Revista literária virtual de divulgação de escritores, poetas e amantes das letras e artes. Editor: Paccelli José Maracci Zahler Todas as opiniões aqui expressas são de responsabilidade dos autores. Aceitam-se colaborações. Contato: cerrado.cultural@gmail.com
quinta-feira, 1 de junho de 2017
A OPINIÃO DE ROBERT SPAEMANN
Por Humberto Pinho da Silva (Porto, Portugal)
Robert Spaemann é um
conhecido filósofo alemão, que nasceu em Berlim, no ano de 1927.
É de parecer, que
recordar Auschwitz, é dever de todos, mas não crê, que os jovens aprendam com
os erros do passado.
Não crê, porque os
intelectuais de esquerda, que criticam – com razão, – as crueldades praticadas
pelos nazistas alemães, esquecem – ou será que não conhecem a História!? – os
crimes de Estaline…
Spaemann, considera
que se fala demasiado do “ Terceiro Império”, mormente na escola. “Isso
provoca, em muitos jovens, um reflexo de aversão. Eles perguntam-se: que temos
nós a ver com isso? E essa reação pode ir tão longe, que eles acabem por negar
Auschwitz e se sintam atraídos pelos radicalismos de direita.”
Na entrevista que
concedeu ao semanário “Der Spiegel”, a 20 de Novembro de 1995, conta: que a
maioria dos alemães, do tempo do Hitler, conheciam o que se passava, mas não se
incomodavam grandemente.
Narra, que certa
ocasião, tinha 14 anos, entrou num autocarro, onde seguia um judeu, com a
estrela ao peito.
Um jovem nazi,
virou-se para ele e disse-lhe para se levantar e dar-lhe o lugar.
Obedeceu prontamente.
Spaemann sentiu obrigação de oferecer o seu, ao judeu. Mas receou…Teve medo.
Ficou tão revoltado
com o comportamento, que só pensava em derrotar regime tão cruel.
Mas – em sua opinião,
– ninguém se incomodava com as barbaridades praticadas pelo regime: “ Quase
ninguém queria saber a sério…Agora, todos falam…”
Assevera que os
soldados, que regressavam da frente, sabiam dos crimes que se cometiam: “
Podiam saber, se quisessem”.
Preferiam:
“ ir na onda”…
Hoje, (1995), segundo
Robert Spaemann, não é muito diferente: adaptam-se, sujeitam-se aos regimes
vigentes.
Abro parênteses para
acrescentar – a opinião é minha, –: a maioria dos cidadãos acomoda-se às
circunstâncias: são de direita ou de esquerda, consoante os interesses. Mudam
de ideologia, (até de religião!) de harmonia com as vantagens pessoais.
Há honrosas exceções.
Há quem seja vertical, mesmo em situações adversas, mas são muito poucos.
A maioria, são como
disse o filósofo, referindo-se aos alemães contemporâneos de Hitler: “ Quase
ninguém queria saber a sério”…
FAMILY PLANNING
By Arjun Singh Bhati
(Jaisalmer, India)
It was ten o’clock in the morning. Students playing
outside the school boundary heard the familiar sound of “tan…tan…tan.…” A boy was hitting a small iron rod on an iron
angel hanging on the branch of a dry tree in the school campus. All the students came in, left their bags in their
classrooms, and rushed behind the building into the shadow of the building for
prayers. All the students were in lines now; they folded their hands and
prayed. It was a primary school. A
headmaster and his three assistants took the attendance register and went into
the classrooms.
The headmaster went into the eighth class. He asked his
students to open the social science textbook. “Well, we will read lesson
seventeen today. It is about population.”He asked one of the students to read
the lesson. “Listen to him carefully. I will ask someone to continue reading
from where he finishes.”
The student read the first paragraph of the lesson out
loud. The headmaster then asked the next one to keep reading, continuing from
the next paragraph. All the students heard the lesson carefully read by their
classmates.
“Well, now I will ask you some questions. Keep your books
in your bags.” He asked, “What are the main causes of population growth?” Some
of the students raised their hands while others looked down. He asked a student
sitting in the front row. The student replied in mixed language, half Hindi and
half local dialect. But he answered the question even in broken sentences. The
teacher looked quite impressed with his answer.
