terça-feira, 1 de novembro de 2016

DE PESCADOR

Por Napoleão Valadares (Brasília, DF)

            No barco, os três conversavam mais do que pescavam. Mas Ananias, além de conversar, bebia. Os outros tomaram uns tragos e foram parando. Ananias, não. Bebia. Devagar e sempre. A ponto de os companheiros se preocuparem. Vamos ver se pára. Bebendo demais. Aí, de repente, você vai é cair n’água e dar trabalho pra gente. Mas ele nem ligava. Contava suas potocas e virava.
            O sol já baixo e quase nada pegavam. Alguns mandins, um ou outro piau. Mas a prosa animada, gostoso aquele paradeiro, e o rio com sua beleza. Ananias é que foi desanimando devagarinho, encostou-se no fundo do barco e dormiu. Dormiu que roncava. Os companheiros acharam até bom, que pelo menos ele não caía n’água.
            Começou a escurecer e resolveram parar de pescar para fazer a comida. Deixa Ananias aí. Ele não vai dar conta mesmo de subir o barranco. Quando a bóia estiver pronta a gente vem e chama.
            Foram. Por perto da barraca toparam um tatu. Uma idéia: iscar o tatu no anzol de Ananias, que quando ele acordar, vai pensar que está delirando... Assim fizeram. Desceram o barranco, entraram no barco, puxaram a linha dele, iscaram o tatu e jogaram n’água.
            Com a comida pronta, foram chamá-lo. Nada. Nem se mexeu. Dormia a sono solto. Acabaram largando. Se não acordava, como é que ia jantar? Era estender uma coberta em riba e deixar que passasse a noite ali mesmo.
            No outro dia, logo ao amanhecer, foram lá. Ananias, vamos tomar café. Ele acordou assim com um olhar pedrês, olhou para o rio, olhou para o céu, olhou para a garrafa. É, dormi um bocado. Dormiu... agora vamos tomar café, que ontem você nem jantou. É, vamos, mas espera aí, que vou tirar meu anzol primeiro.
            Puxou a linha, estava pesada. Opa! peguei. Puxou, foi tirando, levantou o tatu, olhou para os dois e lascou esta: É até bom vocês aqui pra testemunhar, porque o povo diz que pescador é mentiroso, mas este já é o terceiro que eu pego.

Sobre o autor: Napoleão Valadares é escritor. Autor dos romances “Urucuia” e “Remanso”, entre outros livros. É membro da Academia Brasiliense de Letras e do Instituto Histórico e Geográfico do Distrito Federal..


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