sábado, 1 de julho de 2017

CARTA Nº 1 - DE ATAHUALPA PARA KATTY

Por Urda Alice Klueger (Enseada de Brito, SC)



Oi, Katty!

                                               Tenho certeza de que você se lembra de mim! Sou Atahualpa, o cachorro da Urda – quer dizer, agora sou um dos cachorros da Urda, embora saiba que sou o mais querido e o mais importante para ela.
                                               Quando viemos para cá, éramos somente eu e a Manuelita Saens, minha mana gata, lembra-se dela? Foi bem complicado para a Manuelita se acostumar aqui. Chegamos 4 dias antes da mudança só para ela ir se habituando. Ela descobriu uma passagem para o forro da casa e o primeiro mês passou lá – só descia à noite, quando escutava o familiar barulhinho de televisão ligada, ou quando Dona Julita, nossa vizinha, aparecia para uma visitinha. Até hoje Manuelita anda arisca e complicada, e a Urda arranjou a casa de um jeito que ela pode ir e voltar quando quer, passando por acessos alternativos. Tem uma mesinha chique, lá no quarto dos fundos, onde sempre tem comida e água para ela, e uma caminha de lã para os dias frios.
                                               Fazia pouco mais de um mês que estávamos aqui quando uma mulher de fora veio até aqui à nossa praia jogar um cachorrinho fora. Era dia de maré cheia, e ela jogou o cachorrinho na maré, para que morresse. Por sorte ele salvou-se e a nossa família aumentou. Ele não era um bebê, mas um cachorrinho de dois a três anos, segundo o veterinário, e fora muito maltratado. Depois que saciou a fome e recebeu amor, ficou um bichinho até bem bonitinho, só que parece mais uma raposinha do que um cachorro, e por causa disso é que seu nome ficou sendo Zorrilho. A gente é bem amigo um do outro, embora quem mande nele sou eu, claro!
                                               E quando passou mais um mês, desertaram uma gatinha por aqui, e nossa família aumentou de novo. Era tão pequenininha que ficou guardada dentro da banheira do quarto até crescer um pouco mais. Demorou uma semana para ela aprender a sair da banheira e começar a dominar o mundo. Chama-se Domitila Chungara, mas passou muito tempo até descobrirmos que ela era um menino. Ficou com o nome, de qualquer forma. Domitila come como uma retroescavadeira e é forte como um pônei, e ela, eu e Zorrilho nos damos muito bem, mas Manuelita não quer saber dela. Domitila é tão da pá virada que vai à praia brigar com os cachorrões e às vezes arranja tal encrenca que tem que passar a noite no alto de uma árvore lá da praia, para salvar a vida. Andou desaparecida durante seis dias, e eu e a Urda acabamos encontrando ela bem longe daqui, em outra comunidade.
                                               E agora veio a Tereza Batista, uma cachorrona MUITO maior que eu, que andava abandonada por aí. Tereza Batista andou mordendo algumas pessoas, inclusive nosso vizinho seu Mário Japonês e o futuro dela estava em perigo. Acabou vindo também para a nossa família. É malhada de branco e laranja, e eu também mando nela. Ela, Zorrilho e Domitila parecem três crianças pequenas: brincam o tempo todo, e depois caem de tão cansados e dormem por algumas horas. Lá uma vez ou outra entro na brincadeira, mas não é sempre – afinal, sou um respeitável cachorro que vai fazer dez anos!
                                               Na verdade, queria contar como estou: depois de quase oito meses aqui, sou um cachorro feliz! Tenho saúde, largueza, liberdade, e a Lourdes, que dá banho em mim lá na Barra do Aririu, deixa a Urda ficar junto ajudando e é muito querida comigo. Corro na praia, na rua, no quintal, e tenho uma nova grande amiga, que é a Maria Antônia, que sempre passeia com a gente. A Maria Antônia não é cachorro nem gato, é uma pessoa que tem uma casa muito bonita! A Urda deixa eu me molhar todo no mar, me sujar todo de areia e comer o que ela e a Maria Antônia chamam de “porcarias”, que são coisas deliciosas que existem nas praias, como um bicho chamado de Maria Mijona, que vive junto com os mariscos. Quando tiram os mariscos do mar as Maria Mijonas ficam abandonadas na praia e se transformam em deliciosa carne seca marinha, irresistível para um cachorro livre e feliz como eu sou! Estou gordo e despenteado, mas tenho muita saúde e alegria de viver! Nem me lembro daquela vida oprimida que foi minha vida até chegar aqui! Somente às vezes recordo das pessoas de quem gostava muito e fico com saudades. É por isto que estou lhe escrevendo.
                                               A Urda lhe manda um grande abraço e eu lhe mando lambidas salgadas!
                                               Até a próxima!
                                                               Atahualpa.

Em tempo: Um ENORME leão marinho dormiu alguns dias e noites aqui na nossa praia antes de partir para uma longa viagem até o Polo Norte, e por causa dele eu, Zorrilho, a Urda, o Willy e a Shewi, que são nossos vizinhos peruanos, saímos no jornal O Palhocense, que estava lá tirando fotografia. Fiquei todo prosa!


                                               Sertão da Enseada de Brito, 18 de junho de 2017. 

Nenhum comentário:

Postar um comentário