“Well, my next question is: What are the ways to check
population?” This time he asked a boy who was sitting in the back row. The boy
did not know the answer, but just to try his luck, he raised his hand. He was
sure that the teacher would not ask him. But he was caught. The boy stood up and
could not reply.
The teacher got angry with him. “Come here, you idiot,”
he roared. “Why did you not listen when the boy was reading the lesson? You are
very careless. Where is your father? Call him tomorrow; I will complain to him.
Now get out of here, you idiot.” The boy had just turned back to leave the
class, when suddenly a Bollywood ringtone rang somewhere. It was a cell phone
in the headmaster’s pocket.
He took the phone out and replied, “Hello, hello.” But
the network failed, and he could not hear anything. Within a few seconds, the
phone rang again, and this time to hear clearly, he switched on the cell-phone
speaker. A lady’s voice sounded from the phone.
“Hello, hello. Yes, I can hear you,” the headmaster replied
this time.
“Congratulations
on the birth of your son.” The headmaster smiled, and the students laughed.
“Shut up,” he
cried and left the classroom. The students laughed loudly again. They knew the
headmaster’s family well.
Just three months previously, his family was living here
near the school building. He had eight children: four daughters and four sons,
and now with the latest news, he was the father of nine kids.
The boy who could not answer asked the students, “What
are the ways to check the population?” and one of the students replied, “Our
headmaster knows better!”
AJEDREZ
Por Jorge Luiz Borges (Buenos
Aires, 1899 – Genebra, 1986)
I
En su grave rincón, los
jugadores
rigen las lentas piezas.
El tablero
los demora hasta el alba
en su severo
ámbito en que se odian
dos colores.
Adentro irradian mágicos
rigores
las formas: torre
homérica, ligero
caballo, armada reina,
rey postrero,
oblicuo alfil y peones agresores.
Cuando los jugadores se
hayan ido,
cuando el tiempo los haya
consumido,
ciertamente no habrá
cesado el rito.
En el Oriente se encendió
esta guerra
cuyo anfiteatro es hoy
toda la tierra.
Como el otro, este juego
es infinito.
II
Tenue rey, sesgo alfil,
encarnizada
reina, torre directa y
peón ladino
sobre lo negro y blanco
del camino
buscan y libran su
batalla armada.
No saben que la mano
señalada
del jugador gobierna su
destino,
no saben que un rigor
adamantino
sujeta su albedrío y su
jornada.
También el jugador es
prisionero
(la sentencia es de Omar)
de otro tablero
de negras noches y de
blancos días.
Dios mueve al jugador, y
éste, la pieza.
¿Qué Dios detrás de Dios
la trama empieza
de polvo y tiempo y sueño
y agonías?
(1960)
ICONOCLASTA
Por
Samuel da Costa (Itajaí,SC)
Foi
de repente...
Depois
de muito tempo,
Ela
decidiu voltar para casa...
Sem
qualquer explicação aparente
Sem
dizer uma palavra sequer...
Sem
dar motivos para sua partida
Ou
mesmo do seu retorno...
E
eu afinal de contas
Sem
dizer nada
Uma
palavra ao menos...
Sem
saber o que fazer
Acabei
aceitando-a de volta
Como
se eu não fosse nada
Uma
mera figura decorativa
Bem
ali parada
Disponível
Dispensável
& artificial
Contudo
Já
não poderia viver sem sua doce presença
Na
minha vida...
Tão
inconstante & breve
Não
tinha como não aceitar
As
coisas são assim inexplicáveis...
Inconstantes
Irreais
Surreais...
A INFLUÊNCIA DA CASA PATERNA
Por Humberto Pinho da Silva (Porto, Portugal)
Disse o grande
pedagogo Ribeiro Sanches, na “ Cartas Sobre Educação da Mocidade”, que: “ O
povo não faz boas nem más ações, que por costume e por imitação.”
E disse bem: somos o
que somos porque vivemos em determinada época, influenciados pelo que ouvimos e
vemos; movidos pelas atitudes e comportamentos, que presenciamos ao longo da
vida, mormente na infância.
