terça-feira, 1 de outubro de 2024

YERUTI

Por Edgar Lorenzo Rojas (Assunção, Paraguai)

A DENTADURA VOADORA QUE FOI PARA O BELELÉU

Por Valéria A Gurgel (Nova Lima, MG)


Fim de tarde, muito calor, quase 38 graus e ameaças de tempestades.

Ponto de ônibus lotado! Na dura volta para casa em plena sexta feira, exatamente na hora de pico! Dezessete horas e quinze minutos. Cíntia havia matado a última aula de português. Queria chegar mais cedo em casa para sair com seu namorado, o Fred. Queriam ir juntos ao aniversário de um colega.

Mas parecia naquele dia, que todas as pessoas haviam saído de casa e tentavam voltar ao mesmo tempo e todas dentro daquele mesmo coletivo, velho, que exalava um forte odor de borracha e combustível queimados

Depois de uma dura espera de mais de quarenta minutos na fila, enfim a porta se abriu e o trocador tentava controlar o empurra-empurra na incansável disputa por um lugar na janela, não ao sol!

A jovem com uma gigantesca mochila nas costas, esperta e acostumada passar por aquela aventura todos os dias, não se importava em ser quase triturada naquele coletivo que mais parecia uma máquina de espremer carne humana.

Assim, depois de alguns minutos torturantes, ela conseguiu se sentar bem lá atrás! E ainda dividia o lugar no banco ao lado, com uma mulher com três crianças pequenas sentadas uma em cada um de seus joelhos e um bebezinho no colo. A mulher carregava uma bolsa enorme que entornava um caldo insuportavelmente podre, parecia ser de peixe! E ainda tentava amamentar o bebê! O pobre estava todo coberto por um manto azul, e com roupas de lã azul e branco parecia mais uma bandeira do Cruzeiro!

Não dava para entender como aquele indefeso ser, ainda conseguia respirar com aquele calor infernal dentro do ônibus. E o pobrezinho envolto a tantas roupas inalando um forte odor que a mulher trazia escondido embaixo de seus sovacos!

Mal o coletivo deu partida, já parava no sinal vermelho e podia-se ouvir a galera gritando aflita:

-Vão motô! Anda depressa e não pára mais não! Pois não cabe mais ninguém nessa espelunca!

Mas, infelizmente, ele devia cumprir ordens da empresa e a cada ponto que parava, subia dez e descia um! A coisa foi ficando feia e naquele anda pára, pára anda, sobe e desce, e desce e sobe, eis que entrou uma senhora idosa, bem velhinha que foi logo encarando a Cíntia! Intimidando-a com os olhos, à ceder o seu mísero lugar ao sol! Direito do idoso claro!

E a pobre jovem já nem sabia mais dizer se era melhor sentada, que de pé! Nem pensou, quando pôde perceber que a idosa já entrou no busão, completamente pálida, quase verde e prestes a desmaiar de tanto calor, foi logo dizendo:

- Minha senhora, -disse ela educadamente - Senta aqui! -Logo foi aquela confusão para a outra passageira se levantar da poltrona do corredor, para Cíntia sair e poder dar o lugar para a idosa.

Foi cutucão de guarda-chuva, lambada de bolsa de plástico, caldo de peixe escorrendo em seu tênis branco, menino entornado refrigerante no banco do ônibus e picolé de uva derretendo no seu cabelo... E seguia o coletivo pelas avenidas da grande capital...

Quando o veículo pegou um pequeno trecho de estrada de terra, e tudo começou a sacudir, a pobre idosa, num gesto abrupto, abriu a janela de uma vez entrando uma fumaça de poeira que todos se engasgaram! E numa ânsia de vômitos ela “chamou o Juca” pela janela! Começou a vomitar, a pobre senhora!

Mas o pior estava por vir... a sua dentadura saiu voando pelos ares!

E a coitada, começou a gritar:

- Socorro!!! Socoooorrro!!! Parem o ônibus! Parem o ônibus!!! Por favor!

Mas, ninguém sabia ao certo o que estava acontecendo! Todos apavorados, estavam pensando que alguém ali dentro tinha sofrido um piripaque no coração! O motorista então parou e perguntou:

- O que está acontecendo aí atrás? - A velhinha apavorada dizia chorando:

- A minha dentadura, senhor, voou pela janela!

Foi aquela rizaria dentro do ônibus! E ela desceu desesperada para procurar! Procurava daqui... Procurava dali... Procurava de lá, procurava acolá... E nada de encontrar a sua dentadura! O povo começou a reclamar:

- Vamos embora motô! Que eu tô com fome!

- Hoje é sexta feira, motô, bora ai, cara!

- Tenho que tomar a minha loura gelada logo mais!

- Bora aí, motô! Se demorar ai parado eu perco o meu segundo ônibus para chegar em casa!

E a confusão se instalou dentro daquele ônibus! Muitos com pena, resolveram descer para ajudá-la a procurar a dentadura que havia desaparecido no meio do mato!

Começava a escurecer e nada da dentadura aparecer! Como a situação ficava cada vez pior com o povo xingando, crianças chorando... Cíntia desceu também para ajudar encontrar a dentadura de Dona Maria Balbina.

Depois de quase meia hora parados no meio do mato daquela estrada de terra, a jovem encontrou a dentadura daquela senhora, caída no meio de uma poça d’água suja! Muito agradecida, dona Maria entrou no ônibus, mas não tinha coragem de colocar de volta a dentadura suja na boca!

O veículo seguiu viagem e chegou ao seu destino.

Para surpresa de Cíntia, seu namorado estava esperando-a no ponto final.

Ela muito constrangida pelo atraso e pela sujeira em que estava por ter caminhado no meio do barro à procura da dentadura da dona Maria Balbina foi logo se justificando! Mas na verdade, o seu namorado estava preocupado era com a avó dele, que havia saído cedo para ir ao médico e ainda não havia voltado! Para seu espanto ela veio a descobrir que a Dona Maria Balbina era a avó de seu namorado! Então, eles resolveram acompanhá-la até a casa que morava.

Lá chegando, Dona Maria lavou a dentadura. Lavou... Lavou... Passou água sanitária, vinagre, ferveu com detergente e bicarbonato, pois ficou com muito nojo do que acontecera!

Mas ela só não esperava que sua dentadura depois de passar por tantos processos de higienização e fervura, pudesse entortar!

Não conseguia mais encaixar a prótese dentro da boca! Quanto mais insistia, mais vômito fazia! Até que correu para o banheiro e... vlópt!!! A dentadura desceu por água abaixo no vaso sanitário e foi para o beleléu!

 

O MISTÉRIO DO PADRE ISIDORO

Por Valéria A Gurgel (Nova Lima, MG)

 

Não era nem cinco horas da manhã e o sino da capela da pacata cidadezinha do interior das Minas Gerais, já tocava intermitentemente, causando certo desconforto em padre Isidoro, que era obrigado a se levantar, com o frio da madrugada, para conferir se realmente o sino da igreja estava tocando à uma hora daquela?!

