Por Urda Alice Klueger
Eu sou uma pessoa do Oceano Atlântico. Penso que já o vi de
quase todos os jeitos, em quase todas as suas possibilidades, menos sob um
furacão, e a minha vida sempre foi muito ligada a ele. Conheço o Oceano
Atlântico desde as beiradas do Rio Grande do Sul até as incomparáveis praias de
Cayo Largo, lá já longe, no Caribe. Já vi o Oceano Atlântico verde como
esmeralda, ou profundamente azul, ou delicadamente azul como se fosse o céu, emendando-se
ou se confundindo com ele, ou cinzento e violento, ou escuro e sujo como
imagino a alma de um sujeito como Hitler, em dias de lestada no sul do Brasil,
ou parecendo uma caixa de jóias preciosas nas tarde de verão em que o vento
nordeste o encrespa todo e o deixa assim com jeito de querido e amado, e também
nas manhãs de terral, quando ele fica tão lisinho e encolhido que se tem a
sensação de se poder patinar sobre sua superfície.
Para
mim, a parte mais fantástica do Oceano Atlântico é o Caribe, onde se podem ver
coisas como a Playa Blanca de Cartagena das Índias, na Colômbia, onde, numa
praia só, o mar tem 17 cores, variando desde o mais extremo verde translúcido
até o mais intenso roxo, passando por todas as outras variedades dos verdes
mais maravilhosos, dos rosas e dos lilases, e onde a gente nada bem
devagarinho, com muito cuidado, para se ter certeza de não fazer nenhum
movimento mais violento e machucar algum dos milhões de peixinhos de todas as
cores que nadam junto com a gente, sem nenhum medo daqueles seres estranhos
chamados humanos que entram no seu ambiente sem pedir licença. Eu não acredito
que possa existir no mundo outra praia mais bonita do que a Playa Blanca de
Cartagena – talvez até possa ter outra tão bonita, mas mais que aquela, acho
impossível.
Também
falar sobre a transparência das águas do Caribe é redundância, e ninguém iria
entender mesmo – as pessoas que não o conhecem iriam começar dizendo que na
praia tal, no Estado tal, tem uma praia onde se consegue ver os seus pés, ou
mergulhar e ter uma visibilidade de dez metros – tudo coisa pouca para quem
conhece o Caribe. Não dá para explicar o Caribe: há que se ir lá e vê-lo para
se poder entender.
Já
andei, também, pelas margens do Índico, mas foi coisa de pouca demora e estava
muito frio – mal e mal tirei sapatos e meias para dizer que entrei dentro dele
por um instante, lá na acolhedora e doce cidade de Maputo/Moçambique, e o
Índico era um mar bem azul naquele dia, muito bonito e suave, apesar do frio.
E
então um dia também conheci uma das beiradas do Pacífico, lá na cidade de Lima,
Peru. Também estava frio, e intensa cerração vinda da corrente de Humboldt
quase que mo escondia, e havia que se descer uma boa rampa desde a cidade até a
praia. Aquilo me desencorajou, e acabei não indo tomar a bênção do Pacífico.
Algum
tempo depois, no entanto, voltei ao Pacífico, desta vez no ponto onde ele, todo
mágico e cheio de rochedos, se encontra com o Deserto do Atacama, no Norte do
Chile. Ai, foi lindo! Por um dia inteiro viajei pela sua beirada, deserto de um
lado e mar profundamente azul do outro, e pequenas colônias de pescadoras
parecendo pinçadas de calendários canadenses instaladas em cenários desérticos
na beira das praias de rochas negras! E de tarde cheguei a Iquique, balneário
chileno que é também um oásis, e havia tanta coisa para ver em Iquique, desde
uma greve de funcionários públicos até um fantástico museu de Arqueologia num
centro histórico parecido fugido do século XIX – e nessa cidade tão colorida e
mágica fiquei hospedada num hotel
luxuoso, onde tinha uma enorme janela que me permitia ver, à minha frente, toda
a grandiosidade do Oceano Pacífico vestido do mais profundo azul! Então fiquei
namorando o Pacífico, e passei uma mensagem eletrônica para meu sobrinho Mteka,
dizendo: “Entra na página do hotel tal e encontre o de Iquique. Lá, no quarto
andar, olhando para o mar, a tua tia está te abanando!”
Então,
começou a vir a noite, e o sol, ali, se punha, bem por detrás do grande oceano.
Desci para a praia quase deserta, onde um casal de namorados chilenos trocava
arrulhos, e até conversei um momento com eles. Depois eles se foram, e fiquei
por ali, catando conchas um pouco quebradas, não tão bonitas quanto as que eu
tenho do Atlântico, espiando se aparecia mais alguém, porque eu queria fazer
uma coisa bem grandiosa e não queria ninguém por perto. Daí, quando a claridade
do dia quase que se ia de vez, bem naquele balneário roubado do colorido
Deserto do Atacama, sozinha diante do grandioso Oceano Pacífico, eu gritei – do
fundo das minhas forças e do meu coração, eu gritei para o Oceano o quanto
amava você! Meu grito ecoou lá pelas distâncias desertas, e talvez tenha
chegado até Honolulu. Pelo menos, eu tinha a consciência que o lugar mais
próximo, dali para a frente, seria Honolulu. Talvez em Honolulu também tenham
ficado sabendo o quanto eu amo você! E não gritei secretamente: gritei seu nome
todinho, e então tal segredo deixou de ser segredo, pois se até o imenso Oceano
Pacífico ficou sabendo!
Num
dos banheiros da minha casa, hoje, tenho um aquário de vidro onde conservo as
conchas que tinha colhido naquele momento. Elas não são muito bonitas, e eu
botei um peixinho de plástico e algumas pérolas entre elas. Então, a cada vez
que entro naquele banheiro, eu tenho certeza de que não sonhei – e também me
certifico que o meu amor é tão grande que até o Oceano Pacífico ficou sabendo!
Blumenau, SC, 24 de Junho de 2005 .
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