Oi, Katty!
Tenho
certeza de que você se lembra de mim! Sou Atahualpa, o cachorro da Urda – quer
dizer, agora sou um dos cachorros da Urda, embora saiba que sou o mais querido
e o mais importante para ela.
Quando
viemos para cá, éramos somente eu e a Manuelita Saens, minha mana gata,
lembra-se dela? Foi bem complicado para a Manuelita se acostumar aqui. Chegamos
4 dias antes da mudança só para ela ir se habituando. Ela descobriu uma
passagem para o forro da casa e o primeiro mês passou lá – só descia à noite,
quando escutava o familiar barulhinho de televisão ligada, ou quando Dona
Julita, nossa vizinha, aparecia para uma visitinha. Até hoje Manuelita anda
arisca e complicada, e a Urda arranjou a casa de um jeito que ela pode ir e
voltar quando quer, passando por acessos alternativos. Tem uma mesinha chique,
lá no quarto dos fundos, onde sempre tem comida e água para ela, e uma caminha
de lã para os dias frios.
Fazia
pouco mais de um mês que estávamos aqui quando uma mulher de fora veio até aqui
à nossa praia jogar um cachorrinho fora. Era dia de maré cheia, e ela jogou o
cachorrinho na maré, para que morresse. Por sorte ele salvou-se e a nossa
família aumentou. Ele não era um bebê, mas um cachorrinho de dois a três anos,
segundo o veterinário, e fora muito maltratado. Depois que saciou a fome e
recebeu amor, ficou um bichinho até bem bonitinho, só que parece mais uma
raposinha do que um cachorro, e por causa disso é que seu nome ficou sendo
Zorrilho. A gente é bem amigo um do outro, embora quem mande nele sou eu,
claro!
E
quando passou mais um mês, desertaram uma gatinha por aqui, e nossa família
aumentou de novo. Era tão pequenininha que ficou guardada dentro da banheira do
quarto até crescer um pouco mais. Demorou uma semana para ela aprender a sair
da banheira e começar a dominar o mundo. Chama-se Domitila Chungara, mas passou
muito tempo até descobrirmos que ela era um menino. Ficou com o nome, de
qualquer forma. Domitila come como uma retroescavadeira e é forte como um
pônei, e ela, eu e Zorrilho nos damos muito bem, mas Manuelita não quer saber
dela. Domitila é tão da pá virada que vai à praia brigar com os cachorrões e às
vezes arranja tal encrenca que tem que passar a noite no alto de uma árvore lá
da praia, para salvar a vida. Andou desaparecida durante seis dias, e eu e a
Urda acabamos encontrando ela bem longe daqui, em outra comunidade.
E
agora veio a Tereza Batista, uma cachorrona MUITO maior que eu, que andava
abandonada por aí. Tereza Batista andou mordendo algumas pessoas, inclusive
nosso vizinho seu Mário Japonês e o futuro dela estava em perigo. Acabou vindo
também para a nossa família. É malhada de branco e laranja, e eu também mando
nela. Ela, Zorrilho e Domitila parecem três crianças pequenas: brincam o tempo
todo, e depois caem de tão cansados e dormem por algumas horas. Lá uma vez ou
outra entro na brincadeira, mas não é sempre – afinal, sou um respeitável
cachorro que vai fazer dez anos!
Na
verdade, queria contar como estou: depois de quase oito meses aqui, sou um
cachorro feliz! Tenho saúde, largueza, liberdade, e a Lourdes, que dá banho em
mim lá na Barra do Aririu, deixa a Urda ficar junto ajudando e é muito querida
comigo. Corro na praia, na rua, no quintal, e tenho uma nova grande amiga, que
é a Maria Antônia, que sempre passeia com a gente. A Maria Antônia não é
cachorro nem gato, é uma pessoa que tem uma casa muito bonita! A Urda deixa eu
me molhar todo no mar, me sujar todo de areia e comer o que ela e a Maria
Antônia chamam de “porcarias”, que são coisas deliciosas que existem nas
praias, como um bicho chamado de Maria Mijona, que vive junto com os mariscos.
Quando tiram os mariscos do mar as Maria Mijonas ficam abandonadas na praia e
se transformam em deliciosa carne seca marinha, irresistível para um cachorro
livre e feliz como eu sou! Estou gordo e despenteado, mas tenho muita saúde e
alegria de viver! Nem me lembro daquela vida oprimida que foi minha vida até
chegar aqui! Somente às vezes recordo das pessoas de quem gostava muito e fico
com saudades. É por isto que estou lhe escrevendo.
A
Urda lhe manda um grande abraço e eu lhe mando lambidas salgadas!
Até
a próxima!
Atahualpa.
Em tempo: Um ENORME leão marinho dormiu alguns dias e noites
aqui na nossa praia antes de partir para uma longa viagem até o Polo Norte, e
por causa dele eu, Zorrilho, a Urda, o Willy e a Shewi, que são nossos vizinhos
peruanos, saímos no jornal O Palhocense, que estava lá tirando fotografia.
Fiquei todo prosa!
Sertão
da Enseada de Brito, 18 de junho de 2017.
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