Ele acordava com o tinido estridente, dos dois velhos e pesados sinos de bronze, envelhecidos pelos quase duzentos anos de existência. Parava para ouvir e nada! Então o velho pároco, acordava o ermitão para saber se ele também havia escutado os sinos tocando. Mas ele afirmava não estar ouvindo nada. Um silêncio medonho se fazia. Logo que o padre ia se deitar e vestia novamente seu camisolão branco, suas meias e sua touca de lã, retirando os seus óculos e...

Novamente os sinos soavam e logo em seguida, paravam! Isso prevaleceu por vários dias e noites seguidas e no fim de quase um mês, um fato curioso começou também a acontecer por ali. Eis que as hóstias da sacristia e o vinho, estavam desaparecendo, causando tamanho embaraço para o padre e o ermitão que se tornaram os principais suspeitos de estar consumindo o corpo e o sangue de Nosso Senhor Jesus Cristo em hora indevida, fora dos rituais da igreja.

Como não conseguiam mais dormir direito, eles bocejavam o tempo inteiro durante as missas. Todos imaginavam que estavam fazendo festinhas às escondidas nos fundos da sacristia, a altas horas da madrugada e se embebedando de vinho! Todo esse equívoco, se agravou ainda mais quando as beatas das redondezas começaram a fazer fila na porta da igreja, em plena madrugada, para não mais correrem o risco de ficar sem a comunhão, visto que as hóstias agora, nunca davam para ser repartidas com todos os fiéis na hora do ofertório. E o velho padre ficava ainda mais constrangido.

Já insatisfeito e muito intrigado com aquele mistério que rondava a sua paróquia, padre Isidoro, resolveu convocar todos os fiéis para uma reunião extraordinária na igreja. Tentando descobrir o que poderia estar ocorrendo e explicar às senhoras religiosas, que não mais precisavam chegar tão cedo à igreja, pois ele ia pedir para as freiras do convento, aumentar a fabricação das hóstias e do vinho!

Mas as beatas afirmavam que ouviam os sinos tocando de madrugada e a cada dia mais cedo, imaginavam que era o padre que estava chamando a todos, para a missa, em horas inconvenientes. Teve uma que confirmou ter ouvido os sinos soando em plena três horas da madrugada, chamando os fiéis para rezar!

O padre, completamente transtornado, suspeitou que pudesse ter alguém escondido nos fundos da sacristia, querendo fazer uma brincadeira de mau gosto com todos. Assim, ele pediu ao coronel Camargo, que falasse com o xerife, para enviar alguns dos seus soldados para dar uma busca e tentar desvendar todo aquele mistério. Porém, nada fora encontrado e a situação foi ficando caótica por ali quando se espalhou a notícia de que a igreja do padre Isidoro era mal-assombrada e que estava possuída por um espírito maligno!

Por fim, nem o próprio padre e nem o ermitão queriam mais dormir ou entrar na igreja.

E as missas, as confissões, as novenas, as quermesses, as procissões, os casamentos, os batizados, as coroações e até as missas de corpo presente, foram todos os rituais sagrados, canceladas sem previsão de quando voltariam a acontecer. Também, a limpeza da igreja. Pois nem as beatas queriam lá entrar com medo do que podiam ver!

E a vida dos moradores passou a se tornar monótona e sem graça, visto que o único movimento que se via por ali se resumia dentro e aos arredores da igreja. O coronel da cidadezinha, muito nervoso com aquela história que já estava repercutindo pelas redondezas e sendo motivos de críticas e deboches por parte dos religiosos de outras crenças e até mesmo pelos fiéis de outras comunidades, resolveu levar ao conhecimento do bispo que ordenou que enviassem um padre exorcista para resolver o problema!

Foram meses de muito suspense e desgosto naquela cidade, até que o padre exorcista chegou. Ele veio de longe, para pôr fim de vez naquela história estranha e mal explicada. Mas infelizmente, nada adiantou! Então, o coronel Camargo, decretou que viessem os pais de santo, o benzedeiro de todos os terreiros para resolver o problema e a guerra se instalou na cidade. Depois de meses de brigas, bate bocas, revoltas, manifestações de diversas formas, como gente fazendo jejuns e desmaiando na porta da igreja, carregando cruzes pelas ruelas da pacata cidadezinha, mulheres depositando flores e velas pelas escadarias da porta da pequena capela, crucifixos pregados por todos os lados, gente jogando sal e água benta aos arredores e beatas vestidas de preto em protesto; enfim, o mistério foi desvendado!

Os fiéis, o padre, o ermitão, o coronel e o xerife juntamente com os seus seis soldados, da velha delegacia, não mais suportando aquela situação pavorosa em que se transformou a cidade; que antes pacata, agora se tornara uma das mais agitadas da região, decidiram tomar coragem e subir até o campanário para ver se tinha alguém escondido por lá. Visto que misteriosamente, o sino tocava estridentemente em plena duas horas da manhã!

E eis que descobriram uma família de macacos prego fazendo uma tremenda algazarra, se balançando nas cordas dos dois sinos, comendo as hóstias e bebendo do vinho da igreja. Colocando assim um ponto final naquela história fantasmagórica que mexeu com a cabeça de todos os moradores.

O único problema é que depois do ocorrido, padre Isidoro, não conseguia mais espantar aquela família ousada que sempre que ouvia os sinos da igreja tocando, vinha todos, correndo para a igreja!

A mãe, o pai e os três filhotes, assentavam-se no primeiro banco da capela, bem à frente na primeira fileira, assistiam a missa e na hora da comunhão, ficavam à espera do pão e do vinho que já estavam viciados a beber!

 

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SOCOOOOOOOORRO!!! O DEFUNTO SE LEVANTOU!

Por Valéria A Gurgel (Nova Lima, MG)


Numa cidadezinha pacata, no interior das Minas Gerais, tão logo o dia começava a clarear, o pároco da pequena igrejinha local ligava seu ruidoso megafone instalado no alto da torre. As paredes que sustentavam aquele aparato antigo, eram de pedras encardidas de mofo e estavam bastante obstruídas pelo tempo. As paredes da capelinha pintadas de amarelo fosco e portas de madeira tosca, azul grená.

Padre Juvenil seguia mais de meia hora, todas as manhãs regulando o volume do megafone para então, anunciar a lista dos falecimentos da madrugada. E lá naquele caderno amarelecido, estava escrito o nome do Sr. Eteovaldo, mais conhecido como Zé Cuberta.

O Zé ganhara esse apelido inusitado pela velha mania de sair caminhando pelas ruelas geladas e escuras daquele, digamos, vilarejo, enrolado em um velho cobertor, deixando somente os olhos e o nariz de fora, para se proteger do frio estarrecedor dos períodos de inverno, ano pós ano por ali.

O carismático padre, já bastante idoso e quase careca, com seu par de óculos de fundo de garrafa, caído sobre o afilado nariz, punha para tocar uma musiquinha fúnebre, conhecida como “O silêncio”, para provocar aquela nostálgica tristeza local.

Depois de deixar a música tocar por alguns minutos e comover a população, ele começava a ler a relação dos nomes dos mortos.

- Nota de falecimento e convite! A família do senhor, Eteovaldo Pereira da Silva, mais conhecido como Zé Cuberta, informa aos parentes e amigos o seu falecimento ocorrido ontem e convida para o seu sepultamento a realizar-se hoje às dez horas no Cemitério local. O velório se realizará à rua Tocantins número 147, bairro Morro Velho.

