Por
Humberto Pinho da Silva (Vila Nova de Gaia, Portugal)
Estava encostado à ombreira da
porta da cafetaria, quando deparo com o amigo Silvério, que descia,
pausadamente, a íngreme calçada dos Clérigos.
Vinha acompanhado de sujeito,
que aparentava ter pouco mais de quarenta anos. Calçava chinelos de praia,
calça de ganga azul, t-shirt encarnada e cobria os cabelos grisalhos,
com boné ensebado pelo suor e pelo uso.
Silvério apresentou-o em largos
gestos:
- Professor Smith, recentemente
chegado da América Latina.
Feitas as apresentações e
cortesias da praxe, soube que se tratava de alguém que completara quatro
cursos, possuía dois mestrados e um doutoramento. Uma sumidade que dominava
cinco línguas.
Entramos na
cafetaria e solicitamos três cafezinhos, bem tirados.
Inteirei-me, então, que era
solteiro e não pensava casar: “ A minha geração não casa. Qualquer
namoradinha, colega da Faculdade, transa. Para quê: responsabilidade, filhos,
compromissos?”
Declarou-me que podia lecionar,
mas não gosta de horários fixos. Passa noites na Internet e viaja. Possui
bolsa, faz traduções e aproveita intercâmbio entre universidades, para viajar e
conhecer pessoas.
Aluga quarto com colega e fica de
seis meses a um ano. Assim vai conhecendo o mundo e colecionando diplomas e
certificados.
- Acabando a bolsa, de que
vive? - Interroguei: - “ Tenho renda pequena. No meu país o ensino é
gratuito, e por vezes ainda nos pagam para pesquisar e frequentar a
Universidade. Depois papai sempre dá mão na roda, quando o aperto chega…”
Perguntei-lhe se já vira a
cidade. Disse que sim: -” Comi bacalhau e tripas, e espero provar a francesinha,
que dizem ser bem gostosa.”
- Museus? Com a sua cultura… –
acrescentei. - O Soares dos Reis merecia uma visita: - “ Não gosto de
quadros… Depois, visto um… os outros são todos iguais.”
Falamos, então, de economia e
política. Afirmou, com indicador em riste, que: “ Quando ruiu o muro de
Berlim, apareceram os milionários russos; e a China compra empresas no
estrangeiro, para obter lucros e explorar povos.”
Que os intelectuais de esquerda
são hipócritas, porque: “ Em geral têm a barriga cheia de bens ou
bons ordenados.” Que os vê, juntamente com os da direita, em bons hotéis e
melhores restaurantes, e alguns têm dinheiro em paraísos fiscais.
Não vota, e pouco conhece de
política, porque não lê jornais nem escuta noticiários. Vive para pesquisar.
Despediu-se e retirou-se.
Ofereci-lhe o meu diário: -” Para compreender melhor a crise portuguesa. “ -
Disse.
Agradeceu e foi na direção dos
Loios, arrastando as “havaianas”, de boné surrado, enfiado na cabeça.
Ao dobrar o cotovelo da rua,
lançou o periódico na papeleira., num gesto de desprezo.
Para ele, o que o jornal
contava eram petas de neoliberais. Gente que trabalha, cria e tem filhos. Gente
inferior. Para ele, que é “Professor”, e possui dois mestrados e um
doutoramento, a missão é: estudar, investigar, viver de bolsa e colecionar
cursos.
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