Em “ Psychologie de
l’Opinion et de la propagande politique” – Paris, 1927 – Jules Rassak, confirma
o que assevero: “ As impressões
recebidas na casa paterna, a recordação da sua maneira de viver, das suas
opiniões e dos seus atos, subsistem no subconsciente e exercem influência sobre
o estado consciente.
“ Mesmo as pequenas impressões sentidas, os acontecimentos
insignificantes, as peças de teatro, as leituras etc., não são esquecidas,
persistem no subsolo da nossa alma, e influenciam a nossa vontade e o nosso
pensamento.”
Essa influência, é –
apesar dos malefícios da globalização, – notória, se compararmos a sensibilidade
de vários povos. É essa influência, que faz, que povos, que vivem em
territórios ricos, vegetem numa quase miséria, enquanto outros, que habitam em
terras pobres, prosperem.
Recordo, que, quando o
ciclismo estava na berra, e os operários deslocavam-se de bicicleta – em meados
dos anos cinquenta, – ver pelotões de trabalhadores, subirem a avenida da minha
terra, em competição. Todos queriam ser: Camisola Amarela!
E o mesmo acontece com
a “ vocação” de muitos adolescentes, durante o Campeonato Mundial de Futebol.
Todos desejam ser jogadores!
Basta dizerem que está
na moda: o ioiô, e todas as crianças querem ter um. Recordo a coqueluche do
hola-hupe, do cubo mágico, da pulseira magnética…e presentemente do pokémon go.
Dizem: estar na moda,
e isso basta para que todos comprem; para que todos usem.
Até na literatura, e
na música o “fenómeno” acontece!
O livro é vendido, não
pelo valor da obra ou utilidade; mas, devido à eficiente propaganda; e o mesmo
sucede à música.
Concluindo: se temos a
sociedade que temos, é devido à educação que transmitimos aos filhos; às
escolas que temos; e a conceitos que inculcamos às crianças, desde o berço.
Como queremos
sociedade mais justa, se todos – ou quase todos, – damos o mau exemplo de obter
tudo com o “ jeitinho”; se corrompemos, o semelhante, com dinheiro; e as nossas
condutas são deploráveis!
Os jovens, são, em
regra, a educação que recebem, como disse Rassak. “ As impressões recebidas na casa paterna…influenciam a nossa vontade
e o nosso pensamento.”
PROZAC PEOPLE
Por
Samuel da Costa (Itajaí, SC)
Eu
não sou
Como
as outras pessoas!
Eu
prefiro enlouquecer
Em
horas marcadas.
Em
datas pré-agendados...
Para
evitar certos olhares tortos,
Comentários
maldosos & certos constrangimentos!
***
Eu
prefiro enlouquecer em dias...
Previamente
marcados!
E
em horas remotas.
E
em dias remotos.
Sem
que ninguém perceba...
***
Eu
prefiro enlouquecer aos poucos...
De
forma bem lenta!
E
completamente sozinho...
CONCRETO
Por Pedro Du Bois ( Balneário Camboriú, SC)
Onde desperto
concreta base
inutiliza a vista
do que avisto
paredes
vidros
janelas
concretada paisagem
em altos prédios
onde escondemos
os corpos
fosse ruim a terra bruta
conservada no frescor
do tempo em contato
concretizados
nos recolhemos
em janelas fechadas.
CONCRETE
By Pedro Du Bois (Balneário Camboriú, SC)
(Marina Du Bois,
English version)
Where I wake up
a concrete base
disables the view
of my sight
walls
glasses
windows
concreted
landscape
in high buildings
where we hide
the bodies
as if it was bad a
gross land
preserved in the
freshness
of the time in
contact
concretized
we gather
in closed windows.
REVER
Por Pedro Du Bois (Balneário Camboriú, SC)
Revejo
como colocadas as coisas
como colocadas as coisas
entre mesas com pessoas
buscando em garfadas
enfrentar seus pensamentos
rever
ajuda?
rever
prejudica?
rever: como não ser
visto novamente.
AMOR PROFUNDO
Por
Vivaldo Terres (Itajaí,SC)
Quisera
que compreendestes,
O
sofrimento meu.
Sozinho
e amargurado.
Portanto
te amar
Me
dá uma esperança...
Uma
esperança, e não uma ilusão.
