Revista literária virtual, uma viagem cultural.
Editor: Jornalista Paccelli José Maracci Zahler (CRP/MTE nº 14402/DF)
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sábado, 1 de fevereiro de 2020
LITERATURA:O QUE ACONTECEU EM 2019?
Por Vitor Pinto (Brasília, DF)
Sim, eu sei: 2019 é um
daqueles anos intermediários que só aguarda a chegada de dias melhores, uma
correção no que não está certo (ah, e como isto é assim no Brasil de hoje…). Em
geral, espera-se que tudo aconteça, ou pelo menos seja diferente, nos anos
“redondos”, aqueles que fecham uma década (alguns até um século): 1900 – 1990 –
2010 – 2020. Algo sobra para os que ficam a meio caminho: 1905 – 1995 – 2015.
Os demais são mais facilmente esquecidos.
Mas, o fato é que estamos
no final de dezembro de 2019, quando é de todo conveniente estendermos um olhar
para aquilo de bom ou preocupante ocorrido desde janeiro e nada melhor do que
escolhermos a literatura por ser uma boa referência para estes duros tempos em
que vivemos.
Se literatura é cultura,
então não restam dúvidas de que no Brasil este foi um dos piores anos de toda a
história nacional. Ao ponto de que o governo federal acabou por jogar pela
janela todo o esforço positivo (ou pelo menos as lutas) acumulado nos últimos
anos, afinal condenando o setor a se tornar um desprezado apêndice de um
ministério do … turismo (???). Logo, no mesmo fosso foram lançadas as agências
responsáveis pela cultura pátria: Ancine, Iphan (patrimônio histórico), Ibram
(museus), Biblioteca Nacional, Casa de Rui Barbosa, Palmares, Funarte.
Sequer de dados
atualizados dispomos. A única pesquisa séria e independente realizada no país,
a “Retratos da leitura no Brasil”, a cargo do Instituto Brasileiro do Livro,
uma organização privada mantida por contribuições de empresas do mercado editorial,
é feita a duras penas de 4 em 4 anos num mundo em que a informação é
instantânea. Na última, já de 2016, constatou-se que brasileiro se limita a ler
a Bíblia e mais algumas publicações de cunho religioso, seguindo-se os
obrigatórios livros didáticos. Nas escolas, floresce uma paralela indústria de
copias xerográficas que causa notável prejuizo a autores e editores. Não é de
surpreender que a rede La Selva tenha falido, a francesa FNAC abandonou o nosso
mercado, a Saraiva e a Cultura entraram com pedidos de recuperação financeira a
fim de pagarem o que devem quando puderem e a perder de vista, indiretamente
quebrando extensa lista de fornecedores e de editoras.
A mídia paulista diz que
outras empresas menores estão se esforçando para ocupar os espaços liberados
pelas grandes redes. É o caso da Livraria da Travessa, Da Tarde, Mandarina que
abrem novas lojas, enquanto nas calçadas (a que ponto chegamos…) surgem
modestas “livrarias de rua”. Se isso se dá em São Paulo e em alguma outra
capital, no restante do país as poucas livrarias existentes fecham suas portas.
Fruto dos tempos atuais a
literatura pouco a pouco se transformou num campo de batalha política onde vale
tudo, menos a arte. Até a FLIP de Parati, um dos únicos portos de sustentação
do movimento literário nacional, neste ano resolveu que a grande homenageada da
feira deveria ser a poetisa americana Elizabeth Bishop, para quem “o golpe de
64 foi uma revolução rápida e bonita”. Antonio Prata tentou defendê-la dizendo
que “Bishop é ótima porque foi abertamente gay numa época em que isto era
heresia”. E acrescentou que bebia um bocado. Os frequentadores armaram uma
revolta e tentaram um boicote que não deram em nada. Queriam homenagem a um (ou
uma) brasileiro negro ou proveniente das chamadas “pautas identitárias”.
Satisfizeram-se com duas mulheres como ganhadoras dos prêmios São Paulo e
Oceanos (Ana Paula Maia com “Enterre seus mortos” e a portuguesa Djaimilia
Almeida com “Luanda, Lisboa, Paraiso”).
Melhores brasileiros de
2019
O Jabuti do ano ficou com
Pedro Ferreira de Souza com “Uma história da desigualdade” e o melhor romance
foi conferido a Thiago Ferro por “O pai da menina morta”. No sul o movimento
literário continua resistindo bravamente. O Prêmio Minuano de Literatura que
objetiva reconhecer a produção dos escritores gaúchos fez uma bela festa para o
vencedor Samir Machado com “Tupinilândia” que transformou em livro a pesquisa
mostrando a inclinação dos brasileiros pela ditadura.
A revista Bula listou
livros brasileiros cotados entre os melhores publicados no ano: “O verão
tardio” de Luiz Rufatto e “Sobre o autoritarismo” de Lilia Moritz Schwarcz
editados pela Companhia das Letras; “Liberdade vigiada” de Paulo César Gomes e
“Sobre lutas e lágrimas” de Mário Magalhães pela Ed. Record; “Jovita Alves
Feitosa, voluntária da pátria” de José Murilo de Carvalho pela Chão Editora;
“Torto arado” de Itamar Vieira Júnior pela Todavia.
Em Brasília, houve uma
Feira do Livro na Esplanada dos Ministérios, com as confusões e a modesta
repercussão de costume. Os lançamentos costumam ser feitos no restaurante Carpe
Diem, mas Pedro Tierra apresentou no Sebinho sua nova obra: “Pesadelo, narrativas
dos anos de chumbo”, pela Ed. Autonomia.
No mundo, os grandes
destaques
Os cinco “best books” do
ano para o The New York Times foram:
Disappearing Earth”
(Terra desaparecida) – Julia Phillips
The Topeka School (A
escola Topeka) – Ben Lerner
Exhalation stories”
(Histórias de evaporação ou de sussurros, em tradução livre) – Ted Chiang
Lose children archive
(Arquivo de crianças perdidas) – da mexicana Valeria Luiselli
Night boat to Tangier
(Barco noturno para Tangier) – Kevin Barry
O Time incluiu na sua lista
dos cinco melhores:
The nickel boys (Meninos
que valem um niquel) de Colson Whitehead
The testaments (Os
testamentos) de Margaret Atwood, que mereceu uma bela foto de capa
Lose children archive
(vide acima) de Valeria Luiselli
The need (A necessidade)
de Helen Phillips
Black leopard, red wolf
(Leopardo negro, lobo vermelho) de Marlen James
O também londrino The
Guardian expandiu suas indicações para várias modalidades além da ficção e em
Portugal em geral os críticos preferiram dar ênfase a livros publicados nos
últimos anos, como “Rio das Flores” de Miguel Sousa Tavares; “O dia em que te
esqueci” de Margarida Rebello Pinto; “Os cus de Judas” de Antonio Lobo Antunes;
“História concisa de Portugal” de David Birmingham com tradução de Daniel
Miranda,
No começo do próximo ano
já poderão ser encontradas nas livrarias brasileiras outras obras dos dois
Prêmios Nobel atribuídos para Olga Tokarczuk (“Vagantes” com histórias passadas
em vilarejos poloneses) e Peter Handke (“Dom Juan narrado por ele mesmo”; “Ensaio
sobre o cansaço”).
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