, mesmo, era nos lindos títulos de mãe de Deus:
Rosa Mística!
Torre de marfim!
Eram palavras que estavam fora do nosso vocabulário do dia-a-dia, e que botavam a minha imaginação a funcionar pra valer.
Depois da procissão, do terço, das ladainhas e dos cantos, era hora de voltar para casa. Por toda aquela semana se ia rezar o terço naquela casa; no sábado seguinte, tudo se repetia, e havia a ansiedade para se conhecer o novo altar. Poderia ser um altar mais pobre, dessa vez, mas estaria pejado das melhores flores da redondeza, e haveria as velas da procissão noturna, e os cantos, e as expressões como “Rosa Mística” para mexer com a minha cabeça. Eu era muito pequena para saber das coisas, mas, com certeza, muitos namoros devem ter iniciado nessas visitas de Nossa Senhora pela minha rua à fora, muitas receitas eram trocadas pelas donas-de-casa, muita gente que não se conhecia acabava se conhecendo. Momento de integração de uma comunidade, momento de magia para as crianças, um dia Nossa Senhora deixou de fazer as visitas. E a magia das procissões com velas nas noites de sábado se acabou.

Blumenau, 12 de maio de 1996.

CORPOS

Por Pedro Du Bois (Balneário Camboriú, SC)


Corpos ajuntados

imãs sobrepostos

único movimento



pensamento além do contato

no sexo longo amoldado

em corpos trançados



longe espíritos se reencontram

no final do ato onde nos sorrimos


em rostos descansados.

BODIES

By Pedro Du Bois (Balneário Camboriú, SC)

(Marina Du Bois, English version)

Bodies assembled
overlapping magnets
single movement

thought beyond contact
in long sex molded
in braided bodies

far spirits meet again
at the end of the act when we smile

on fresh faces.