quarta-feira, 1 de março de 2017

CLARISSE CRISTAL, A CIDADÃ DAS NUVENS

Por Samuel da Costa (Itajaí, SC)
Eu prefiro frases feitas...
Adoro lê-las… E pensar que são minhas!
Dizer: - Vou te amar para todo o sempre!
Usando velhos clichés.
***
Finjo ser poeta! Às vezes contista...
Nessas horas uso velhos clichés.
Porque dizer: - Eu te amo, não é dizer bom dia!
***
Às vezes leio velhas poesias.
Mas só às vezes! E penso que são meus...
Aqueles idílios de saudade...
***
Às vezes penso ser poeta!
Na pós-modernidade liquefeita!
A usar velhos clichés!
Para poder ousar dizer:
˗Te amo, não é bom dia!
Agora é oficial, Clarisse Cristal é a mais nova cidadã das nuvens, pois passou aquela manhã cinzenta e sonolenta, de outono sem sol, com a cabeça flutuando em brancas nuvens. Naquela hora de extrema dor e desespero, o pensamento de Clarisse pairava, na jovem mãe que acabara de se matricular, em uma academia de musculação, só para mulheres, era a novíssima fixação da jovem mulher naquele momento. Como o clube do livro, fora no mês passado, a redecoração completa da casa no mês anterior, e outros objetos de desejos efêmeros de quem não tem preocupações mais sérias na vida. Sempre era assim, a jovem mãe de Clarisse Cristal sempre tinha uma novidade premente e urgente de tempos em tempos que não chegam vivas ao fim do mês. E a cada efemeridade premente e urgente trazia junto, como subproduto, o pouco tempo para se dedicar a filha única. Já o pai, de Clarisse, era todo e só trabalho, o executivo de meia idade regozijava ao falar a toda hora, em qualquer lugar e para qualquer um, sobre planilhas de custos, relatórios, projeções futuras, mercado internacional, flutuação do cambio, retração da bolsa de valores e uma série de burocratizamos entediantes para os meros mortais.
Agora parada diante da estante de livros, usando um pesado avental de couro cru, usava vestes negras como a noite, a bota cano alto ornamentadas com as cinco fivelas cromadas, a veste nascia na palma dos pés e ai esvanecer nos joelhos, a saia preta crazy-in-love Portugal, um crucifixo, artesanalmente entalhado em madeira, Paolo Santo envernizada, estava no pescoço e uma blusa justa gothic oco rendas cor de vinho emoldurava o tronco. E ela ali estática diante da estante de madeira, repletas de livros velhos, a mais nova cidadã das nuvens pensou em tudo isso e indo por fim parar de forma intempestiva no seu amor platônico pelo o motoboy da livraria. Talvez o estilo de vida dele fosse de fato a real paixão derradeira de Clarisse. As idas e vindas, com o vento morno beijando o rosto, sem horários definidos ou mesmo itinerários preestabelecidos por quem quer que seja. Foi em olhada rápida nas redes sociais do moço, que Clarisse Cristal pode se deliciar e passar a amar mais ainda, aquela figura ideal, com os gostos daquele homem recoberto de doces mistérios, aquela homem um pouco mais velho que ela. A paixão por fotografia, jardinagem, viagens sem destinos certos, tatuagens tribais, música romântica e poesia por fim, logo ele, uma pessoa tão calada no ambiente de trabalho. Isso tudo se passou num estante pela cabeça sonhadora de Clarisse, a mais nova cidadã das nuvens. Até uma voz estridente a trazer de volta para a realidade em que vivia: — Adeus mundo das nuvens, ou melhor, até breve! — Falou uma voz sonolenta e distante dentro dela, que Clarisse reconheceu sendo dela mesma, mas com muito dificuldade.
— Astride... Astride… Astride desce dai guria... E vem cá, sua sonsa, sua tapada. Olha pra mim mulher!
Não tinha jeito, fingir estar ocupada já não dava mais, agora era descer da pequena escada de madeira, se virar e sorrir docilmente, escutar aquela criatura enfadonha e fútil , como se importasse com ela e a vida vazia de objetivos que levava. E a palavra cavalgadura brotou instantaneamente na mente de Clarisse, de forma natural e mais que espontânea. Ela pensou no fato de trabalhar no lugar há quase um ano e do enorme e o chamativo crachá em seu peito, escrito com letras garrafais a nome Clarisse Cristal não fazia diferença para a anencéfala. E foi quase vinte minutos de um relato monocórdio, sem sal e muito chato, onde Anna Victória contou em minúcias atômicas do fim de semana dela em família, que teve a felicidade de conhecer o novo namorado da própria Anna Victória.
— Nossa amiga! Que interessante, meu Deus que bom amiga! Simplesmente fantástico mesmo!
E a vontade de sair dali correndo, é outro clichê que Clarisse tentava evitar, mas em vão, pois o sentimento vinham sem perguntar se poderia vir ou não. E o terraço mais próximo era outra opção a ser considerado, em momentos como aquele era outro clichê a bem da verdade que também chegava sibilante. E a cena insólita, de ver do alto do prédio, o próprio corpo espatifado no asfalto quente e as pessoas passando ao lado do seu corpo sem vida e em pedaços, sem se importarem com ela, a deixou com dor de cabeça.
E entre a família problema, subemprego e vazios colegas de trabalho, paixonite pelo motoboy e repetidos clichês, ela vivia a vida na espera de algo novo, não melhor, mas novo e diferente daquela rotina claustrofóbica e mais que angustiante.



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