sábado, 1 de fevereiro de 2020

CARTA Nº 10 – DE ZORRILHO PARA KATTY


Por Urda Alice Klueger (Enseada de Brito, SC)



Oi, Katty, tudo bem aí? Sei que sempre dão notícias minhas para você, mas na verdade a gente nunca conversou.
                        Quando eu vim para a vida aqui da minha família, o veterinário disse que eu tinha entre dois a três anos, o que significa que agora tenho entre cinco a seis anos, isto é, sou um cachorrinho jovem e cheio de energia, e às vezes faço coisas que deixam a Urda pasma, embora eu ache tão natural me esconder debaixo de cobertas e almofadas nos dias quentes – é algo que está no meu DNA, como se no passado eu tivesse pertencido a uma raça que gostava de tocas. Também tenho um buraco na cerca que só eu sei: como sou o menor da família, eu entro e saio do nosso lar quando quero. É um buraco secreto, onde só caibo eu, e nem a Urda nunca conseguiu descobri-lo. Também sou um bom cavador de buracos – talvez um dia eu chegue até o Japão! Às vezes a Domitila anda por lá xeretando a minha passagem secreta, mas como ela é gata, não precisa de buracos: sai por cima da cerca quando quer.
                        Essa Domitila é uma figura! Quando veio e era só uma coisinha de nada, tornou-se a minha maior amiga e dormíamos os dois juntos, abraçadinhos, além de brincarmos muito e muito. Só que ela acabou ficando um pouco maior que eu e aí tivemos que desfazer um pouco a sociedade, pois as unhas dela também cresceram. Hoje a melhor amiga dela é a Tereza Batista e eu sou um cachorrinho um pouco solitário, que vai e que volta e que faz o que quer – na verdade, acho que quem mais gosta de mim é a minha amiga Maria Antônia. Lá na casa dela eu subo em todos os sofás e ganho muito carinho – na nossa casa são tantos bichos que uma Urda só não é suficiente para todos nós. Veja só, além de todos dos quais já falei, ainda tem o Atahualpa e a Manuelita Saens.
                        Essa Manuelita é uma gata estranha, que vive só no quarto, banheiro e closed da Urda, e que só sai de lá por uma janela que tem uma escadinha para gatos, que dá para os fundos de casa. E lá, noutro dia, houve que ser feita uma obra por detrás das bananeiras, e o Cristiano, que é quem estava trabalhando, encontrou uma grande e linda cobra coral. O Cristiano ficou com muito medo e matou a cobra, mas agora a Urda sempre fica dizendo para a Manuelita tomar cuidado, pois pode aparecer o marido da cobra procurando por ela.           
                        - É o Cobro! – a Urda explica, bem preocupada, mas a Manuelita, do alto da sua aparente indiferença, noutro dia me segredou que estava cansada de conhecer aquela cobra, que sempre a via lá perto das bananeiras, à noite. Lá nos fundos passa um ribeirão onde os ratos veem beber água, e a cobra vivia ali, tocaiando os ratos. Manuelita contou, também, que a cobra era certeira, muito caçadora – enxerida como é, Domitila entrou na conversa e também disse que há muito conhecia a cobra, que só não a trouxera para dar de presente à Urda porque era muito grande.
                        Pois é, Katty, e a vida aqui vai seguindo, mas mesmo com muito pouco tempo, de vez em quando a Urda me pega no colo e fica conversando comigo. Ela diz coisas assim:
                        - Meu bichinho! O que terá acontecido na tua vidinha antes de eu te conhecer? – e eu fico com os olhos cheios de lágrimas, pois lembro daquelas coisas embaralhadas que ficaram dentro da minha cabeça e que não tenho como contar para ela, mas ela sabe que houve pelo menos duas situações muito diferentes no meu passado, pois a Urda entende muito dos corações dos cachorrinhos. Ultimamente, ela tem ficado com medo de me perder, pois sou muito livre e vou no colo de qualquer pessoa boazinha – e se alguém me leva, né? Mas esse é o meu jeito de ser, sempre correndo para lá e para cá, ou lá na frente ou lá atrás, aproveitando a minha vidinha como dá.
                        Está chegando o Ano Novo, e eu achei que esta seria uma boa ocasião para conhecer mais você, e então criei coragem para escrever. A Urda fala tão bem de você que você nem imagina!
                        Feliz Ano Novo, Katty! Muitas lambidas deste Zorrilhozinho que está tão gordinho que parece uma bola! Tudo de bom, e que as pessoas não soltem muitos foguetes para a gente ficar com medo!

                        Grande carinho,

Sertão da Enseada de Brito, 28 de dezembro de 2019.

Escrito por Urda Alice Klueger
Escritora, historiadora e doutora em Geografia.

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