Pois
és tu, o grande trunfo,
Que
ainda me falta conquistar.
***
No
mundo não mais pretendo.
Lutar
por outras coisas,
Pois
tudo, consegui sem muito esforço.
Hoje
o meu objetivo maior é que me ames,
Somente
assim acabara de vez
O
meu desgosto.
***
E
juntos seguiremos na vida,
Cheios
de paz e amor profundo.
E
o nosso amor será bendito,
E
o mais abençoado em todo mundo.
WILL
By Pedro Du Bois (Balneário Camboriú, SC)
(Marina Du Bois, English Version)
So many times
I left
forever
as stop
smoking
nevermore
or telling
the first
lie of the
day
always shows
up to be close
and the turn
of
is
quick
as going back
to smoke
or telling
the first lie
of
the day
tomorrow I
will be gone
forever
and I will take the cigarettes.
VONTADES
Por Pedro Du Bois (Balneário Camboriú, SC)
Tantas vezes fui embora
para sempre
como parar de fumar
nunca mais
ou dizer a primeira
mentira do dia
o sempre se mostra perto
e o retorno se faz
rápido
como voltar a fumar
ou dizer a primeira mentira
do dia
amanhã irei embora
para sempre
e levarei os cigarros.
EM VIOLETAS PAIXÕES
Por
Samuel da Costa (Itajaí, SC)
Para
Izabella Silva
Não!
Não quero mais ser sua
Não
quero mais
Os
teus ternos carinhos
Nem
tão pouco os beijos teus
***
Não!
Eu não vou ficar
Mais
ao lado teu
E
quando eu sair pela porta afora
Não
me peça para voltar
***
Não
me procures mais
Nunca
mais
Nem
fiques de joelhos
Implorando
o meu amor
Para
que volte
Para
a nossa solidão a dois
***
Não!
Não me traga inexatas flores
Não!
Não me peça perdão
Em
violetas paixões
***
Não!
Não acredito mais
No
teu amor
VIOLÊNCIA É REAL
Por
Samuel da Costa (Itajaí,SC)
Ela
decidiu morrer...
Ela
tinha somente 16 anos
Quando
decidiu morrer...
E
ninguém percebeu nada...
Pegou
a arma que pertencia ao seu pai
Uma
arma devidamente legalizada
Aquele
objeto reluzente
Ajudou
ela a morrer...
De
uma forma tão estúpida
O ABRAÇO
Por
Clarisse da Costa (Biguaçu, SC)
Ao Edson Araujo
No
braço
o
abraço
o
laço
que
faço
desfaço
e
refaço;
Hoje,
o abraço
é
o laço
que
dou
te
amarrando ao coração!
NOITE DE INVERNO
Por
Vivaldo Terres (Itajaí, SC)
Era
noite de inverno o vento rugia,
A
noite era longa e o frio também.
Minhalma
coitada de tanto sofrer...
Chorava
e gemia com saudade de alguém.
***
Esse
alguém que no passado...
Estava
ao meu lado e sorria feliz,
E
dizia me amar, foi embora sem deixar um adeus...
Desapareceu
para nunca mais voltar.
***
E
o tempo passou rápido e veloz,
Meus
cabelos escarneceram.
E
as rugas em meu rosto mostram isto também.
Que
envelheci por dentro e por fora,
Mais
o que mais me devora...
È
a saudade daquela que eu sempre amei.
DE PRÍNCIPE A LORDE DAS LETRAS
Por Clarisse da Costa (Biguaçu,SC)
Quem
diria entre nós mortais um Príncipe Negro? Isso por volta do século XX, logo
bem no início, em Porto Alegre na região de São Batista de Ajudá. São João
Batista de Ajudá era uma fortaleza portuguesa no Daomé, esta fora muito povoada
por negros cristãos. Construída por ordem do Rei Dom Pedro II com a intenção de
proteger o importante e forte comércio que até então os portugueses faziam.
