Por Urda Alice Klueger (Enseada de Brito, SC)
Oi, Katty, tudo bem aí?
Sei que sempre dão notícias minhas para você, mas na verdade a gente nunca
conversou.
Quando eu vim para a
vida aqui da minha família, o veterinário disse que eu tinha entre dois a três
anos, o que significa que agora tenho entre cinco a seis anos, isto é, sou um
cachorrinho jovem e cheio de energia, e às vezes faço coisas que deixam a Urda
pasma, embora eu ache tão natural me esconder debaixo de cobertas e almofadas
nos dias quentes – é algo que está no meu DNA, como se no passado eu tivesse
pertencido a uma raça que gostava de tocas. Também tenho um buraco na cerca que
só eu sei: como sou o menor da família, eu entro e saio do nosso lar quando
quero. É um buraco secreto, onde só caibo eu, e nem a Urda nunca conseguiu
descobri-lo. Também sou um bom cavador de buracos – talvez um dia eu chegue até
o Japão! Às vezes a Domitila anda por lá xeretando a minha passagem secreta,
mas como ela é gata, não precisa de buracos: sai por cima da cerca quando quer.
Essa Domitila é uma
figura! Quando veio e era só uma coisinha de nada, tornou-se a minha maior
amiga e dormíamos os dois juntos, abraçadinhos, além de brincarmos muito e
muito. Só que ela acabou ficando um pouco maior que eu e aí tivemos que
desfazer um pouco a sociedade, pois as unhas dela também cresceram. Hoje a
melhor amiga dela é a Tereza Batista e eu sou um cachorrinho um pouco
solitário, que vai e que volta e que faz o que quer – na verdade, acho que quem
mais gosta de mim é a minha amiga Maria Antônia. Lá na casa dela eu subo em
todos os sofás e ganho muito carinho – na nossa casa são tantos bichos que uma
Urda só não é suficiente para todos nós. Veja só, além de todos dos quais já
falei, ainda tem o Atahualpa e a Manuelita Saens.
Essa Manuelita é uma
gata estranha, que vive só no quarto, banheiro e closed da Urda, e que só sai
de lá por uma janela que tem uma escadinha para gatos, que dá para os fundos de
casa. E lá, noutro dia, houve que ser feita uma obra por detrás das bananeiras,
e o Cristiano, que é quem estava trabalhando, encontrou uma grande e linda
cobra coral. O Cristiano ficou com muito medo e matou a cobra, mas agora a Urda
sempre fica dizendo para a Manuelita tomar cuidado, pois pode aparecer o marido
da cobra procurando por ela.
- É o Cobro! – a Urda
explica, bem preocupada, mas a Manuelita, do alto da sua aparente indiferença,
noutro dia me segredou que estava cansada de conhecer aquela cobra, que sempre
a via lá perto das bananeiras, à noite. Lá nos fundos passa um ribeirão onde os
ratos veem beber água, e a cobra vivia ali, tocaiando os ratos. Manuelita
contou, também, que a cobra era certeira, muito caçadora – enxerida como é,
Domitila entrou na conversa e também disse que há muito conhecia a cobra, que
só não a trouxera para dar de presente à Urda porque era muito grande.
Pois é, Katty, e a vida
aqui vai seguindo, mas mesmo com muito pouco tempo, de vez em quando a Urda me
pega no colo e fica conversando comigo. Ela diz coisas assim:
- Meu bichinho! O que
terá acontecido na tua vidinha antes de eu te conhecer? – e eu fico com os
olhos cheios de lágrimas, pois lembro daquelas coisas embaralhadas que ficaram
dentro da minha cabeça e que não tenho como contar para ela, mas ela sabe que
houve pelo menos duas situações muito diferentes no meu passado, pois a Urda
entende muito dos corações dos cachorrinhos. Ultimamente, ela tem ficado com
medo de me perder, pois sou muito livre e vou no colo de qualquer pessoa
boazinha – e se alguém me leva, né? Mas esse é o meu jeito de ser, sempre
correndo para lá e para cá, ou lá na frente ou lá atrás, aproveitando a minha
vidinha como dá.
Está chegando o Ano
Novo, e eu achei que esta seria uma boa ocasião para conhecer mais você, e
então criei coragem para escrever. A Urda fala tão bem de você que você nem
imagina!
Feliz Ano Novo, Katty!
Muitas lambidas deste Zorrilhozinho que está tão gordinho que parece uma bola!
Tudo de bom, e que as pessoas não soltem muitos foguetes para a gente ficar com
medo!
Grande carinho,
Sertão da Enseada de
Brito, 28 de dezembro de 2019.
Escrito por Urda Alice
Klueger
Escritora, historiadora e
doutora em Geografia.
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