Voltamos a informar o falecimento do senhor Eteovaldo…

Mas ninguém ainda imaginava o que tinha acontecido por volta das cinco e meia da madrugada, na casa do falecido e que depois do ocorrido, aquele lugar nunca mais seria o mesmo!!!

Dona Geni, acordou por volta das dez e trinta da noite, desesperada, ao sentir que o seu marido estava gelado, intacto, de olhos abertos e bem arregalados por sinal, rijo, espichado de barriga para cima, na cama, bem do seu lado!

Ela não se conteve e se pôs a gritar! Tão logo a velha casa de esquina encheu-se de gente! Todos vieram para acudir o homem! Mas fora em vão. Morrera dormindo, aquele pobre cristão!

A recente viúva, após confirmar a morte repentina do marido, pediu a um moleque, filho do verdureiro, para correr até a casa paroquial para o Padre Juvenil ir encomendar a alma do falecido, mas ele não o atendeu.

Naquela época e ainda se tratando de uma cidadezinha muito pobre e sem recursos, era de praxe os próprios vizinhos dar banho, secar, vestir e arrumar o defunto em casa mesmo. Enquanto a família do enlutado ficava à espera do caixão, que sempre demorava chegar, porque vinha de outra cidade a alguns quilômetros.

Sendo assim, o velório transcorria com o morto deitado em uma cama de solteiro, coberto por um lençol branco e arrastada para o centro da sala de visitas. Até que amanhecesse e algum conhecido pudesse ir até a funerária da cidade mais próxima, buscar a urna, o véu e uma coroa de flores, com uma modesta faixa preta escrita assim: “Funenária Santa Maria, a sua morte é a nossa alegria. Uuuppss!!! Nossa melancolia, quis dizer!

Não havia evento mais divertido para os homens da região, pois conseguiam um pretexto para sair de casa à noite e passar a madrugada bebendo o defunto e falando pelos cotovelos.

Era por volta das quatro e meia da madrugada, os parentes já dormiam recostados pelos cantos da casa, três homens, encostados no parapeito de uma pequena janela de madeira tosca, jogavam cartas e bebiam cachaça para espantar o frio que apertava. Quando um pergunta bem cismado para o outro:

- Você não viu? Parece que o Zé se mexeu!!! - Cê tá variando, cumpade Piriá! O Zé tá morto e geladim, coitado! - Comentou o Compadre Juquinha. - Cê bebeu demais e tá ficando doido, home?!

- Bebi não, cumpade Manél! Eu juro que vi o defunto se mexê debaixo do lençor! - Resmungou o homem, cabreiro, cuspindo um pedaço de fumo mascado.

Um clima tenso se fez. Lá pelas cinco e meia da manhã, já quase com o dia clareando, um gemido confundido com ronco fez com que os três homens se entreolhassem e parassem de gritar truco, para ouvir. Mas não era nada! O defunto continuava lá, estirado sobre a cama! E eles seguiram, jogando cartas e bebendo cachaça para esquentar.

Inesperadamente, aquela cama fez um barulho estranho! Parecia se ranger com o peso do corpo. Parecia reclamar e avisar que alguém estava se mexendo...

O Zé descobriu-se do lençol, de uma só vez, levantando-se e perguntando:

- Ocêis tão me oiando por causa de quê? Onde está a minha cuberta?

Vão me servir uma dose da marvada aí, ou nu vão? Tá um frio excomungado hoje! Tô inté achando que morreu o capeta mais veio do inferno!

Os três homens, sendo um deles perneta, saltaram pela minúscula e única janela daquela sala ao mesmo tempo!

Foi por muito pouco que aquele pobre homem era sepultado vivo! Depois do incidente ocorrido, dizem que ele foi tido como morto e acordou mais duas vezes! Numa delas, chegou a ter cortejo fúnebre, mas, o próprio defunto foi caminhando, enrolado em sua coberta, até que todos perceberam que carregavam um caixão vazio!

Nem mais o Padre acreditava nos prenúncios de falecimento do Zé Cuberta e não mais aceitou anunciar as suas supostas mortes em seu megafone.

Assim, quando morreu enfim, de vez, o pobre cortês, ninguém das redondezas foi velá-lo!

Da quarta vez, ele morreu mesmo, enfim! Mas Padre Juvenil, muito sem fé, se negou a dar a encomendação da alma do falecido.

Até hoje, ele não se levantou de sua tumba, nem se despertou para assustar ninguém. Mas, ainda assim, há quem passe em frente o cemitério e diz ver o Zé Cuberta sentado em cima do muro, puxando um trago em seu cigarrinho de palha, baforando fumaça pelas ventas, enrolado em seu velho cobertor sujo de terra, dando risadas, com seus dois únicos dentes cariados e pedindo com o velho gesto dos dedos, uma dose da branquinha!

 

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A PESSOA IDOSA E OS JOGOS DE AZAR

Por Paulo Cezar S. Ventura (Nova Lima, MG)

 

Em tempos de má distribuição de renda o jogo vira uma pandemia. E a pessoa idosa é mais uma vítima.

Vivendo e aprendendo a jogar
Nem sempre ganhando
Nem sempre perdendo
Mas aprendendo a jogar.
(Guilherme Arantes)

Estive no Correio de minha cidade para usar sua prestação de serviços de transporte de mercadorias. Sou frequentador assíduo, felizmente, pois por ali viajam meus livros para os queridos leitores. De repente, o funcionário me oferece um tipo de jogo, registrado e patrocinado pela Empresa de Correios e Telégrafos (ECT).

Eu respondo: como posso fazer uma militância política em prol de uma melhor distribuição de renda e apostar em um sistema que tira dinheiro de muitos e entrega a uns poucos? E quem ganha são exatamente aqueles que podem apostar muito.

Desculpe-me, Sr. Arantes, apesar do sucesso de sua música, que teve como uma de suas intérpretes a fabulosa Elis Regina, nem sempre se aprende a jogar. Na maioria dos casos vicia-se em jogar. Em tempos de má distribuição de renda e de uma grande faixa da população na pobreza, o jogo vira uma epidemia. Melhor dizendo, uma pandemia, pois o vício se espalha pelo mundo. E, mais uma vez, pessoas idosas são vítimas, vulneráveis.

Sete anos depois da decretação de legalidade das apostas online no Brasil, a quantidade de casas de apostas aumentou consideravelmente e o Brasil já é o segundo país do mundo em número de apostadores e de volume de dinheiro consumido em apostas. Imagino que muitos de nós conhecemos pessoas que estão se perdendo no vício de apostas. Irei relatar um caso que muito me chocou.

Dona Geralda (nome fictício por razões óbvias) é uma pessoa de minha vizinhança, dona de um belo sorriso e muita alegria. Ou melhor, era. Perdeu a alegria e o sorriso em consequência. Pessoa idosa, com uns sessenta e cinco anos, vivia em uma casa pequena na periferia da cidade. Moradora de uma daquelas três ou quatro casas construídas em um mesmo lote. Os filhos, já maduros, não eram visitas frequentes. Tinha um grupo de amigas, colegas das rezas e novenas, vivendo, portanto, em uma bolha de contatos.

