Por Napoleão
Valadares (Brasília, DF)
Não
é bom falar sobre coisas tristes. Mas os fatos são tão antigos que talvez nem
causem muita tristeza. E vamos a eles.
Quando nos chegou o primeiro rádio,
ficamos encantados. Era um aparelho bonito, de jacarandá, com uma seda alvinha
na frente, medindo quase dois palmos de comprimento e pouco menos de largura.
As pessoas grandes gostavam das novelas, O Direito de Nascer e outras. Nós,
meninos, nos interessávamos por músicas. E de noite todo mundo estava ao pé do
rádio.
As
coisas tristes a que me refiro eram notícias que ouvíamos nos programas de
reportagens. O Repórter Esso era um deles. Notícias de longe, mas que nos
deixavam meio chocados e penalizados. Duas
delas foram o incêndio de um circo em Niterói e a queda de uma ponte no
município de João Pinheiro. Elas nunca me saíram da memória.
O
caso do circo foi um horror de gente queimada e pisoteada. Um sujeito não tinha
dinheiro para comprar o ingresso, pediu que o deixassem entrar sem pagar e,
como não consentiram, ele arranjou um pouco de gasolina e botou fogo na lona do
circo. Muita morte e muito ferimento. Ouvindo a notícia pelo rádio,
imaginávamos o desespero do povo morrendo queimado. E menino ouvindo essas
coisas...
Muito
depois, lendo o livro Diário de um Candango, de José Marques da Silva,
deparei-me novamente com o caso, pois o autor faz uma referência ao tal
incêndio do circo: “Soube que em Niterói ocorrera uma tragédia brutal! Fazia
lembrar Herculano e Pompeia, quando o Vesúvio, implacável, soterrou milhares e
milhares de pessoas. Mas fora no Brasil, onde temos bombeiros bem equipados,
sem que com isso pudéssemos evitar um acontecimento tão funesto. Nada menos de
200 crianças, vidas em flor, conheceram a morte num circo que se incendiara!” E
mais adiante: “Que absurdo! 330 pessoas já perderam a vida, apesar da luta que
movem os médicos para que esse número não aumente!”
O
outro fato, a queda da ponte, igualmente chocante, deu-se num 13 de dezembro,
dia de Santa Luzia. A ponte sobre o Rio da Prata desabou e os carros foram
caindo e o povo morrendo, até que um lavrador daquelas beiras, Luiz Goiano,
colocou galhos de árvores na estrada, como aviso, impedindo que mais carros
caíssem no rio.
Conversando
com Célia, esposa do amigo Anderson Braga Horta, ela me disse que uma sua irmã,
Clesi Santos, foi vítima desse acidente. Estava em Brasília e resolveu passar o
Natal com os pais, no Rio de Janeiro. E o ônibus em que ela viajava foi um dos
veículos que caíram no Rio da Prata.
Mas
nem tudo são tristezas. Ao pé do rádio, meu pai pegava um programa chamado Seu
Criado Obrigado. O programa era muito instrutivo e agradável. Consistia em
perguntas que os ouvintes faziam por cartas, e em respostas que o locutor dava,
com tudo bem explicado. A gente aprendia muito com isso.
Passaram-se
anos. Um dia, vasculhando livrarias, encontrei o livro Seu Criado Obrigado, de
Lourival Marques. O locutor tinha feito do conteúdo daquele programa, ao longo
do tempo, um livro, contendo as perguntas e as respostas, com nomes e endereços
das pessoas. Ali encontrei o nome de um amigo que, naquela época, tinha escrito
ao programa. Nada menos do que o escritor Jacinto Guerra, que perguntava: “Por
que os Estados Unidos são conhecidos como Tio Sam?” Pergunta assim respondida:
“Várias histórias são conhecidas, cada uma explicando a seu modo, a origem da
expressão “Tio Sam”. A mais aceita, nos Estados Unidos, é a seguinte: durante a
guerra de 1812, um homem de Troy, Nova York, viu as letras U. S. estampadas num
grande volume e não sabendo que eram as iniciais de United States, perguntou o
que significavam. Por essa época havia em Troy um certo Mr. Wilson a quem todos
chamavam de Uncle Sam (tio Sam). A pessoa a quem a pergunta fora feita,
querendo divertir-se à custa do outro, respondeu que U. S. eram as iniciais de
Uncle Sam, isto é: de Mr. Wilson. A brincadeira logo circulou e em breve se
confundiam, permanentemente, Uncle Sam e United States.”
Telefonei
a Jacinto informando-o sobre o achado e lhe dei o livro. E ele, numa crônica de
O Gato de Curitiba, trata do telefonema em que lhe ofereci o presente.
Vi mais uma vez que o mundo é pequeno.
Aliás, o rádio fez o mundo menor ainda.
Sobre
ao autor:Napoleão
Valadares é escritor,pertence à Academia Brasiliense de Letras e ao Instituto
Histórico e Geográfico do Distrito Federal.
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