Por Urda Alice Klueger (Blumenau,
SC)
Costumo
dizer que sou filha da malária. Nos tempos antes de eu nascer, a malária era
endêmica aqui no Vale do Itajaí, e meu pai não foi lutar na Segunda Guerra
Mundial e permaneceu vivo para me gerar porque, a cada vez que uma leva de
soldados embarcava para o front na Itália, ele estava tão mal de saúde, com uma
nova crise de malária, que não podia embarcar.
Tem mais
coisas sobre a malária na minha história: soldados doentes eram internados no
hospitalzinho que o exército mantinha em frente ao quartel, à rua Amazonas, em
Blumenau, onde eram cuidados até melhorar, mas cuidados de uma forma bastante
rústica: quinino, arroz e feijão. Era aí que a minha mãe aproveitava a ocasião:
munida de guaraná e finos doces da Confeitaria Socher, ela conseguia licença
para visitar aquele rapaz bonito, e se não o conquistara antes, fê-lo com as
suas delicadas guloseimas, que o convalescente das muitas febres devorava,
deliciado. Ela contou-me os detalhes de tais atos de audácia quando já passava
dos oitenta anos. Não deu outra: acabaram se casando e se estou aqui, hoje,
devo muito à malária!
Assim,
produto da malária, acho que devo dar um depoimento, aqui, sobre o que se
passou com aquela endemia – pelo menos a parte que sei.
Nasci em
1952, e não sei se foi pouco antes ou pouco depois que nasci que a malária foi
posta a correr da minha região. Minha mãe me contava como, em algum momento, a
campanha contra o mosquito que transmitia a malária se tornou tão séria que,
árvore por árvore, neste vale que ainda está cheio de mata, mas que tinha muito
mais mata então, subiu-se a cada uma e se estirparam bromélias, caetés e quaisquer
plantas que armazenassem água entre as suas folhas, para que o mosquito não
pudesse se reproduzir. Eu, criança, fascinada, ouvia as histórias e mal podia
crer que tal coisa hercúlea tivesse acontecido bem ali onde vivia, um pequeno
vale rodeado de morros ainda cobertos de mata nativa.
Mas não eram
apenas as histórias ouvidas – cresci num mundo em que, periodicamente, se a
gente quisesse ou não, o pessoal da malária vinha subindo a rua, entrando em
cada casa e enchendo tudo de nuvens de veneno contra mosquito. As mães não
gostavam muito quando aquilo acontecia, pois a casa virava uma bagunça, mas não
havia o que reclamar – as casas tinham até um número, na parede, que era o
número que o serviço contra a malária colocava, em tinta preta, para melhor
controlar a pulverização venenosa. Aprendi a palavra “inseticida” com o pessoal
do serviço da malária. Tal acontecia na década de 1950, e, tanto quanto me
lembro, continuava acontecendo no começo da década de 1960.
O tempo voa muito
rápido, e a minha lembrança seguinte é da década de 1980, quando ainda
permanecia funcionando, em Blumenau, o Serviço de Proteção contra a Malária (se
não me engano, esse era o nome completo – a gente abreviava, dizia que era “o
pessoal da malária”. O último endereço dessa gente de que me recordo foi uma
casa à Rua Hermann Hering, bairro Bom Retiro.
Aí
pela metade da década de oitenta, lembro da sensação que foi o aparecimento de
UM caso de malária em
Blumenau. O que foi, o que não foi – num instante foi
explicada a situação – tratava-se de pessoa que viajara recentemente ao Mato
Grosso, se não me falha a memória. Malária importada, portanto, que a nossa
estava bem e bem debelada.
Agora
temos aí a dengue, a chikungunya e a zika, tudo num mosquito só. Disseram-me
que o mesmo mosquito é capaz de transmitir, também, a febre amarela. Pôxa,
gente, se fomos capazes de botar a correr o mosquito que transmitia a malária,
o que falta para botarmos a correr esse outro também? Quase não acredito que
ainda tem gente que não está nem aí para o perigo.
Vamos
pegar junto! Apesar de ser como que um produto da malária, eu nunca tive uma
febrezinha só. A gente querendo, o mosquito some.
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