Seu salário de aposentada era bem controlado, apenas o suficiente para sobreviver, sendo impossível se regalar com passeios, roupas melhores, jantar fora de casa, entre outros regalos. Vivia em sua bolha de grupos de WhatsApp, vítima das falsas notícias e das publicidades televisivas que contribuem para a degeneração mental dos telespectadores.

Foi no intervalo da novela que ela assistiu vários ídolos dos esportes e aquele famoso locutor anunciar: profetiza, mas com moderação. Ela não se conteve: quem sabe estava ali a saída de sua vida miserável? Quem sabe ela não poderia fazer parte daquele grupo de pessoas felizes e sorridentes que a televisão mostra nos enredos das novelas e nos intervalos para publicidade?

Pegou seu aparelho de telefone, usou o leitor do código que aparecia na tela e entrou naquele universo fantástico dos jogos. Bastavam uns cliques em seu aparelho de telefone, uma de suas amigas, “entendida” em internet a ajudou nos primeiros acessos e logo, logo, estava participando dos jogos. Era também uma bela maneira de se conectar com seu time de futebol de coração. E como ganhou um bom dinheiro da primeira vez, continuou jogando.

Os jogos de futebol são mais espaçados, mas a plataforma apresentava outras possibilidades. De repente, ela tinha uma Las Vegas inteira em seu pequeno aparelho celular. A vida vai melhorar, ah como vai!

E Dona Geralda se acostumou, se apaixonou, se viciou. Como compensar as perdas acumuladas? “Nem sempre ganhando”, quase sempre perdendo, não aprendeu a jogar. Mas a adrenalina do jogo, aquela sensação de poder ganhar, “agora vai”, ela nunca teve em sua vida de empregada de serviços gerais nas empresas em que trabalhou.

Aos poucos foi se endividando, aos poucos foi vendendo o pouco que tinha, de repente perdeu a casa, de repente quase perdeu a vida. A dose de veneno de rato que ingeriu não foi suficiente para suprimir sua vida, mas a deixou em péssimas condições de saúde. Os filhos não tiveram condições de socorrê-la, mas conseguiram, com uma ação judicial, que Dona Geralda fosse recolhida por uma ILPI onde, pelo menos, estava acolhida por profissionais.

Infelizmente, esse é o jogo, aquele que apaga a luz dos olhos das pessoas, algumas nem tanto idosas, antes da hora. A vida pode ser também cenário para os Jogos Mortais. Neste caso ela é cruel, pois não se conhece as regras. Em jogos de “vale tudo” não se aprende a jogar. No entanto, é uma questão de escolha. Façamos a escolha certa: não jogar.

“O envelhecer é uma maratona dura. Requer foco, disciplina, amor-próprio, treino mental, treino físico e espiritual.

Mesmo sabendo que na reta final ninguém vai subir ao pódio, temos que dar o nosso melhor, porque a velhice é sobre o processo e não sobre o findar a jornada”.


(Cláudia S Franco)

 

JANELAS DA VIDA

Por Elisa Augusta de Andrade Farina* (Teófilo Otoni, MG)

Janelas sempre foram para mim possibilidade de liberdade e pontos de observação. Gosto de me colocar num lugar outro para olhar o mundo e as pessoas.

Quanta novidade se pode aprender quando você deixa seus olhos dormitando na caixinha dos segredos, procurando ver as pessoas com um olhar de entendimento, numa troca de (in)segurança e até de humildade. No átimo de troca, você descobre que não é melhor do que ninguém e a gratidão invade todo o seu ser.

As janelas fecham-se e abrem-se na objetividade a que foram constituídas. Diz o adágio popular: “quando uma janela se fecha, outras se abrem”.

É preciso abrir janelas, muitas delas! A vida oferece muito mais aos que aprendem a sair de si mesmos e se arriscam na direção dos outros, numa mão única de desejos e concretude.

Abrir as janelas é, também, expandir fronteiras, aprender novas vivências, degustar outros sabores e vencer os obstáculos. E debruçada nas janelas da vida, permaneço sobrevoando, desejando um dia ser e muito ver.

A vida sempre me ensinou como eu poderia ser forte, mas exigiu de mim atitudes mais potentes em momentos em que acreditei que só existia fraqueza no meu viver. Com o tempo aprendi a escutar o que o meu silêncio tinha o que me dizer — certifiquei-me que ele diz muita coisa. Aprendi a reconhecer o que é de verdade, principalmente os sentimentos. Aprendi também a fazer as pazes com o que não foi necessariamente uma perda. E o mais magnifico: que viver é um ciclo eterno de recomeços e que a melhor universidade é a felicidade de viver.

Assim, vou abrindo janelas, recolhendo conhecimentos e alegria de viver de forma solidária, coesa e cônscia dos que têm certeza do que querem e precisam para recolher momentos indeléveis e mágicos na grande vereda chamada vida.

________________________

* Elisa Augusta de Andrade Farina é escritora, presidente da Academia de Letras de Teófilo Otoni e integrante da turma Manoel de Barros, da Vivência Novos Autores, Árvore das Letras

 

ESPELHOS

 

Por Leandro Bertoldo Silva (Padre Paraíso, MG)

Aquilo que chamam “morrer” não é senão
acabar de viver e o que chamam “nascer” é começar
a morrer. E aquilo que chamam “viver” é morrer
vivendo. Não esperamos pela morte: vivemos com
ela perpetuamente.
– Jean Baudrillard –

Ele havia lido em um livro de Mia Couto um diálogo que o impressionou bastante:

            — Pai, a mãe morreu?

            — Quatrocentas vezes.

            — E ela está enterrada onde?

            — Ora, em toda parte. *

            Ficou imaginando como isso seria possível. Quatrocentas partes de sua mãe em quatrocentos lugares diferentes… Isso, além de impossível, era grotesco! Logo desviou seu pensamento para algo que lhe pareceu mais apropriado: se a lei do reencontro estivesse certa, estaria explicada a questão… Mas não acreditava nisso! Sua igreja não permitia, e era isso, para ele, muito mais cômodo, pois evitava mirar os espelhos de sua alma… Porém, nada disso teria importância se uma profunda sensação de se sentir incompleto não persistisse em sua vida, como se os mesmos espelhos, estando a quebrar, lançassem seus cacos a refletir tempos escusos, o que lhe trouxe ainda mais angústia, pois, a partir daquele momento, pôs-se a procurar por ele mesmo…

* Antes de nascer o mundo – Mia Couto.

 

ALDRAVIAS

 Por Hélio Begliomini (São Paulo, SP)


CICLO VITAL

Penetração

Existência

Claridade

Desenvolvimento

Decadência

Ausência



DESTINO

Amor

Seu

Destino

Inexoravelmente

Meu

Destino



PÁTRIA AMADA

Falação

Corrupção

Embromação

Estagnação

Inflação

Brasil

FEITIÇO DE MULHER

 Por Hélio Begliomini (São Paulo, SP)


Lábios finamente desenhados

Olhar astutamente penetrante

Nariz delicado

Orelhas tímidas

escondidas entre longo cabelos

coroam rosto angelical


Pele lisa

Tez serena

Postura régia

Movimento harmônico

Desenvoltura olímpica


Contorno atraente

Silhueta altiva

Curvas sinuosas

Sinalização proibida

Olhares na contramão


Miragem...? - Não

Obra-prima

Ingredientes extasiantes

Fórmula inebriante

Feitiço de mulher


Sobre o autor: Hélio Begliomini é médico, escritor, poeta, membro titular da Academia Cristã de Letras - ACL , cadeira nº 10, patronesse Marie Barbe van Langendonck, da qual foi presidente.

