Por Samuel da Costa (Itajaí, SC)
Dá-me a tua delicada mão!
Vamos juntos...
Vagar pelo infinito.
***
Vem luz da minha vida!
Quero me perder...
Nos teus olhos verdes infindos!
Mergulhar nos teus trigais
cabelos
***
Quero passear pela infinitude...
Do teu ser imortal
Descortinar-te por inteiro...
Desvendar o teu ser absoluto
Por fim
A nova Clarisse reapareceu na
livraria, parcialmente repaginada. Com o cabelo bem curto e pintado de vermelho
pitanga, deu adeus ao longo cabelo preto e reluzente. Um piercing ornamentando
a orelha direita, uma tatuagem de dragão que cuspia fogo, que nascia no ombro
esquerdo, serpenteava até o fim do antebraço, a pesada maquiagem desaparecer
por completo. O sobretudo preto godê inverno ficou sabe-se lá onde, perdeu-se
para sempre no tempo e no espaço. Contudo, as vestes escuras como a noite,
ainda reinavam soberanas no corpo hialino da jovem bibliotecária, as mesmas que
mais tarde dariam adeus. O fato de sair e voltar pela porta da frente e plena
luz do dia, o sorriso radiante no rosto e o brilho no olhar denunciavam
mudanças profundas e drásticas. Em suma, Clarisse Cristal era uma típica
criatura de noite que invadira o dia em definitivo. Ela
voltou para o ponto de partido, a livraria seu sagrado local de trabalho e
estava com o firme propósito de saber o destino do livros As cinzas das horas.
— Desculpem minhas doces crianças
do leste do Éden, meus pequenos arcanjos e querubinas, mas demorei muito para
retornar do Café ivory tower! — A voz alta e estridente de Clarisse percorreu
toda a livraria. Todos pararam para olhar a moça parada na porta de livraria.
Passado o susto inicial todos voltaram para o que estavam fazendo. A senhora do
cafezinho vestida elegantemente prosseguiu a sua marcha para a copa, o operador
da fotocopiadora abaixou a cabeça, voltou para operar a fotocopiadora de forma
mecânica e sonolenta, o subgerente da livraria, com seu paletó impecável não
presenciou a cena, estava muito ocupado no escritório no piso superior a
receber vendedores, os dignos representantes do mercado livreiro e bem como as
estagiárias e os estagiários que só trabalhavam no período da tarde.
Clarisse viu, a poucos metros
dela, Anna Victória atender um elegante e exótico casal, estavam os três
parados diante balcão de embrulhos para presentes, sem notar da presença dela.
Uma jovem balconista estava de costas, alheia a tudo e a todos, procurando algo
na estante de embrulhos. Os olhos de Clarisse se detiveram no casal, a mulher
uma jovem senhora de meia idade, tinha a pele alvíssima. Uma teuta de cabelos
louros, curtos, seios fartos, olhos verdes bem vivos, uma pequena tatuagem
verde escura no pulso esquerdo, ladeado de duas estrelas de cinco pontas
menores da mesma cor. Clarisse leu o que estava escrito ali, em letra
manuscrita e em itálico: Agnes. Ela estava vestida de forma sóbria e elegante,
usava um tailleur azul escuro em malha com design quadrado muito sofisticado.
Usava um blazer curto em formato arredondado com decote em V, mangas três por
quatro, com pequenas fendas nos punhos, fechamento com três botões, forrado,
saia com cós largo e pregas na frente zíper na lateral. E por fim uma flor
branca pregada na lateral esquerda, entre o ombro e o coração, quebrava um
pouco a clima formal do traje. Clarisse deduziu que ela era uma estudante
estrangeira pós-graduanda em belas artes ou cadeira correlata, pelos trejeitos
da jovem senhora e pelo perfume extravagante e da maquiagem, muito carregada
para uma executiva. Também não passou despercebido, para Clarisse, as olheiras
da jovem senhora, e o olhar vazio e perdido, para o outro ao lado dela. A outra
ponta do casal era senhor de idade indefinida, de pela negra que brilhava na
luz do sol, rosto sem barba e o cabelo cortado à moda militar. Ele trajava um
clássico paletó azul escuro, calça da mesma cor, colete e vestia sapatos marrom
de crocodilo Oxford preto. Clarisse deduziu que se tratava de um estrangeiro
também, um africano provavelmente, um professor visitante, ou mesmo um adido
cultural. O homem era todo sorriso ao ver o embrulhado delicadamente, passando
das mãos da balconista para jovem promotora sênior de vendas.
— Mais uma boa venda amiguinha
Aninha? — Falou Clarisse furiosa para a vendedora sênior, que nada sabia de
literatura, atendendo aquele elegante casal. Ela calculou que era o livro As
cinzas da horas mudando de mãos.
E qual o motivo da Anna Victória
atender os dois pessoalmente e não ela, a resposta veio rápido, o homem
estrangeiro falou em francês com Anna Victória. O homem falava francês com uma
elegância aristocrática, um sotaque de Paris e Anna Victória o respondia com um
sotaque canadense. Ele tomou o livro embrulhado da empacotadora e agradeceu e
logo mostrou para a jovem senhora ao lado dele. A teuta sorriu amarelo para o
elegante senhor africano, e esse engole o sorriso e se vira a moça dos, ele deu
um cartão e fala em francês que Anna Victória logo repassa para a balconista e
traduz o que o homem acabara de falar.
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