Isso tudo na Costa de Mina. Bem orquestrado, pois o seu território era à beira
mar do oceano Atlântico. Exatamente no golfo da Guiné. Daomé foi colônia de
diversos países. Mas vamos ao que interessa. No entanto preciso relatar um
pequeno detalhe, talvez fundamental para se chegar ao fato importante da
história. Como havia dito, Daomé foi colônia de diversos países, porém por
pouco tempo. A Grã-Bretanha comprou a parte de outros ocupantes, o que fez de
Daomé propriedade inglesa. E os portugueses, considerados poderosos se
contentaram com uma parte pequena da Guiné e com as Ilhas de São Tomé e
Príncipe, assim cedendo suas fortalezas.
E
você me pergunta: - Onde está o Príncipe Negro nessa história? Já lhes digo.
Antes da compra de Daomé, teve a invasão inglesa ao reino de Daomé, hoje atual
Benin, no início do século XX. Assim surgiu o Príncipe chamado Osanielê do
Sapatá Erupê. Este, para evitar o derramamento de sangue do seu povo propôs um
acordo com aquela temida coroa inglesa, de simplesmente exilar-se. Mas para
isso, como uma troca, a coroa britânica manteria sua família e toda sua corte
no exílio. Para isso acontecer de fato o príncipe teria que escolher um lugar
para onde ficar. E não deu outra, o príncipe escolheu o Brasil, em especial o
estado do Rio Grande Sul. Assim levando uma vida social bem intensa, teve uma
representação importante na política e religião. Agora na atualidade o negro
deixou de ser príncipe pra ser o Lorde das letras. O que é difícil, pois ocupar
espaço na literatura brasileira especificamente catarinense é nada fácil, ainda
mais sendo negro quiçá negro e pobre.
Mas
diante de um grande número de pessoas brancas o negro, por mérito de seu
esforço e trabalho, subiu mais um degrau da sua luta perante a sociedade e
conquistou o título de imortal na Academia de Letras do Brasil – Seccional de
Itajaí. Na representatividade de Samuel da Costa e Hang Ferrero, eis que surgiu
na tarde de sábado do dia 22 de outubro de 2016, os ‘’Lordes das Letras’’.
Lordes? Por que não? Chegar onde eles estão não é fácil para qualquer um. A
literatura requer muito trabalho, dedicação e conhecimento. E ambos mostram que
o negro é capaz de muito mais que a mente humana cria. A mente humana, mal
informada e educada criou o escravo, criou toda mística do ser anormal e
normal. Criou o mundo todo branco e machista, onde o negro não passa de um mero
coadjuvante e a mulher um objeto sexual. O negro no Sul calou a voz dos
conservadores, agora abusa da sua catimba e se afirma no mundo.
ALÉM DO NORTE, LÁ TAMBÉM É O ESCRÍNIO DA MAIS PRECIOSA JOIA
Por Urda Alice
Klueger (Enseada de Brito, SC)
(Para E. V. S. F.)
Por acaso, aqui na
internet, passei por uma foto que me fez parar e olhar com mais atenção.
Ampliei-a. Dei a primeira olhada.
Era da
cidade que já foi minha, vista bonita, Beira Rio, provavelmente tirada do Morro
da Antena, e a olhei com curiosidade, pois por tanto tempo aquela cidade foi
minha que deveria me despertar alguma reação.
E a reação
veio, mas nada dizia do lugar aonde nasci à Rua XV de Novembro 1398, nem da
minha infância na Garcia, nem das escolas que frequentei, nem dos empregos que
tive, nem dos lugares onde morei, nem das pessoas que conheci – por um momento
foi uma foto estática, que nada dizia além da localização geográfica e do ângulo
em que foi tirada, até que, com a força de um vulcão em erupção, irrompeu das
minhas entranhas, do meu coração, do meu âmago, das mais vivas e fortes fibras
do meu ser, da minha essência mais profunda o que aquela cidade representava
para mim, e que era a intensidade do amor, e o nome do amor afluiu à minha boca
e ao meu coração com a intensidade de sempre, e eu me curvei de dor a repetir
aquele nome, e me curvei de dor porque nada mudou, tantas décadas depois, e
aquela cidade, e aquela Beira Rio que ainda não existia, e aquele rio
simbolizam o mesmo amor que um dia simbolizaram e deram o sentido da minha
vida, mesmo quando a espada do Destino veio e cortou abruptamente aquela
maravilha que se vivia. Encurvada pela dor, olhava para aquela foto e ouvia,
como que rimbombando poderosamente em todo o meu entorno aquele nome que eu
pronunciava como a palavra cabalística que é e que faz toda a diferença em eu
estar viva ou não estar, e esse estar viva ou não estar é o que acontece nesta
vida e que deverá acontecer em outras.