O "MENO" TINHA RAZÃO OU QUEM INVENTOU O TELEFONE?

Por Humberto Pinho da Silva (Porto, Portugal) 

 

Na cidade de Curitiba (Brasil,) existe o bairro de Bigorrilho. Elegante zona turística, onde abundam magníficos restaurantes e pisarias.

Nesse pitoresco e elegante bairro, encontra-se, na Alameda Princesa Isabel, a famosa igreja dos " Passarinhos".

Templo moderno, de teto em madeira, conhecido pelas gaiolas de passarinhos, que enfeitam o altar-mor - parece-me que já os retiraram, - que trilhavam, para regalo dos fiéis, durante o culto.

Tinha a igreja sacerdote dinâmico, que certa ocasião pensou levar uma mula para o templo, em procissão, de homenagem a nossa Senhora das Dores. Não o fez, porque os fiéis discordaram da original ideia.

O Padre Gabriel Figura foi, durante anos, diretor do: " Passarinho", periódico que se editava em Bigorrilho, jornal, em que fui colaborador, a convite do sacerdote.

Conta o Professor Sergio Kirdziej, no " Passarinho", que acompanhado pelo Maestro Oswaldo Hohmann, visitaram o amigo Ottorino de Meucci, o " Meno", como carinhosamente era tratado.

Nessa ocasião, Ottarino, contou-lhes que seu tio António Santi Giuseppe, que estudara na Academia de Belas-Artes, na Toscana, e cursara, paralelamente, Engenharia Química e Industrial, fora o verdadeiro inventor do telefone, e não Bell.

O tio, nascido em Florença, a 13 de abril de 1808, emigrara para os Estados Unidos, em 1850. Sentindo necessidade de ligar o escritório ao quarto, tanto matutou, que acabou por surgir o telefone.

Realizada a descoberta, registo-a provisoriamente, por dificuldade financeira; acabando, mais tarde, de a vender a Bell, que a registou definitivamente, em Março de 1876, em seu nome.

Escreve o Professor, que o " Meno" difundia, pelo bairro, a todos que o quisessem ouvir, que fora seu tio António que inventara o telefone, mas ninguém o levava a sério, até havia quem se risse, à socapa, dele.

Mas...a 11 de junho de 2002, pelo Congresso dos Estados Unidos, foi reconhecido Meucci, como o verdadeiro inventor do telefone.

O "Meno" tinha razão...

A CRISE AUTORIZADA, NA FAMÍLIA E NA SOCIEDA

Por Humberto Pinho da Silva (Porto, Portugal)

 

Ao folhear, ao acaso, o livro de Daniel Leste: " Confúcio" - Ed. Estudos Cor, deparei os curiosos: " Diálogos de Confuso".

Um, atraiu-me a minha atenção: " O sábio Yeu disse: " Aquele que é respeitador de seu pai e da sua mãe e do irmão mais velho, não decidirá, senão raramente, a desobedecer às autoridades. Não se encontrará um homem que tendo respeito pelos grandes, participe numa revolta. Um homem nobre estuda a raiz das coisas. Se ele a encontrou, a sua torna-se florescente. O respeito pelo pai, pela mãe e pelos mais velhos, é a raiz do bem" – D.C.-I-2

Cresce de forma descomunal, na decadente sociedade, o desrespeito pela – autoridade: pais, professores e governantes.

É frequentíssimo, nas últimas décadas, em manifestações populares, escutarem-se palavras incongruentes, injuriosas e impróprias e gente educada.

E na escola – que devia ser local de respeito, – docentes são desfeiteados na própria sala de aula; e são frequentes os abusos entre alunos.

Recordo – e com que saudade! - do longínquo tempo da minha mocidade, quando a via publica era segura e tranquila; e ninguém pensaria que fosse possível agredir o professor, de modo a ter de recorrer ao serviço hospitalar.

Quantas vezes fui ao cinema da meia-noite, só e acompanhado, e nunca senti qualquer receio de ser assaltado; e por motivos profissionais; fui obrigado, durante anos, a deambular, a pé, pelas artérias da minha cidade, a horas mortas, de madrugada, e jamais fui incomodado, nem sentia qualquer temor. Confiava, inteiramente, na polícia.

Bons tempos!... Agora todos andamos com o credo na boca, receando que em cada canto e recanto, em cada esquina ou portal, surja perigoso malfeitor.

E por que acontece isso?

Porque há muito quem ensine, mas não há quem eduque.

Educar não é ensinar; mas inculcar: conceitos, valores e respeito. Poucos são, infelizmente, os que sabem educar a alma, para que se torne temente a Deus e cidadã exemplar. A maioria – quando o faz, – limita-se a comportamentos e rudimentares regras de etiqueta.

Lamentam-se as mães que os jovens andam transviados. Todavia esquecem-se, que em parte, a culpa é delas, porque não sabem ou não souberam incutir nos filhos preceitos que os tornassem em honrados e honestos cidadãos.

A REVOLTA DOS TOUROS

Por Dias Campos (São Paulo, SP)

 

            De todos os incidentes internacionais de que tive notícia nesses meus longos anos dedicados ao serviço diplomático, nenhum deles se comparou ao que a imprensa madrilena resolveu noticiar como “A revolta dos touros”.

Foi em 1935, um ano depois da entrada em funcionamento de Las Ventas, a maior Praça de Touros da Espanha.

Os espanhóis acorriam como formigas atraídas pelo mel. As touradas popularizavam-se cada vez mais, cresciam em importância e em público, e elevavam os toureiros ao patamar de verdadeiros heróis.

É claro que, de vez em quando, um ou outro desses heróis talvez preferisse ser lembrado como um covarde vivo... Mas como esse infortúnio foi sempre exceção, nenhuma morte jamais inibiu que outros continuassem a buscar a glória nos estimulantes “Olés!”, no tremular dos lenços brancos, nas rosas deitadas aos seus pés, e, se tudo saísse perfeito, no prêmio máximo de levar consigo as orelhas e o rabo do touro decepados na hora.

            Como embaixador, fui naturalmente convidado para a tourada inaugural. E como não pudesse fazer desfeita, confirmei minha presença e para lá me dirigi.

Acabei sentando bem ao lado do embaixador mexicano. E se bem que ele não se cansasse de parabenizar o governo espanhol pela imponência daquela Praça, não deixou de passar adiante, mesmo que a baixa voz, que um dia seu país construiria uma Praça de Touros ainda maior.

Não que já não soubesse como se desenrola uma tourada... Mesmo assim, presenciar um espetáculo desses não foi nem um pouco agradável. A cultura de um povo é sempre respeitável. Mas, como pensa a maioria dos brasileiros, o que vi poderia ser classificado como uma ode à carnificina.

Não vou negar que no último tercio da tourada, onde o toureiro pratica as evoluções com suas capas vermelhas (passes com a muleta), todos ficamos empolgados. Aí se aferem a coragem, a destreza, o bailado.

