Havia na casa de meu pai, velho
álbum de fotografias, coberto a madrepérola, de folhas grossas, de cartão
amarelecido, como amarelecidas eram as fotos.
Deliciava-me, em menino, a
folhear esse velho álbum. Algumas vezes, meu pai – que o manuseava com
extremoso cuidado, pois fora de sua mãe, – ao mostra-me as fotos (que estavam e
estão, porque ainda o tenho, muito velhinho com folhas a soltarem-se da
lombada,) ia-me contando quem eram aqueles “ figurões” de largos bigodes, em
poses estudadas, quase todos recostados a sólidas colunas de madeira.
Fascinava-me ouvir o que ele
dizia dos senhores de bengala, que surgiam a cada virar de página:
- Este, foi teu trisavô – dizia
meu pai, apontando a foto com dedo mindinho. - Chamava-se, José de Pinho. Teve
carpintaria, na rua Direita. Combateu nas hostes de D. Pedro. Foi agraciado,
pelo Rei, com alta condecoração. Este – continuava, virando a página, – era o
Manuel. Foi para o Brasil, ainda criança. Dizem que casou com mulata, que o
envenenou. Este, de chapéu de abas largas e botas à caçador, é o tio Caetano.
Foi homem muito rico. Ficou com a carpintaria do pai e transformou-a em
importante indústria madeireira. Casou com fidalga. Esta Senhora, é tua avó. – Continuava.
- Foi excelente pianista, e muito aplaudida…
E, lentamente, ia virando as
folhas. Diante de meus olhos curiosos, “desfilavam” graves cavalheiros,
senhoras de grandes chapéus, e meninos de fatinho de marujo, que sorriam para
mim.
Por vezes, aparecia, ao abrir o
álbum, homem elegante, musculoso, de enormes bigodes, rosto voluntarioso,
tostado pelo sol.
Era o tio Francisco.
Emigrara para o Brasil. Pouco
se conhecia da sua vida, apenas que possuía importante frota de barcos, no rio
Amazonas. Um dia desequilibrou-se, e morreu afogado.
O primo Alberto, que vivia em
São Paulo, dizia que era muito rico: milionário. Como era solteiro, ninguém
reclamou a herança. Foi direitinha para o Estado.
Os antigos álbuns amarelecidos,
desbotados pelos anos, fazem parte da história da família.
São retratos de antepassados,
que não conhecemos; mas são as nossas raízes. Sem sabermos seus nomes e o que
fizeram, somos como órfãos.
São, os objetos, que passam de
geração a geração; as tradições; os gestos heroicos, dos que nos antecederam,
que nos dão identidade.
Neste tempo, em que se vive em
pequenos apartamentos, que não permitem guardar invocadoras velharias. Neste tempo,
em que se pretende esquecer o passado. Neste tempo, em que os avós, e até os
pais, encontram-se em residenciais, mais ou menos luxuosas, consoante as
possas, a coletividade, priva, as novas gerações, de conhecerem suas origens.
De conhecerem: histórias,
factos, acontecimentos, que passavam, oralmente, de pais para filhos.
Os jovens do nosso tempo,
desconhecem o prazer, que se sente, ao folhear os velhos álbuns de fotografias;
fotografias de antepassados, que apesar de nunca os termos conhecido, fazem
parte de nós. Certamente, sem eles, não existiríamos, pelo menos tal como somos.
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