Então, agora
sei o que aquela cidade representa, e lá de ela, através da foto ocasional, o
amor estava e veio em ondas coloridas e chegou até mim, e só então eu entendi a
cidade, o porquê da cidade, qual o meu laço com ela. Como que ancorada lá, está
a mais linda história de amor que alguém já viveu e agora eu posso ir-me e ser
feliz porque a história está comigo como meu bem mais precioso, e se algum dia
tiver alguma dúvida, saberei onde está o escrínio que guarda aquela joia mais
preciosa de todas, pois está comigo mas tem as raízes lá.
Chorei de
tanto amor por todo o tempo em que escrevi este texto.
Enseada de
Brito, 05 de maio de 2017, dia diáfano de tão azul clarinho.
LEMBRANDO DA ESTRADA DE FERRO
Por Urda Alice Klueger (Enseada de Brito, SC)
(Escrita em 1995 – com novas informações sobre o que
aconteceu a seguir incluídas no ano de 2017)
Como num bom filme de Western, tínhamos uma
estrada-de-ferro aqui no Vale do Itajaí, desde o começo do século até 1966 ou
1967, não tenho certeza. Ela ligava Blumenau até quase os confins da região
colonizada um século antes; ligava Blumenau ao porto de Itajaí. Era uma estrada
importante: a vida da região corria por ela. Para tudo nos servia, e, além do
seu papel econômico, era uma fonte de alegrias, era a promessa das coisas boas.
Vou contar um pouquinho
da minha experiência com ela. Na minha infância, a estrada-de-ferro significava
encantadores finais-de-semana na casa da minha avó, em Lontras. A gente tomava
o trem no centro de Blumenau, e o meu delírio nessas viagens era comer cocada,
que meu pai sempre acabava comprando do vendedor do trem, iguaria rara, a mais
deliciosa que eu conhecia. Podia acontecer, inclusive, que numa viagem de trem
a gente experimentasse até um sonho recheado de mussi com guaraná (a Coca-Cola
ainda não chegara por aqui), e aquilo dava o colorido maior das minhas viagens
de infância. Eram muitas horas no trem, creio que umas sete ou oito,
atravessando túneis cheios de fagulhas e vendo paisagens ousadas e
maravilhosas, até chegarmos a Lontras e à casa do meu avô.
Estar lá era uma festa!
Havia sempre grandes bacias de vidro cheias de sobremesas de ameixa ou de
pêras, mas, acima de tudo, havia o convívio e as brincadeiras com meus primos
Lori, Ralph, Rudy e Fred. Brincávamos como loucos o dia inteiro, e voltávamos
no domingo à tarde, sempre carregando sacos cheios de tangerinas, pêras ou
Pflaumenn, ou as deliciosas limas, tão fora de moda atualmente, quase sumidas
do mercado. Dormíamos de cansaço nos bancos duros do trem, e, chegando em
Blumenau, pegávamos um carro-de-mola na estação (antepassado do táxi, puxado a
cavalo), pois eram muitas as frutas e as crianças cansadas a carregar.
Creio que a viagem mais
chocante que fiz na antiga estrada-de-ferro foi quando tinha 14 anos, portanto,
em 1966, às vésperas do trem ser desativado. Fui com meu pai, visitar minha avó
(meu avô já tinha morrido fazia tempo). Eu era uma autêntica adolescente/aborrecente,
e lembro-me muito bem como me vesti para a viagem de trem: moderna saia
plissada de nycron branco, moderna blusa de ráfia vermelha brilhante,
moderníssima touca de ráfia branca que herdara da minha irmã, e que, lembrando
agora, tenho a certeza de que parecia um porco-espinho. Moderníssima, entrei
com meu pai no velho trem, ansiando, como toda adolescente que se preza, pelas
grandes aventuras que viriam. E a aventura estava lá, no mesmo vagão, na forma
de um rapaz lindíssimo, claro, bem vestido, que, na mesma hora, me concedeu a
honra de me olhar com admiração. Era um cara já bem velho (calculo que tivesse
seus 20, 22 anos), e foi uma loucura a paquera que rolou, a gente a se olhar a
viagem inteira quando meu pai estava distraído, eu me sentindo a própria
Mata-Hari com aquela touca de ráfia que mais parecia um porco-espinho. Naquela
minha derradeira viagem de trem no Vale do Itajaí, nada vi da paisagem: todos
os momentos foram dedicados ao “gato” que me paquerava também. Ele saltou antes
de mim, creio que na estação de Subida ou ali por perto, e eu segui com meu pai
para o final-de-semana na casa da minha avó.