Mas quando, no primeiro tercio, entraram os picadores, cuja função é atiçar a raiva do touro e minar as suas forças, espetando em seu dorso a ponta das lanças em forma de T, daí senti muita dó, e um tanto de náusea. Aliás, o enjoo só não se intensificou porque foi amenizado pela revolta que em mim crescia. Afinal, enquanto os picadores ferem sem piedade o animal, ficam a salvo em cima dos seus cavalos, que sequer sofrem as chifradas da pobre vítima, pois que envolvidos por lonas grossas que os protegem.

A ânsia tornou a crescer, todavia, quando, no segundo tercio, os banderilleros passaram a agir. A sua performance, sem dúvida mais arriscada que a dos picadores, consiste em encarar o touro de frente, ficar na ponta dos pés, levantar um par de banderillas coloridas sobre as próprias cabeças, apontando os seus espetos para o que ainda resta do lombo, e, como se fora um louva-a-deus, precipitá-las sobre o alvo, cravando-as para deleite dos espectadores e saindo ilesos do revide dos chifres.

O touro, já de língua de fora e com o sangue a escorrer em profusão, nada mais pode fazer senão tentar atacar quem ainda vê caminhando na arena. Reação alucinada de quem talvez pressinta a morte.

Daí retorna o toureiro, que evoluciona mais um pouco para dar o golpe final.

Deitando a capa ao chão, pega a sua espada, fica diante daquele que um dia foi considerado campeão, como a mostrar grande coragem, aponta a lâmina para o seu dorso, e, com um golpe certeiro, crava-a por inteiro até atingir a aorta.

E enquanto o matador passa tranquilo por sua vítima, aguardando os hurras, o touro cospe sangue, convulsiona, e tomba já sem vida.

Bem diferente foi a minha reação se comparada à euforia do meu colega mexicano, bem como a da quase unanimidade dos espectadores.

Pois foi aproveitando dessa extrema alegria que me levantei sem alarde e saí de fininho.

Devo confessar, contudo, que se fiquei enjoado e entristecido pelo resto daquela tarde, continuo carnívoro e um bom garfo. Apenas que, como sabia que o destino daqueles touros era o açougue, tive um pouco mais de respeito às suas memórias antes de devorar um filé à Chateaubriand no almoço do dia seguinte.

            Nos meses subsequentes, recebi convites para assistir a outras touradas; e sempre na Tribuna de Honra. Mas deles declinei com a diplomacia de praxe.

            Tudo teria ficado por isso mesmo, não fosse uma carta que recebi do Brasil...

Meu irmão, que já não via há um bom par de anos e por quem nutro grande estima, escreveu-me dizendo de sua saudade. E como minha sobrinha, Ana, completara nove anos, gostaria de presenteá-la, e à sua esposa, com uma viagem para a Europa, começando pelo país onde o tio Olegário estava acreditado. Terminava perguntando se poderiam ficar hospedados na residência do embaixador.

            A carta apertou este velho coração... Afinal, desde que nossos pais se foram, como não tive a graça de casar e constituir família, meu irmão, minha cunhada e a pequena Ana eram o que de mais feliz me sobrava.

            Nem pestanejei. Escrevi que os receberia com toda a alegria do mundo e que não se preocupassem com a hospedagem, pois a residência do embaixador estaria à sua disposição. E terminava dizendo que viessem o mais rápido possível e que ficassem por pelo menos duas semanas, tempo suficiente para que pudesse mostrar as principais belezas da terra de Cervantes. E despachei pelo malote oficial.

            Quando o navio aportou, fui eu quem primeiro os vi. E esquecendo toda e qualquer reserva a que um embaixador sempre estará sujeito, acenei como fazem os pais à vista do filho que retorna da guerra, tamanha a emoção que de mim se apossava.

            Não sei a quem mais abracei, se ao meu irmão ou cunhada. Só sei que saí com minha sobrinha no colo, cobrindo-a de beijos e elogios, enchendo-a de perguntas e revelando que muitos presentes a aguardavam na embaixada.

            Depois que meus parentes foram devidamente instalados, de abertos os presentes a Ana – confesso que acertei na escolha, pois seus olhinhos brilhavam a cada embrulho desfeito –, e de trocadas as lembranças entre os adultos, passamos ao jantar e aos mais diversos assuntos. Tinha tanto que perguntar, e que contar!... As saudades precisavam ser satisfeitas, não importando se a entrada ou o prato principal esfriassem.

            A pouco e pouco nossos corações serenaram. Foi quando ouvi de Ângelo um pedido que, se era natural a um turista, para mim tornava-se no mínimo espinhoso. Meu irmão queria levar a filha para assistir a uma tourada.

            Minhas sobrancelhas levantaram-se. Afinal, como imaginar minha sobrinha assistindo àquela atrocidade? E fiquei sem saber o que dizer.

            Como percebessem o meu retraimento, meu irmão e cunhada anteciparam-se. Aquele, dizendo que não via nada de mal, pois, ao que sabia, os espanhóis também levavam os filhos às touradas, meninos ou meninas, e ninguém saía traumatizado. E Patrícia, pondo-se veementemente contra, pois uma garotinha de nove anos não poderia presenciar tamanha selvajaria, o que a deixaria, sim, traumatizada para o resto da vida.

            E como apreendesse, pela divergência nos semblantes, que os pais já tinham se debruçado sobre essa questão ainda no Brasil, alternativa não tive senão a de me esquivar desse impasse com um diplomático “Vamos passar ao fumoir?...”

            No dia seguinte, iniciamos nosso passeio pelas alamedas e recantos da capital. E posso me orgulhar de ter sido um cicerone exemplar. Pudera! Além do roteiro não ter sido preparado por mim, e, sim, por minha experiente e prestativa assessoria, minhas credenciais franqueavam lugares antes vedados aos madrilenos, o que deixava eletrizados os meus parentes.

            É verdade que Las Ventas não foram esquecidas. E como nesse dia não houvesse touradas, não achei mal mostrar a Plaza deserta à minha família, na esperança de que meu irmão se satisfizesse em sua grandiosidade e abandonasse a ideia de levar Ana ao mortífero espetáculo.

            Minhas credenciais, como sempre, foram suficientes a que entrássemos. E assim que descortinamos, lá de cima, a “pequenina” arena, lá embaixo, meus parentes ficaram impressionados!

            Até minha cunhada teve que ceder ante a sua imponência, não deixando de comentar, à voz maravilhada, o tamanho da balbúrdia que deveria ser se todos os lugares estivessem ocupados.

            E quando respondi, pelo que me lembrava das conversas que travara, que a capacidade do edifício é para mais de vinte mil espectadores, Patrícia franziu a testa.

            Não deixei de reparar que meu irmão, que segurava Ana no colo, procurava passar à filha como deveria ser empolgante estar no meio de milhares de pessoas arrepiando-se com o touro enfurecido, vibrando com a coragem do toureiro e gritando “Olé!” a uma só voz.

Por óbvio que a pequenina não alcançava tudo o que o pai tentava retratar. No entanto, ela era toda atenção, e empolgação, reações naturais a uma filha ao ouvir o seu primeiro herói.

Patrícia, por sua vez, aproximou-se sorrindo de ambos e, com aquele jeitinho materno que nunca falhava, retirou sem dificuldades a filha dos braços do pai. Em seguida, passou aos contra-argumentos, buscando desfazer qualquer encanto que aquelas cativantes palavras pudessem ter produzido.

