sábado, 1 de maio de 2021

A FALTA DE REFERÊNCIA DAS MENINAS NEGRAS

 Por Clarisse da Costa (Biguaçu, SC)

Estava aqui pensando sobre as nossas referências de quando menina… Aí me perguntei quais. Infelizmente não tínhamos. Tudo que a gente tinha era a ideologia do cabelo perfeito, cabelos longos, lisos e com balanço. Tem uma cena minha que jamais fugiu da minha memória. Eu menina, cheguei na casa da minha avó com uma toalha na cabeça e nos braços uma outra toalha bem enrolada. Eu, no meu imaginário infantil, tinha essa toalha como um bebê que eu segurava no colo.

Ter aqueles bebês grandes, com bochechas rosadas e boca vermelha, era o sonho de qualquer menina negra. E devido às condições financeiras, mamãe não podia me dar. Que referência a gente tinha? A gente queria o cabelo liso não por influência das mulheres mais velhas da nossa família e sim por causa das mídias e do preconceito que a gente sofria na época. Não é diferente de hoje. Só que hoje a gente entende tudo e sabe se defender.

Naquele tempo eu não tinha a mínima noção do que era o racismo. Não se falava de raça, origens… Tudo que a gente sabia não passava das histórias dos escravos. A literatura era direcionada a crianças brancas. A gente conhecia bem as princesas brancas e queríamos ser como elas.

A gente desconhecia as nossas referências negras. O motivo hoje sabemos. Durante anos esconderam de nós os escritores negros e escritoras negras. Tanto que Lima Barreto até 2015, para mim era um escritor branco da nossa literatura brasileira.

O reflexo da falta de referência também era visto nos brinquedos. As bonecas eram brancas, todas padronizadas. O padrão era olhos azuis, cabelos loiros e corpo esbelto. Ou você era uma Cinderela, ou qualquer coisa insignificante. E para muitos brancos essa coisa insignificante era ser empregada doméstica.

Clarisse da Costa é militante do movimento negro em Biguaçu,SC. 

Contato: clarissedacosta81@gmail.com

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