TOSSORES
DE LEITE (adaptado)
(De
Vagner Garcia “Seu Negro”)
Por Severino Moreira (Bagé, RS)
Quem já me ouviu contar o causo das ovelhas do "Tio Negro", que
findaram por pegar cria dos veados que existiam em qualquer quantidade no
campo, há de lembrar que no dito causo, falei que esse vivente, hoje, é dono de
uma "chacrita" perto da cidade de Bagé.
Para que melhor lhes explique, essa chácara foi comprada com a “plata” da
venda do tal campito onde a história das tais ovelhas aconteceu. Aquele mesmo
campo dos pajonais e dos sumidouros e que por sorte apareceu um caipora
interessado em comprar, e até não pagou muito pouco.
A chácara que tem hoje é uma fração de terra com quase vinte braças de
campo, boa aguada, boa pastagem e terra preta dessas que se pode plantar quase
tudo, e em razão disso ele fez uma bela horta e o restante do campo encheu de
vacas para tirar leite e vender na cidade.
Bueno, vacas no pasto, pastagem farta e tudo o mais para dar certo. Ou
melhor quase tudo, pois as vacas não eram de raça leiteira, de modo que davam
muito trabalho, e lucro quase nada, quando tirava dois litros de uma delas era
uma glória.
Já estava quase desencantando mais uma vez, com o destino que sua vida
tomava, pois desse jeito a produção não sustentava a família, quando descobriu
um "lindeiro" que tinha, não uma chácara, mas um sítio com uma braça
e pouco, e mesmo assim vendia “tossores” de leite.
Resolveu fazer uma visita ao dito vizinho, desconfiando que devesse haver
no sítio alguma pastagem muito especial.
Precisava saber o que era e
plantar na chácara, para então se juntar com “as patacas” e tirar o "pé do
barro".
Chegando ao local, lá estava o vivente tirando leite de uma vaquinha
bragada. Um bichinho porqueira, miudinha, descarnada, pouco maior do que um
cachorro, e sem querer fazer exagero já tinha ao lado um barril desses de
duzentos litros acima do meio de leite, enquanto que o "ubre" da
vaquinha de tão cheio, ainda, fazia arrastar a ponta dos tetinhos no capim.
O pobre do "Tio Negro" gastou um balde de saliva, conversando o
homem para comprar a tal vaquinha, mas não ouve jeito. O argumento do dono foi
um só. Essa vaquinha come por meia vaca e da leite por cinqüenta, portanto, não
há dinheiro que pague.
Não vendeu a vaquinha, mas noticiou a origem do animal, de modo que
pudesse, também, comprar uma vaquinha leiteira, desde que não fosse a sua que
representava nada menos que o sustento da família.
Comprar uma vaca daquelas, já era uma questão de honra e sobrevivência,
de modo que no primeiro canto dos galos, já estava com o cavalo encilhado, para
em seguida montar e picar espora em direção do campo do criador da bendita
raça.
Ia formar o plantel de gado mais
leiteiro de toda a região fronteira.
Chegou ao rancho do referido criador, já virado do meio dia, e se
encantou olhando na mangueira aquele mundaréu de vaquinhas remoendo na maior
calma do mundo enquanto a terneirada “escramuçava” na volta.
Eram todas bragadinhas, e quase iguais a tal vaquinha leiteira de seu
"lindeiro".
Não fez rodeio, e apresentou-se logo após um “Oh de casa”, como
interessado em comprar o gado.
Acontece que o preço das vacas era de fazer cruz, de modo que precisou
vender mais de vinte das suas para pagar uma só mas, enfim, era questão de
honra ter uma vaca daquelas no campo.
Comprou a vaca, e lhes digo era mansa que nem um cachorrinho. Foi só
botar uma piola no pescoço e ela se foi cabresteando e a terneirinha da mesma
forma a trotezinho do lado.
Chegou já de noite nas casas, amarrou a terneirinha e largou a vaca em um
cercado de azevém, para depois desencilhar, dar uma bóia para o cavalo, e só
então tomar o primeiro mate do dia. Ou seja da noite.
Levantou no dia seguinte, antes do Sol, tomou uns mates e depois pegando um
cepo de cortiça, se abancou ao lado da vaquinha, apojou e começou a puxar os
tetos.
O "ubre" da pobrezinha arrastava no chão, tinha amanhecido tão
cheio que o animalzinho estava com as pernas “arqueadas” e o fio do lombo igual
uma bacia. Digo mais, se demorasse mais meia hora, a vaca estaria com as
patinhas no ar apoiada só no “ubre”.
Foi tirando leite e enchendo, um balde, dois baldes, três baldes...dez
baldes,... quinze baldes, mais o balde do poço, o jarro, as panelas, as
canecas, o tacho da marmelada, as gamelas, o penico... E a vaquinha cada vez
dava mais leite.
Não tendo mais onde juntar, começou a despejar nos cochos dos bichos,
eram porcos e cachorros empanturrados, de tanto leite e a vaquinha sempre com o
"ubre" tão cheio que os tetinhos pareciam estaqueados, apontando os
quatro pontos cardeais.
Foi, então, que lá pelas tantas a tia Ilma saiu lá fora e gritou.
"Virge meu véio, bombeia só o tamaínho da vaca”.
Lhes conto, e periga ser verdade, mas estava com menos de dois palmos de altura,
pois tinha se esvaído em leite.
Para arrematar o causo, eu digo que levou dois meses, uma semana, três dias,
cinco horas e alguns minutos para o pobre animal voltar ao tamanho normal.
Vocês nem imaginam a trabalheira
que deu para a terneirinha mamar, durante esse tempo todo.
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