Como antevisse um novo impasse, encontrei na brisa que incomodava e nas nuvens que assomavam a saída oportuna. E sugeri suspendêssemos o passeio e retornássemos para a embaixada.

No entanto, como fazia muito tempo que não viajavam, e como estavam encantados com a capital, meu irmão e cunhada não queriam perder um só segundo. Daí que ambos desdenharam da ameaça de chuva e insistiram para que continuássemos. Se a chuva sobreviesse, que nos metêssemos em algum Café e a esperássemos passar, ocupando-nos com suas delícias.

Não me opus, e prosseguimos.

Como aos meus parentes tudo era novidade, e encantamento, nem se deram conta de que a brisa ficava cada vez mais fria. E se desprezaram essa advertência, nem por isso atrasaram a anunciada. E a chuva nos pegou em cheio.

E como ninguém pensara em guarda-chuvas, a alegria por encontrarmos um Café fez-se menos pelo que consumiríamos do que pelo aconchego de um abrigo.

É verdade que os cafés ajudaram a que nos aquecêssemos. E, de igual forma, que os doces e a conversação contribuíram para que o tempo passasse sem tédio.

No entanto, tínhamos nos molhado muito, e nossas roupas não secavam.

E se bem que ficássemos apreensivos quanto à saúde de Ana, dela só ouvimos alguns espirros, e nada mais.

Quanto a Patrícia, porém...

É que minha cunhada já chegara do Brasil com a garganta arranhando. Daí que se a manhã seguinte amanhecia ensolarada, ela seria a única que não a aproveitaria, preferindo sacrificar um dia de passeio, prevenindo-se de uma gripe, a estragar toda a viagem, internando-se em um hospital.

Mas como estivesse bem acomodada na embaixada, sob os cuidados da governanta e do nosso médico particular, Patrícia não quis que Ana e o marido se privassem dos passeios. Que saíssem e depois contassem cada detalhe.

E tanto insistiu, que aceitaram.

Assim, lá fomos nós três pelas ruas de Madri; desta vez, porém, munidos de guarda-chuvas.

Apreciamos fontes e monumentos, entramos em mais uma das muitas igrejas e almoçamos no icônico Sobrino de Botín. – Ângelo prometeu voltar com a esposa tão logo ela se recuperasse.

Mas como insistisse para que fôssemos à minha confeitaria predileta, que ficava a uma boa distância de onde estávamos, tive a ideia de alugar uma charrete, o que divertiria ainda mais minha sobrinha.

Só que a Praça de Touros ficava no trajeto...

Quando a viu de longe, os olhos do meu irmão brilharam. E como ele soubesse, porque já se informara na embaixada, que as touradas aconteciam neste exato momento, não pensou duas vezes e sugeriu que fôssemos assistir a pelo menos uma, antes de fecharmos o dia com chave de ouro, na confeitaria.

Fiquei sem palavras, pois sabia que Patrícia não gostaria que sua filha entrasse.

Minha indecisão, contudo, não perduraria. É que Ana também pedia para que assistíssemos à tourada; e com tal graciosidade que dobraria até o mais austero dos puritanos. E como Ângelo garantiu que assumiria toda a responsabilidade...

Dava para ouvir os “Olés!” já de fora, o que evidenciava a habilidade do toureiro e uma Plaza lotada.

E, com efeito, parecia que Madri inteira elegera o domingo para se comprimir. Não fosse minha credencial, e certamente não passaríamos do portão de entrada.

Rumamos para a área reservada às autoridades, talvez o único lugar em que ainda sobrasse espaço.

Realmente, só havia mais dois assentos disponíveis.

Meu irmão pegou a pequenina no colo para que ela pudesse ver alguma coisa. Sua alegria era visível, não só porque atiçada pela euforia da multidão, mas, também, pela grande expectativa que Ângelo ajudara a construir.

O toureiro, moço ainda desconhecido, exibia um talento promissor. Sua postura era garbosa, e a destreza com que manuseava a capa fazia do touro marionete e levava o público ao delírio.

Ana perguntou ao pai se o touro estava suando muito.

Ângelo não entendeu a pergunta.

A menina insistiu, referindo-se às costas do animal. – ela confundia suor com o sangue que escorria e se espalhava pelo lombo, depois da intervenção dos picadores, e que se evidenciava sob a ação dos raios solares.

 Meu irmão, então, buscando uma justificativa que a contentasse, respondeu que como o touro ia e vinha com muita rapidez, naturalmente suava muito nas costas.

Ocorre que o tercio de matar caminhava para o ápice...

E como a visão a todos aprisionava, ninguém teve a ideia de colocar Ana no chão para que não a presenciasse.

O toureiro perfilou-se defronte ao touro, apontou a espada, e arremeteu com precisão. E saiu para os aplausos...

            Ana acompanhou toda a tragédia, incluindo o consequente cuspir do sangue, o rápido estrebuchar, e o tombar fatal.

            E ao mesmo tempo em que Las Ventas iam ao delírio, Ana abria o berreiro; e não porque tomasse um susto com a troada que explodia, mas, sim, porque sua pureza se chocara com a brutal realidade.

            Ângelo tentou em vão afagar a filha, dizendo, entre outras bobagens, “Não foi nada, não foi nada...” e “Calma, já vai passar...”

Mas ela continuava a soluçar.

Uma das autoridades que estavam ao nosso lado, porque já tivesse extravasado o seu júbilo, percebeu o choro compulsivo e se aproximou preocupada.

Não sei se isso foi decisivo, mas o fato é que ela foi se acalmando, se acalmando... e parou de chorar.

E quando todos já sorríamos, minha sobrinha soltou esta frase, dita na mais pura ingenuidade:

- “Vou pedir pro menino Jesus pra nunca mais o touro morrer.”

Mesmo falando em português, o espanhol compreendeu a frase. E nós três nos compadecemos dela.

O melhor a fazer, portanto, seria irmos embora. E partimos na direção da minha confeitaria preferida.

Lá, a vermelhidão nos seus olhinhos sumiria e daria lugar a um cativante sorriso, pois Ângelo prometera à filha tudo o que ela quisesse, mas com a condição de não contar à mãe o fato de termos ido às touradas.

E não é que a menina aceitou!...

Ana cumpriu o prometido, o que nos deixou bem junto a Patrícia.

No dia seguinte, como já estivesse bem melhor do mal que lhe acometera, minha cunhada não se fez de rogada e foi logo perguntando aonde iríamos.

Como já verificara o itinerário traçado por minha equipe, não titubeei e recomendei o Parque del Retiro. Assim, nós passearíamos, Ana brincaria, e depois almoçaríamos ali perto, em um pequeno restaurante que, segundo as mesmas fontes, preparava a melhor paella da cidade.

Quando caminhávamos às margens do Estanque Grande, o grande lago, demos com um banco convidativo, pois era sombreado e o sol já incomodava.

Ana preferiu correr atrás das pombas, mas com a promessa de não ir muito longe; se bem que Patrícia não lhe desgrudasse os olhos.

Mas quando nossa conversa deu uma pausa, percebemos uma discussão entre dois senhores, sentados em banco próximo.

