Por Antonio Francisco de Paula (Brasília, DF)
Ao te ver chaleira preta
Carcomida , encascurrada
Esquecida ,abandonada
Junto aos trastes no galpão
Num instante brota a lembrança
Da minha feliz infância
No meu querido rincão
Em pensamento te avisto
Enganchada na corrente
Pendurada junto a trempe
Chiando sobre o tição
Sempre cheia de água quente
Servindo nossa gente
Na roda de chimarrão
Entreverada no borralho
Com caldeirão e panela
Entre espetos de costela
Batata doce e pinhão
Lambuzada de graxa
impregnada de fumaça
envernizada de carvão
No seu formato bojudo
De bico longo envergado
Cabo firme remanchado
Para aguentar o repuxo
A quentura dos braseiros
Nos fogões galponeiros
Dos ranchos simples sem luxo
Rude utensílio campeiro
De ferro bruto fundido
Forjado no tempo antigo
Nos idos da escravidão
Que trás entranhada na estampa
A hospitalidade do pampa
Do povo do meu rincão
Quantas vezes viajastes
Enfurnada em bruacas
Ouvindo tropel de patas
Duetando com as tralhas
Sacolejando nos cargueiros
Entre aboios de tropeiros
E rangidos de cangalhas
Nos pousos das comitivas
Nos ranchos abandonados
Nos fogões improvisados
Com pedaços de cupim
Sovando chapas e grelhas
Chamuscada de centelhas
De brasas de guamirim
Te recordo chaleira preta
Bordada de picumã
No aconchego das manhãs
Nas mãos do cozinheiro
Preparando com carinho
Um café forte quentinho
No velho estilo campeiro
Regando a cuia morena
De topete levantado
De mate amargo cevado
Num ato de comunhão
Nos dias frios de geada
Na tertúlia com a peonada
Ao pé do fogo de chão
Lendária chaleira preta
Relíquia de estimação
Rainha da tradição
Que o tempo não deu fim
Herança dos ancestrais
Dos avôs de meus pais
Que guardo dentro de mim
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