Houve bacias de vidro
cheias de sobremesa de ameixa e galinha ensopada com bolinhos de arroz, como
sempre, na casa dela, e meus primos já estavam muito grandes para que
quiséssemos brincar como antes. Gastei o tempo lendo velhíssimas Seleções do
Readers Digest, e chegou a hora de voltar.
Quem entrou no trem,
provavelmente de novo na estação de Subida? O “gato”, nem mais, nem menos.
Desfalescente de emoção, a adolescente/aborrecente não queria acreditar em
tamanha sorte. E a paquera rolou de novo.
No meio do caminho,
aproveitando que meu pai fora tomar água (Ai! Que luxo eram aqueles bebedouros
do trem, com suas piazinhas brancas!), o moço gato, gatíssimo, levantou-se e
veio até o meu lugar. Sem fôlego para responder, peguei na mão o cartão de visitas
que ele me dava (que luxo!), e o ouvi dizer:
- Escreva para mim neste
endereço! – (telefone, naquela época, nem pensar.)
Escondi o cartão no sutiã
antes que meu pai voltasse, e passei dias, semanas, com ele queimando na mão. O
nome do moço era Otávio Hiandts, e ele era de Itajaí. Escrever-lhe era a minha
maior vontade, mas se ele respondesse? Como justificar em casa estar recebendo
carta de um desconhecido? Foram dias de dura luta interior, até pegar minha
caneta Parker e um papel bem bonito, e lhe mandar uma carta:
“Não quero que me
escrevas, porque meus pais podem não gostar.”- mais ou menos assim, coisa bem
boba, dessas que a gente faz na adolescência.
Num mais soube nadinha do
príncipe Otávio Hiandts, de Itajaí, que, provavelmente, como eu, tinha uma avó
com quem passar o final-de-semana pelas beiradas da linha do trem. Hoje ele
dever ser respeitável senhor, avô de netos, talvez barrigudo, talvez careca, e
as pessoas de certo nem se lembram o quanto já foi bonito. De repente, com esta
crônica, até alguém me dê notícias dele.
Mas que pena que o trem
acabou!
Blumenau, 24 de Setembro
de 1995.
ADENDO:
Depois da publicação
desta crônica no Jornal “A Notícia”, de Joinville, que circulava por quase todo
o Vale do Itajaí, eu fiquei esperando alguma notícia de Otávio Hiandts. Em
seguida, ela saiu numa revista e depois no meu livro “No tempo da bolacha
Maria”, livro que até hoje circula amplamente, e nunca apareceu de novo aquele
rapaz. Dezenas, com certeza mais de centena de alunos, nas mais diversas
escolas, assim como muitos leitores, perguntaram-me por ele – e eu não tinha
resposta.
Quando veio a Internet e
toda a gente passou a ter seu e-mail e poder acessar sítios de busca que eram
os antepassados do Google, como o Cadê e o Alta Vista, por exemplo, um dia
cheguei em casa, e ao abrir os e-mails, vi que alguém me escrevera com o
sobrenome Hiandst. Tratava-se do filho daquele moço bonito que, penso, num
momento de diletantismo, colocou o nome do seu pai nos sítios de busca – e ele
apareceu na minha crônica! Esse gentil moço fez contato comigo e hoje somos
amigos no face-book. Contou-me que, infelizmente, seu pai falecera
prematuramente. Naquela altura, a única referência que ele encontrou sobre seu
pai na Internet... foi a minha crônica! Fiquei muitíssimo emocionada.
Enseada de
Brito, SC, 17 de maio de 2017.
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