Pelo que ouvia, comentavam uma notícia de primeira página. Um, revoltava-se, pois não acreditava que o principal jornal da Espanha tivesse a coragem de publicar tamanha asneira; o outro, dele discordava, pois ouvira de fontes confiáveis que o fato tinha realmente acontecido. E gesticulavam, e defendiam os seus pontos de vista. Até que se levantaram e foram embora.

Como o meio-dia se aproximava, Ana já reclamava de fome. E fomos à nossa maravilhosa paella.

Quando chegamos ao restaurante, que estava cheio, mas não lotado, percebemos um alvoroço. É que aquela notícia já se espalhara por toda a cidade e não havia um só homem ou mulher que não a estivesse comentando ou procurando mais notícias nos periódicos.

O maître nos conduziu a uma mesa e não perdeu a oportunidade de perguntar se já sabíamos do acontecido.

E como disséssemos que não, ele, muito solícito, tratou de providenciar um exemplar para que nos inteirássemos.

Porque estivéssemos bastante curiosos, resolvi traduzir rapidamente a chamada para os meus parentes. E li em voz alta estas letras garrafais:

“Criança brasileira suplica a Jesus. E os touros se revoltam!”

 Não preciso dizer que assim que terminei, e me dei conta do que acabara de ler, meus olhos se arregalaram e minha face ficou vermelha.

E também é desnecessário acrescentar que assim que levantei a cabeça, procurando meu irmão, seus olhos e face estavam em pior situação.

Minha cunhada percebeu a nossa reação – se bem que até um cego perceberia... – e, desconfiada, insistiu para que eu lesse toda a reportagem em voz alta.

Ainda bem que Ana, pequenina que era, não deu importância à notícia. Até porque, como estivesse faminta, toda a sua atenção convergia para o jamón cerrado que pedimos como entrada.

Segundo a notícia, que resumirei com minhas palavras, depois da tourada a que tínhamos assistido, estavam programadas outras duas. Ocorre que, assim que o portão foi aberto, ao invés de surgir um monstro enfurecido, como fazem os campeões, Las Ventas viu entrar, a trote manso, um bicho meio apagado, nada atemorizante, e que parou no meio da arena, deitou-se, e lá ficou. E por mais que os peones, os assistentes do toureiro, tentassem açular o animal com suas capas, o touro permanecia impassível, como se recusasse a investir contra quem quer que fosse. Mesmo quando os picadores resolveram intervir para enfurecê-lo, o máximo que ele fazia era mugir de dor, mas não se levantava.

E enquanto o matador testemunhava, estarrecido, a inacreditável cena, as vaias começaram a pipocar e logo tomaram conta de toda a Plaza.  

O jeito foi laçar o animal e puxá-lo para fora da arena com o auxílio das mulas.

O mesmo fato aconteceu ao touro seguinte, o que deixou a arquibancada furiosa, os assistentes, sem saberem o que fazer, e os toureiros, envergonhados e de unhas roídas.

Mas ao mesmo tempo em que o público começava a abandonar Las Ventas, um boato se espalhava mais rápido do que rastilho aceso: Alguém teria ouvido da boca de uma menininha brasileira, que chorava muito, um pedido para que o menino Jesus interviesse e nunca mais permitisse que os touros morressem.

E a reportagem terminava dizendo que, pelo visto, a súplica daquela “santinha” tinha sido atendida.

O silêncio imperou na mesa por alguns segundos. E só foi quebrado porque Ana, que pensávamos não tivesse ouvido nada, soltou esta pérola, enquanto mastigava uma fatia de presunto:

- O menino Jesus meu ouviu. – E deu uma risadinha.

Ainda bem que minha cunhada sempre primou pela compostura. Mas que ela disse ao marido que depois teriam uma bela conversa, ah! isso ela disse!...

Tudo teria acabado neste particular, que tiveram na mesma noite, não fosse o fato de a embaixada ter sido cercada na manhã seguinte...

Sim, centenas de espanhóis cercaram a nossa embaixada, e gritavam para que a “santinha” desfizesse o pedido ao menino Jesus!

Ao que parecia, aquele alto funcionário espanhol, que conosco dividira a Tribuna de Honra, não só deu causa ao boato, estupefato que ficou assim que fomos embora, como, também, deduzindo onde Ana estava hospedada, provavelmente por ter me reconhecido, não se aguentou e forneceu aos jornais a maior das manchetes.

Ficamos sitiados até que a polícia chegasse e fizesse debandar os cidadãos.

Mas isso estava longe de terminar. Como os touros de Las Ventas permaneciam revoltados, inúmeros jornalistas acamparam defronte à embaixada, vários romeiros já tinham cruzado os limites da cidade, a Igreja ameaçou excomungar minha sobrinha, e o Alcaide, em pessoa, requereu a mim uma audiência, e com urgência!

Mas como desgraça pouca é bobagem, é óbvio que essas notícias cruzaram o Atlântico e foram todas bater às portas do gabinete de Sua Excelência, o Presidente da República.

Pois não é que recebi um telefonema do próprio Getúlio Vargas, cobrando-me explicações!

No pé em que estávamos, a presença dos meus parentes, que só deveria trazer alegrias, já se transformara em um terrível pesadelo, um verdadeiro incidente internacional, com cobranças de todos os lados e, o que é pior, com a possibilidade de sermos todos declarados personae non gratae!

E como minha carreira estava por um fio, chutei o meu positivismo, amordacei o meu agnosticismo, e, engolindo o meu orgulho, também fui suplicar – às escondidas, que fique bem claro – à minha sobrinha para que pedisse ao menino Jesus para que tudo voltasse ao normal.

E não é que a meninota revelou-se intransigente, e, desta vez, insubornável!

Mas se até então não acreditava em milagres, fiz questão de agradecer aos céus pela notícia que li semanas depois, e que foi estampada nos principais jornais do país. – Depois de minuciosas análises, uma equipe de renomados veterinários descobriu certa substância química que jamais fizera parte da dieta regular dos touros, sendo essa a verdadeira causa da sua apatia.

Daí que os animais passaram a ser alimentados com o melhor dos fenos, e sob a fiscalização governamental. – A par disso, um inquérito policial foi instaurado para apurar se aquela adulteração foi ou não criminosa.

Passado o período necessário à recuperação, e os touros voltaram a reagir como verdadeiros campeões.

            Quando a poeira abaixou, nem se pensou em almoço ou jantar de despedidas. Meus parentes arrumaram as malas, saíram discretamente da embaixada, e partiram direto para o Brasil. – Aposto que nunca mais pisarão na Espanha.

Os jornais logo se esqueceram da “santinha” e da “Revolta dos touros”; até porque, o generalíssimo Franco ocuparia as manchetes por um bom tempo ainda.

Eu me aposentei três anos depois, e retornei ao Brasil.

            E basta que nós quatro nos reunamos para que aquele episódio volte à tona. E nos desmanchamos de tanto rir.

            No fundo, eu até gostaria que minha sobrinha tivesse mesmo o privilégio de pedir a Jesus e ser por Ele imediatamente atendida. Não digo isso só pelos touros. É que, segundo me confidenciaram amigos do Itamaraty, neste início de 1939, os ânimos lá na Europa andam um tanto beligerantes...